Nosso melhor desafio

Em muitos chamados bíblicos, incluindo o de Abrão, há um elemento migratório. Sempre há um movimento, uma deslocação. No entanto, esse deslocamento não é infinito; chega um momento em que o convocado deve se estabelecer e transformar a sociedade na qual se encontra. A mesma confiança exercida na saída deve agora ser colocada no afincamento, conforme expresso em Gênesis 12:2-3, onde Abrão é chamado a ser uma bênção para os outros.

Chamado Migratório na Bíblia

A Bíblia está repleta de histórias de migração, onde personagens como Abraão, Sara, Jacó e até mesmo Jesus são retratados como migrantes. Essas narrativas não apenas descrevem movimentos geográficos, mas também revelam um profundo significado teológico. A migração na Bíblia é frequentemente um chamado divino, que envolve deslocamento, estabelecimento e transformação.

O Chamado de Abraão

Um Modelo de Migração e Estabelecimento

O chamado de Abrão (depois chamado de Abraão) é um dos mais emblemáticos exemplos de migração na Bíblia. Em Gênesis 12:1-3, Deus instrui Abrão a deixar sua terra natal e sua família para ir a um lugar que Ele lhe mostrará. Essa jornada não é apenas um movimento físico, mas também um ato de fé e confiança em Deus. Abraão é chamado a ser uma bênção para todas as famílias da terra (Gn 12:3), o que implica não apenas estar em um lugar, mas ser naquele lugar, encarnando uma mensagem de esperança e salvação para o contexto local.

Abraão e Sara percorrem a terra prometida, enfrentando desafios como fome e ameaças, mas também experimentando a fidelidade de Deus (Gn 12:10-20; 13:1-4). Eles se estabelecem em diferentes locais, como Betel e Hebron, e ao longo da jornada, Deus renova suas promessas, assegurando-lhes descendência e terra (Gn 15:7; 17:1-8). A história de Abraão nos ensina que o deslocamento não é infinito; chega um momento em que o convocado deve se estabelecer e transformar a sociedade na qual se encontra.

Jesus: O Migrante Encarnado

O maior exemplo de migração e encarnação é Jesus Cristo. Ele se encarnou em um lugar que não lhe era por natureza, mas que lhe era por adoção (Lc 2:1-14). A família de Jesus foi forçada a migrar para o Egito para escapar da perseguição de Herodes, tornando-se refugiados (Mt 2:13-15). Jesus peregrinou na terra de Israel, pregando o Reino de Deus e trazendo mudanças eternas, apesar de ser rejeitado por muitos (Mt 4:17; Jo 1:11).

A encarnação de Jesus é um ato radical de migração, onde o Filho de Deus se torna humano e habita entre os seres humanos (Jo 1:14). Como o Messias, as mudanças que Ele trouxe e pelas quais passou são permanentes: repare que não existe tal coisa como “desencarnação”. Após a ressurreição, Jesus ascendeu ao céu e agora está à direita de Deus Pai (Atos 1:9-11; 2:33; Efésios 1:20; Colossenses 3:1; Hebreus 1:3; 1 Pedro 3:22). Isso indica que, em seu corpo glorificado, Jesus está em um local específico no céu. Muito embora sua natureza divina permita que Ele seja presente em todos os lugares (Mt 28:20; Jo 14:23).

É importante notar (para não assustar o leitor desavisado) que a presença de Jesus não é apenas uma questão de localização física. Ele prometeu estar conosco até o fim dos tempos (Mt 28:20), o que sugere que, apesar de estar fisicamente no céu, Ele continua presente entre os crentes através do Espírito Santo (Jo 14:16-17; 16:7). Essa presença espiritual não é limitada pelo espaço ou pelo tempo, permitindo que Jesus seja simultaneamente em um local específico no céu e operando em todas as partes do mundo através da fé dos crentes.

Isso nos lembra que a resposta ao chamado não apenas produz mudanças drásticas no destino temporário da peregrinação, mas também no que migra para sempre.

A Igreja e o Chamado Migratório

A igreja, como corpo de Cristo, é chamada a seguir esse modelo de migração e estabelecimento. Devemos nos mover com a confiança de que estamos sendo guiados por um propósito maior, e ao nos estabelecermos, devemos buscar transformar positivamente o mundo ao nosso redor. Isso significa encarnar a mensagem do Evangelho em cada contexto local, tornando-nos bênção para as comunidades nas quais estamos inseridos.

No entanto, a igreja frequentemente claudica nesse chamado. Em vez de se estabelecer e transformar, muitas vezes se contenta em apenas estar presente. A radicalidade do “experimento cristão” reside exatamente no âmago desse chamado: ser sem deixar de ser. Devemos ser capazes de nos adaptar e nos estabelecer em novos contextos sem perder nossa identidade em Cristo.

Conclusão

Em conclusão, a ideia de migrar e se estabelecer é um chamado contínuo para os cristãos. Para todos eles. Quando lemos este tipo de coisas, imaginamos que estamos falando de missões no sentido clássico (isto é com William Carey, século XVIII em diante) em que vamos para muito longe para sofrer muito.

Através das histórias de Abraão e Jesus, aprendemos que o deslocamento não é apenas um movimento físico, mas um ato de fé e confiança em Deus. Devemos nos mover com a certeza de que estamos sendo guiados por um propósito maior e, ao nos estabelecermos, buscar transformar positivamente o mundo ao nosso redor. Assim, podemos encarnar a mensagem do Evangelho e ser bênção para as comunidades nas quais estamos inseridos, como Abraão e Jesus fizeram antes de nós.

Não se trata então, para a maioria de nós, de um deslocamento em muitos quilômetros. Mas após ler estas linhas, faça um teste. Vá caminhando até uma rua perto da sua casa que você não conhece ou pela que pouco transita ou passa apenas de carro. Fale com as pessoas. Apenas fale… você vai entender.

Sobre Esteban D. Dortta

Esteban é um pastor evangélico. Estudou teologia no Seminário Teológico Batista do Uruguai entre 1991 e 1994. Nascido em 1971, vive no Brasil desde 1995. Entende que a liberdade de pensamento, expressão e reunião são essenciais para o desenvolvimento não apenas cristão, mas de toda a sociedade.