
AVISO AOS NAVEGANTES; Como todo artigo, este busca provocar o pensar do leitor e não instrui-lo sobre como agir. Todavia, em assunto tão delicado vale fazer uma ressalva: Se você tem a prática de entregar um percentual dos seus ingressos regularmente na sua igreja local; se você faz isso com alegria e pureza de coração; se com isto está esperando absolutamente nada em troca, então nada mude. Se sua igreja local, no exercício da sua mais plena liberdade decidiu – com a anuência de seus membros – que é importante cada um dos seus membros entregarem uma certa parcela fixa de forma regular para a manutenção dos seus programas e você faz isso de forma feliz, livre e desinteressada: nada mude.
O dízimo se presta hoje e desde tempos longícuos para uma interpretação simplista e de tendências dominantes de uma classe sobre outra. Dito em outras palavras, lhe é dito ao membro da comunidade que se dizimar Deus vai lhe abençoar e caso contrário, o devorador tomará conta.
Obviamente que o texto usado é Malaquias 3:10. A interpretação dada, limita a leitura apenas a esses textos e não consegue observar (talvez porque não lhe é conveniente) os textos a seguir: O povo não mais enxergava diferença entre o ímpio e o justo; prosperavam uns tanto quanto os outros. Quando por fim há uma separação entre os que temiam ao Senhor dos que não (v.16) não há menção sequer ao dizimo, apenas a promessa de que “Então vocês verão novamente a diferença entre o justo e o ímpio, entre os que servem a Deus e os que não o servem” (v.17) O problema que Malaquias levanta não é a questão do dízimo em si, mas da falta de obediência. (v.6,7) o dízimo, neste texto, é apenas um sintoma nesse problema todo. Havia um pacto que estava sendo quebrado por parte do povo judeu e a manifestação dessa quebra era a falta de mantimento na assim chamada casa de Deus. E é justamente o retorno ao pacto que Deus está cobrando.
Ai você está lendo e está dizendo, ou eu não estou entendendo coisa nenhuma ou esse cara está falando o mesmo que eu acredito. Avancemos.
É bem provável que Malaquias estivesse esperando a mesma reação que o povo teve no tempo de Ezequias uns trezentos anos antes (2Crô.32:2ss) mas a análise clara dele é que o povo se afastou de Deus e o grita de todas as formas possíveis.
Há uma base legal para o que Malaquias está reivindicando. Simplesmente você não pode sair por ai interpretando qualquer coisa esquecendo a base legal já que isso é forçar o texto a dizer coisas que ele não diz e por conseqüência, levar as pessoas a crerem em coisas que Deus não referenda (tanto positivas como negativas)
Deuteronômio 26
Talvez a mais simples de ver e de achar paralelos é a de Deuteronômio 26.
Via de regra separamos este capítulo no versículo 16 dando início à exortação à obediência como se fosse uma coisa separada da anterior. Mas na realidade são quatro engrenagens da mesma peça: a declaração de conformidade com a vontade de Deus (v.3;5-10a) a entrega das primícias (v.1,2,4,10b,11) a entrega dos dízimos (v.12-15) e a confirmação do pacto de obediência com suas consequências (v.16-19).
O paralelo surge porque Malaquias começa reclamando que o povo se tem desviado e desobedecido (exatamente onde Deut.26 termina) e por consequência, diz Malaquias, o povo não tem se mostrado fiel nos dízimos (a penúltima parte de Deut.26) a colheita não tem sido boa, as pragas têm invadido os plantios e não há então do que tirar as primícias (a segunda parte de Deut.26) com o que chegam a uma declaração de que “é inútil servir a Deus. O que ganhamos quando obedecemos aos seus preceitos e ficamos nos lamentando diante do Senhor dos Exércitos?” que é uma antítese à primeira parte de Deut.26
Assim como a imagem que se forma na retina é invertida, porém o cérebro recebe esta informação e a transforma novamente em imagem direita, precisamos ver que Malaquias está trazendo à memória coletiva a repetição da Lei (Deuteronômio significa repetição ou segunda lei) Começa com os sintomas até chegar na causa. Deus não falhou, o povo sim. Logo, o povo deve voltar-se a Deus e é essa a mensagem de Malaquias usando de modo magistral o dizimo como aferidor sintomático como quando usamos um termómetro para conferir a temperatura do corpo.
Mas, há um detalhe que escapa. Talvez por inocência, talvez por ignorância ou talvez por falta de escrúpulos mesmo. Deut.26:12 diz “Quando tiverem separado o dízimo de tudo quanto poruziram no terceiro ano, o ano do dízimo, entreguem-no ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que possam comer até saciar-se nas cidades de vocês”
O detalhe que se perde é este de “no terceiro ano“. Já analisaremos os outros, mas este é importante. Alguns que se depararam com isto já me comentaram “ah, mas isso era por conta de que a produção era anual, mas agora o ganho é mensal” e eu me pergunto: o que tem a ver batatas com trilhos de trem.
