
É de compreensão comum que as pessoas se salvavam no antigo testamento por seguir as obras da Lei, ao passo que no novo testamento seria apenas pela graça.
A salvação sempre foi, é e será apenas por fé.
Fé num salvador que haveria de vir no caso do antigo testamento.
Fé num salvador presente no tempo de Jesus.
E fé num salvador que já veio nos tempos do novo pacto. Isto é; agora.
Dêem-me um ponto de apoio e moverei o mundo diz a frase de Arquimedes. Tal parece que isso foi o que aconteceu com Lutero entre 1515 e 1522 ao se deparar com Romanos 1:17 e 3:23-26
Lutero
Lutero era um homem atormentado com a falta de segurança da sua salvação. Ao final das contas, ele se conhecia bem e sempre havia um outro pecado para ser confessado, uma outra penitência para ser praticada, uma outra punição para ser aplicada.
Sendo Deus santo e ele tão pecador, não havia oportunidade para ele ser salvo, já que não havia fim nessa espiral de auto-perseguição espiritual que o afastava cada vez mais da solução.
Aprouve a Deus ter Lutero um confessor que lhe encaminhou a ler a Bíblia, em particular a epístola de São Paulo aos Romanos.
A vida comum
Lutero não era o único a estar atormentado por este assunto. Na realidade a sociedade como um todo vivia sob esta pressão.
A igreja de Roma estabelecia penitencias para pecados veniais. Isto é: aqueles que não levam à perdição mas que trazem castigo segundo a doutrina Romana. Para tais, exisitíam missas particulares, indulgências, e outras cerimônias dependendo da quantidade, da gravidade e do poder adquisitivo do pecador.
Diferente dos tempos atuais, a vida no fim da idade média estava permeada completamente pela hegemonia da igreja Romana. Ou seja a vida politica, social, familiar, intelectual, artística e todas as outras áreas que você consiga imaginar, estavam impregnadas pelos conceitos, ideias, filosofias, ritos e leis que emergiam na igreja de Roma.
Não que Lutero tenha sido a primeira voz a se levantar contra o sistema. Porém ele foi o primeiro a articular formalmente uma representação do que não mais se encaixava, em especial na esfera espiritual. Não era mais possível que – tendo o renascimento mostrado a importância das ideias, o valor do ser humano, a relevância da liberdade na vida comum – seres pensantes como Lutero permanecessem quietos.
No tempo de Lutero, a sociedade inteira estava fervilhando. Nomes como Nicolau Maquiavel, Nicolau Copérnico e Leonardo Da Vinci já tinham ou estavam fazendo sua contribuição quando Lutero entra em cena.
Logo, o que às vezes se atribui apenas a Lutero tem que ser visto num contexto mais amplo e fiel aos fatos comprovados.
Então, o que esses dois textos chamaram a atenção deste monge alemão e porquê trouxeram tal mudança tão profunda e marcante que até hoje a cristiandade ocidental se divide entre Católicos e Protestantes?
Romanos 1:17
O profeta Habacuque, observando a sociedade em que vivia, exige do Senhor uma resposta. Anseia por um desdobramento de um Deus justo sobre uma sociedade encardida no pecado.
Nesse contexto, o profeta registra a frase:
Eis que sucumbe o que não tem a alma íntegra, mas o justo vive por sua fidelidade.
Paulo, escreve a epístola aos cristãos da capital do império romano por volta do ano 56 da nossa era. Nela ele recolhe o trecho de Habacuqe mas com uma ênfase um pouco diferente:
Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: “O justo viverá pela fé”.
Se o “justo” a que Paulo faz referência fosse um que consegue estabelecer sua própria justiça, então carece sentido a frase imediatamente anterior em que diz “no evangelho é revelada a justiça de Deus” Pois se o justo se faz a si mesmo, não há necessidade de uma boa notícia e nem de intervenção divina.
Assim sendo, há quem diga que a frase fica melhor com uma reorganização. Ficando assim: “O justo pela fé, viverá“.
Justificação é um termo judicial que se opõe – no seu conceito – ao de ser condenado. O juizo final não admite mais do que dois resultados apenas: Justificado ou condenado.
É justamente o fato de ser justificado o que trouxe paz a Lutero. Ele se deparou com Romanos 5:1 e 8:1 textos nos quais o apóstolo Paulo declara que
- estamos em paz com Deus e
- não há mais condenação possível.
Não é apenas um ato imaginativo de Deus em que ele se elude com a situação do Homem tentando convencer-se de que o Homem é uma coisa que não é: justo. Trata-se mais da injeção do seu Espírito na vida do ser humano por meio do qual a justiça divina começa a fazer morada no individuo.
