A esperança cristã diante do caos: reconciliação e justiça em tempos de conflito

Jesus era um mestre com as palavras. Repare, por exemplo, em como ele fazia uso das parábolas e em especial como elas faziam sentido para o grupo de discipulos ao passo que os outros ficavam – propositalmente – sem saber de fato do que se tratava. São como mísseis teledirigidos: eles tem um ponto específico que atingir.

Outra coisa das parábolas, é que elas nos fala de uma situação conhecida, mas distante de nosso convivio. Ou dito de outra forma: falava de coisas que eram assunto entre os ouvintes, mas nenhum deles poderia se sentir atingido ou apontado com o ensinamento já que “era sobre os outros”.

Então, por que não falar da situação na Ucrânia? É uma coisa conhecida – ao menos na teoria para os leitores tupiniquins – e ao mesmo tempo distante, que nos pode falar de coisas bem corriqueiras sem que por isso nos ofenda ou coisa assim.

A semana foi marcada por avanços e recuos militares na guerra de agressão que Rússia desenvolve contra seu ex estado vasalo, a Ucrânia. Também durante a semana houve um aumento das tensões entre EUA, Europa e Rússia. Se discutem sanções e acordos comerciais. Enfim, o cenário internacional permanece instável, com impactos sociais e econômicos significativos.

Como dizia Susanita da tão amada tira cómica de Quino nos anos 60 e 70 – Mafalda – “Menos mal que o mundo é tãaaao longe!”

Qual é a condição, as ferramentas, e o conteúdo da mensagem cristã em situações de agressão (Antes de responder, lembre da agressão do Hamas contra o estado de Israel e a resposta que este está tendo e a situação do povo palestino)

E essas condições, ferramentas e conteúdo, se pode aplicar a qualquer conflito? Ou é apenas para casos de geo-política? Será que há tanta diferença de um conflito armado a um espiritual? Ou de um militar a um civil? Ou de um civil a um familiar? Ou de um familiar a um pessoal?

  1. Existe esperança.O que hoje se estima como desgraça, na realidade trata-se da grande graça. A esperança. Se bem é verdade o que alguém disse sobre a guerra “A primeira baixa é a verdade” também é certo que podemos afirmar que “a última sobrevivente é a esperança” sendo que – ao faltar esta – tudo está perdido pois esta sobrevive mesmo até o findar dos recursos e sem esperança, nem mesmo com recursos é possível achar uma saída ao conflito.Ucrânia, não apenas tem se mostrado resiliente como também tem se mostrado inovadora nas modalidades de defesa adiando o final da guerra para “poder lutar amanhã” até que o reforço do ocidente (tão obviamente necessário) se faça manifesto de forma incontestável.
  2. O caos desafia toda esperançaO caos é anterior à criação. Na criação, Deus se opõe ao caos colocando paz y harmonia. O mundo tenta imitar a paz de Deus, mas não consegue evitar o caos ou lhe dar uma solução ou pelo menos uma explicação aceitável. Apenas levantar perguntas – muito boas por certo – mas sem uma solução palatável.A guerra – que como muitos dizem é o estado natural do homem moderno e é o que o distingue da humanidade anterior – traz o caos. A alteração brutal da vida comum. O sobressalto desnecessário no meio da noite. Os ataques inumanos contra hospitais, escolas, centros de detenção, centrais de energia termo-nuclear, reservatórios de água, etc…Ir para um estado de paz, requer mais do que boa vontade. E repare que não falei em “voltar” e sim em “ir”. Nunca mais a situação será a mesma. Mas há esperança e o caos não prevalece.Todavia, esse “não prevalecer” não é natural. Ou seja, a esperança por si só, não tem o vigor necessário para prevalecer contra o caos. E esperança está no impotente. Daí que só o potente pode – de fato – enfrentar o caos… como na criação.
  3. A justiça como resposta ao caosO caos ocasionado por decisões de seres humanos, só pode achar seu cauce de vazão na justiça. Daí que a tão almejada paz não se alcance enquanto haja esperança, recursos e injustiça. Tire só um dos três pilares e os outros prevalecem. Como a esperança não pode ser tirada e a justiça não pode ser instaurada no atual estado de coisas, apenas resta aos que podem, retirar e ameaçar tirar os recursos. Que sobra: esperança e injustiça. E isso é receita para o fraticidio a longo prazo.Então a justiça (os oblast de Ucrânia ocupada precisam voltar a serem da Ucrânia, os crimes de lesa humanidade precisam ser julgados, etc) precisa prevalecer. Ou, dito de outra forma, a mentira inicial que deu o “amparo” moral que Putin precisava, precisa ser escancarada. (Assim como precisaria a mentira que levou ao segundo ataque ao Iraque no final dos noventa)Sem justiça, a paz não tem como existir quanto menos se sustentar.Talvez por isso que “justificados … temos paz” Romanos 5. Ou seja, endireitados temos paz com Deus.

Agora, avaliemos outros conflitos antes de apressar-nos com as conclusões. Pensemos em outros conflitos como o caso do Iran contra o resto do mundo. Ou da Cachemira, ou de China contra Taiwan. Ou da Rússia contra o Japão. Ou dos EUA contra o restante do mundo comercialmente.

Pode encontrar sempre esse mesmo tripé.

Mas pensemos em situações familiares, ou de casal. Sem justiça, não há como florescer a paz e a esperança e os recursos vão definhando até não ser possível uma reconstrução. É facil se sentir injustiçado. Dificil é promover a justiça quando isto tem prejuizo próprio.