Explico-me. Por favor, dê uma olhada honesta sobre Deuteronômio 14:22-29. O texto é muito claro como para lhe dar volta. Vai parecer até tonto tentar explicar ele porque é muito diáfano.
v.22 A ordem dada é para separar o dízimo de tudo que for produzido anualmente.
v.23 A ordem é para comer esse dízimo no local que o Senhor escolheria como habitação
v.24-25 Se for longe demais, troque por metal que é mais fácil de transportar
v.26a Com esse dinheiro, compre o que quiser: Bois, ovelhas, vinho ou outra bebida fermentada ou qualquer outra coisa que você desejar.
v.26b Com suas famílias, comam e alegrem-se na presença do Senhor.
Ou seja, deixa traduzir por se não ficou claro: é uma poupança para o churrasco do final de ano com direito a vinho e cerveja (A NTLH tem uma tradução formosa sobre esse texto) Uma grande festa para celebrar o Senhor da Vida. É uma festa plural, harmoniosa, alegre.
O versículo 27 encerra isso dizendo “E não se esqueçam dos levitas…”
Talvez que alguém pudesse se fazer de bobo, não entender direito como é isso de “não se esquecer dos levitas” então a Lei (uma coisa que nem o próprio Jesus pode mudar, logo você também não pode por mais que queira) diz assim a seguir:
“28 Ao final de cada três anos, tragam todos os dízimos da colheita do terceiro ano, armazenando-os em sua própria cidade, 29 para que os levitas, que não possuem propriedade nem herança, e os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que vivem na sua cidade venham comer e saciar-se, e para que o SENHOR o seu Deus, os abençoes em todo o trabalho das suas mãos”
Antes que alguém pule, já ví a promessa no final, não sou cego. Mas cego é quem não enxerga o terceiro ano. Ou, se quiser ser legalista, 1/3 do recebido seja quinzenal, mensal, trimestral, anual. Aplique como quiser, mas nunca vai dar 10% de tudo quanto você ganha.
Assim como no amor (ame seu próximo como a si mesmo) no dízimo bíblico o que vem primeiro é o churrasco, você, sua família, seus queridos. Isso é feito por três (alguns diriam dois) anos consecutivos. Depois disso, aquilo mesmo que você ia usar para seu churrasco anual, o dividirá entre quatro grupos de pessoas: os levitas, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas.
Simplificando: Sim, o levita recebia 1/4 de 1/3 de 1/10 da produção que é bem diferente do que certas pessoas incitam a ser feito.
Coloquemos um exemplo: Digamos que nos últimos três anos você ganhou (diferença entre investimento e retorno) R$ 12.000 A cada ano, você então separou R$ 1.200 (10% de 12.000) para comprar carne bovina, ovina, vinho, cerveja e outras coisas que você gosta, fatias húngaras, torta holandesa, um bom café, etc. se juntou com outras famílias amigas na capital do seu estado e fez uma festa. Só que no final do período não haverá festa; esses R$ 1.200 serão distribuídos entre três grupos da sua cidade: o levita (se ainda houvessem), os estrangeiros (isso inclui os muçulmanos, budistas e outros que por ventura não estejam indo bem na vida), a viúva (que é criticada na cidade porque é nova mas não casa) e o órfão (que a falta do que fazer, pratica pequenos furtos para sobreviver). Se fosse em partes iguais, você doaria R$ 300,00 para cada grupo: 1200/4
Os levitas como tais não estão mais entre nós. (Precisaria ser descendente da tribo de Levi e o culto no templo ser restabelecido) mas concedamos o ponto de que se possa corresponder aos que lideram nas igrejas locais e não tem outra ou nenhuma profissão.
Para facilitar a coisa, digamos que a congregação é composta de famílias cuja média de ingressos anuais é R$ 12.000. E que esta congregação decidiu que vai praticar o dízimo bíblico (coisa que não estou incentivando porque a Lei chega até o Cristo). Mas concedamos o ponto apenas como um exercício mental. Digamos ainda que essas famílias pertencem a um de quatro grupos formados para garantir que haja um fluxo regular (já que se é para sermos bíblicos, os primeiros três anos são para a festa e o quatro é para recolher-se e entregar o dízimo)
Já pensou em quantas famílias deveria ter essa igreja? Pois é, pelo menos 200 famílias na condição de ganhar R$ 12.000 no ano. Com cinquenta famílias em cada grupo, cada grupo se juntaria para fazer um churrasco no valor de R$ 60.000 e – por conta do escalonamento – haveria uma contribuição anual de R$ 15.000 (60/4) que divididos os doze meses daria um salário pastoral de R$ 1.250,00. Os outros R$ 45.000 anuais seriam distribuídos entre as viúvas, os órfãos e os estrangeiros.
É obvio que estou levando as coisas ao limite. E é mais obvio ainda que não estou fazendo apologética pela implantação do dízimo bíblico. Mas já basta de essa enganação de dizer que dar 10% de seus ingressos tem alguma coisa a ver com o dízimo bíblico.