Lutero, plenamente embuido do espírito da sua época que colocava em realçe o individuo e em relevo o ser humano, se apropia desta verdade e a transforma no seu ponto de apoio ao redor do qual todos os outros começam a girar. Mais tarde a reforma colocaria eles em ordem: Sola Fide, Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia, Soli Deo Gloria. Ou seja, Apenas Fé, Apenas a Escritura, Apenas Cristo, Apenas a graça e unicamente a Deus se deve Glória.
Romanos 3:23-26
Demos agora uma olhada na outra passagem que escolhemos hoje para exemplificar o pensamento de Lutero.
É obvio que não dá em uma pregação de 20 minutos encaixar tudo o que deve ser dito sobre Romanos 3. Nem sequer da para colocar aquilo que Lutero descobriu já que a vivência deste homem neste texto foi muito marcante. Apenas conseguiremos vagamente exemplificar o pensamento de Paulo e Lutero sobre estes assuntos e isso de forma muito superficial. Entendemos, todavia, ser o mínimo que pode ser dito sobre o texto.
O versículo 23, faz uma generalização daquelas que costuma provocar grandes problemas.
todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus
Paulo poderia ter dito “há algumas pessoas realmente ruins nesta vida”. Poderia ter pontoado que “há alguns que não mereciam estar vivos por causa da sua ruindade”.
Mas não. Paulo diz: “todos pecaram“. Simplesmente não há distinção. Judeu ou não, todos pecaram. Não se trata apenas – como algum bom agostiniano diria – de sermos por natureza pecadores. Mas sim de que cada um dos seres humanos tem pecado.
Pecado é uma palavra muito simples nas línugas neo-latinas e anglosaxonas para traduzir uma variedade bem ampla de palavras que trazem a ideia de errar ao alvo.
Não é um errar ao alvo por incapacidade ou por falta de vontade apenas. É errar ao alvo colocado pelo criador por incapacidade, por falta de vontade e por exercicio da vontade humana.
Pode parecer desgarrador – aos olhos humanistas da nossa época – o fato de Paulo dizer que “todos pecaram“. Mas se você para para pensar um pouco na depressão profunda à que Lutero estava exposto por não conseguir agradar a Deus, você rápidamente verá que se trata de motivo de grande alegria saber que está a humanidade toda no mesmo barco.
Não que o fato de estarmos “destituidos da glória de Deus” seja motivo de alegria ou de louvores. Mas sim o que o texto fala: Deus é quem justifica mediante a fé em Cristo a todos os que crêem. (Rom 3:22) Isso sim é motivo de grande alegria: sabermos que ao crermos temos sido não apenas justificados, mas remidos.
Redenção é um termo comercial. É o preço pago em nosso resgate. Na analogia bíblica, éramos escravos e agora fomos libertos pois o preço de nossa liberdade foi pago completamente. Ou como diz o hino “foi pago de um modo cabal“.
Não cabe mais possíbilidade do antigo dono reclamar nenhum direito sobre nós pois o preço justo e satisfatório foi pago na cruz.
Deus ofereceu [Jesus Cristo] como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça
Isso sim é motivo de alegria!
Somos plenamente salvos. Se bem éramos completamente escravos. Se bem estávamos completamente condenados. Se bem éramos completamente incapazes de salvar a nós mesmos. Deus se mostra justo ao nos salvar. Como assim justo?
Bem, porque a encrenca em que nos havíamos metido era tão grande e a dívida era tão grande que – mesmo Deus tendo todo o poder para reverter a situação pela força – escolhe o caminho do sacrifício e do pagamento completo da dívida que nós -seres humanos- tínhamos criado e que nos era impossível saldar.
Ele é justo e justificador de todos os que nele crêem. (Rom. 3:26) Quando a Biblia diz “é” se refere ao caráter de Deus. Agir de outra forma seria deixar de ser Deus. E isso é impossível.
É por isso que esse texto lúgubre de “todos pecaram” traz tanta luz e alegria. Estamos todos no mesmo nível. Todos precisamos da mesma graça e nenhum de nós merece coisa alguma por mais que todas as propagandas do momento sinalem o contrário.
Conclusão
Assim como nos tempos de Habacuque, de Paulo, de Lutero, estámos perante uma sociedade que a cada dia se degrada e busca sua própria corrupção.
Não é de agora que há necessidade de uma redescoberta do caráter básico de Deus. É contra essa descoberta que o sistema deste mundo atua e é contra esse sistema diabólico que a voz da igreja em constante reforma se deve levantar mais uma vez.