Porém, se observarmos mais fundo, pessoalmente também há esse estado caotico da alma humana com seu criador e – a partir disso – com outras criaturas e com a natureza, mas pior que tudo, consigo mesmo o ser humano está em constante rebeldia e dessassossego.

Lamentavelmente, por mais que os livros de auto-ajuda indiquem o contrário, você não pode – por esforço próprio – conseguir estar em paz com seu Criador e – por conseguinte – com você mesmo. É uma questão de tempo até que as rochas afiladas do fundo do seu rio, apareçam depois das aguas do esforço proprio vazarem e derem lugar à realidade.

Me acompanhe só mais um minuto… De um plano distante como a Ucrânia, em que nos resulta bastante fácil dar palpite e formar opinião, fomos avançando até chegarmos ao cotidiano e pessoal.

Em certo sentido, lhe vai parecer risível a proposta que vem, mas na realidade ela é poderosa demais para que seja levada a sério pela maioria.

A nossa situação se parece com os rebeldes dos oblast da Ucrânia: ajudados por um poder externo, atacam a própria nação. De igual forma, ao aceitarmos a invasão em âmbito pessoal das ideias, principios, regras de convivio, valores dúbios, auto-indulgencia, etc, o que estamos fazendo – em território pessoal ou familiar – é convidando um poder muitissimo maior do que nós para nos respaldar em nossa rebelião. Repetimos a história do Eden. Daí que Paulo diz “todos pecaram e estão destituidos da glória de Deus”

E aí que vem a solução que para o mundo é chamada de “maldita” pois lhes parece loucura. (E não lhes poderia parecer outra coisa)

O que foi que Deus fez quando a rebelião alcançou seu auge? Qual era o plano desde antes da criação do mundo? Conforme diz a segunda carta aos Coríntios, “Deus nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação” (2Cor. 5:18-20)

A reconciliação que Deus fez conosco (a custo da vida do próprio filho) não pode ser tido como um exemplo apenas, mas sim como uma razão de ser. Ou seja, a reconciliação (mesmo com custo pessoal) faz parte do ser cristão. O novo homem partilha da responsabilidade (glória) da nova criação e participa assim dos sofrimentos do Cristo ao estender a mão da reconciliação para quem – como nós – não a merece.

Graça sobre graça de forma prática. O Reino de Deus pode ser visto como o grande projeto de reconciliação de Deus com a raça humana. Veja bem, não é o homem que se reconcilia com Deus, é Deus quem reconcilia o homem com seu Criador.

Como que isso afeta o panorama mundial. Bem, primeiro que não há nada que não seja espiritual e isso fica de manifesto em guerras, epidemias, e todo tipo de catástrofe. O mesmo vale para relações familiares ou para nossa vida pessoal.

Essa conexão é facil de demonstrar: não interessa se o sistema que domina um país é democratico ou autocratico, todo governo teme à opinião do povo pois quando o povo se levanta, muitas coisas mudam de forma repentina. Sim, sei que também essas mudanças não conseguem se suster por muito tempo e o povo se evapora assim que a mudança é realizada dando lugar a outro esquema (geralmente tão ruim quanto o primeiro) contanto prometa algumas mudanças que atingem a massa.

Bem, seja como for, há uma realidade espiritual conectada à nossa realidade “humana”. Ou dito de outra forma: os gregos estavam certos em fazer uma tricotomia do ser humano: alma, corpo e espirito. Os judeus estavam certos em sua dicotomia. Os orientais estão certos em observar que há algo para além do físico. Enfim.

O ponto aqui é que o que a igreja proclama, tem um peso importantissimo mesmo a miles de kilometros de distância (sem por isso diminuir ou eliminar a reponsabilidade e as possibilidades pessoais que há in-situ).

Se a igreja para de idolatrar ou demonizar a esquerda e a direita, ela fica livre para assumir seu lugar na história. Qual lugar é este? Do lado da restauração da imagem de Deus na sua Criatura. Como se consegue isso? Por meio da mensagem da reconciliação.

Veja. Não há nada tão importante como a superação do caos. Deus não é a fonte do caos. Logo, a superação do caos, é a constante do Criador. Todavia, em sua liberade, o ser humano tem escolhido (e escolhe regularmente) ir contra seu criador.

Mas Deus, o deus que se revela na Bíblia, é soberano sobre a história. Nada há que se escape do controle dele. Não é possível ele concordar com o que o homem – em seu desejo por se afastar do Criador – escolhe. Logo, é a Igreja a encarregada de fazer sua parte do serviço aqui na Terra. E para isso, deve anunciar a mensagem que é o cerne da restauração do Criador na Criatura: a mensagem da reconciliação.

Ucrânia e Rússia enfrentam uma guerra fraticida. Compartilham centenas de anos de similaridades culturais e religiosas. Mas se matam entre eles. É obvio que parece uma mensagem fraca (e talvez por isso me detive a explicar o por quê a justiça é necessária para alcançar a paz e não ao contrário), mas a mensagem que a Igreja tem é a de reconciliação. Ou seja, o que é sinal mesmo de justiça e paz após o conflito? A reconciliação.

O mesmo vale para as familias, o mesmo vale para os casais, o mesmo vale para o individuo em sua rebeldia com Deus.

Está você em rebeldia com Deus? Acha que a solução para o Hamas é apenas bala e vala? Então é melhor começar a se arrepender.

“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” Mateus 5:9

Sobre Esteban D. Dortta

Esteban é um pastor evangélico. Estudou teologia no Seminário Teológico Batista do Uruguai entre 1991 e 1994. Nascido em 1971, vive no Brasil desde 1995. Entende que a liberdade de pensamento, expressão e reunião são essenciais para o desenvolvimento não apenas cristão, mas de toda a sociedade.