Antes de Deuteronômio
Alguns vão citar Números 18:21 e Levítico 27:30ss vamos a eles.
As duas citações são importantes porque são anteriores à repetição da Lei. (Ou à segunda Lei) Em Levítico 27:30, diz que todos os dízimos da terra pertencem ao Senhor por serem consagrados a ele e essa consagração é fática. Ou seja, não precisa você consagrar que já lhe pertence ao Soberano. A consagração por parte da pessoa entra aqui como reconhecimento de uma coisa que já é assim. Seria bom entrar nos detalhes, mas não é o foco.
Posteriormente em Números (e é importante frisar posteriormente) os dízimos são entregues aos levitas “21 Dou aos levitas todos os dízimos em Israel como retribuição pelo trabalho que fazem ao servirem na Tenda do Encontro” Este pacto é irrevogável (v.19) mas ele está suspenso. Não há levitas nem tenda de encontro. Nem sequer há o Templo que seria o substituto. Obvio que isso é campo para os escatólogos. Não é meu caso. Baste dizer que somos “Nação santa, real sacerdócio” (1Pedro 2:9) e que “A Lei traz apenas uma sombra dos benefícios que hão de vir, e não sua realidade.” (Heb.10:1a)
Mas, tanto Números como Levítico são anteriores a Deuteronômio.
Deuteronômio legisla sobre as leis gerais pronunciadas nessas duas passagens.
Logo, se sua interpretação do dizimo não concorda com a Deuteronômio, há alguma coisa que não fecha nessa linha lógica. E como já provamos que Malaquias é um espelho reverso de Deuteronômio 26 e este está amarrado com Deuteronômio 14, não pode pegar apenas um dos versículos e sim o pacote inteiro.
Mas antes de avançar, deixe-me repetir: Se sua congregação local, no livre exercício da sua vontade decide que cada um vai contribuir com certa quantia mensal, não peca. Agora, se dizem que isso é o dizimo bíblico, cuidado, faltou apego à escritura.
Melquisedeque
Obvio que não se pode falar em dízimos sem falar em Melquisedeque. Até o momento, só ouço falar dele como modelo para dar os dízimos. Abrão entregou os dízimos a Melquisedeque e logo – sendo ele o pai da fé – quem é você para não dar seu dízimo?
É mais uma dessas armadilhas montadas apenas para criar culpa e medo. A culpa e o medo não são bons conselheiros. Basicamente inibem seu cérebro de funcionar corretamente e você entra em modo pânico. Então, se você é um bom pastor, vai querer ensinar ao seu povo sobre Melquisedeque e como nele Levítico 27:30 e Números 18:21 são revertidas. Se você começar a estudar sobre ele, é uma questão de tempo até perceber que a Lei é apenas um parêntesis protetor, um aio ou tutor, apenas um andaime que seria retirado posteriormente.
Mas vamos devagar.
Melquisedeque é uma viagem no tempo. É uma fenda sideral por assim dize-lo. Tudo o que sabemos de Melquisedeque está claro, mas nada do que sabemos parece ser suficiente. Gênesis 14:17-24; Salmos 110 e Hebreus 7
Abrão (o nome ainda não tinha sido trocado) após lutar ao lado do rei de Sodoma, entrega os dízimos de tudo o que lhe correspondia a Melquisedeque ou ao Rei da Paz, Rei da Justiça como pode ser traduzido o nome. Este rei da cidade de Salem (Jerusalem) abençoa Abrão e aceita os dízimos mas não tem ascendência nem descendência.
Depois temos o Salmo profético 110 em que o alvo da profecia (que entendemos ser Jesus o Cristo) é (não será) sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque. Ou seja, livre, sem linhagem, abençoador do pai da fé, eterno.
Mas há um detalhe – sempre esses detalhes – que o livro de Hebreus (7:4-10) ressalta com maestria: “9 pode-se dizer que Levi, que recebe os dízimos, entregou-os por meio de Abraão, 10 pois, quando Melquisedeque se encontrou com Abraão, Levi ainda não havia sido gerado” e é aí onde o parêntesis da Lei se encerra nesse quesito.
Conclusões
Insisto que se você tem a prática de entregar uma certa quantia ou percentual para sua igreja local, o faça com alegria, liberdade e liberalidade.
Todavia, o meu problema é que chamamos essa prática de dízimo e por cima dizemos que é bíblico. O dízimo bíblico é uma outra coisa geralmente desconhecida.
Se os argumentos que lhe tem levado a dar 10% do seu salário tem a ver com culpa ou medo, então é bem provável que não sejam argumentos válidos e talvez nem bíblicos.
Já o argumento honesto é bem-vindo: “Temos tais e quais gastos e temos concordado em contribuir com 8% de nosso ordenado para a igreja local”
Fique com este texto:
“Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria.” 2 Cor 9:7
E sobre este assunto não esqueça de
“Como justos, recuperem o bom senso e parem de pecar; pois alguns há que não tem conhecimento de Deus; digo isso para vergonha de vocês” 1Cor.15:34