Respostas a inquietações científicas e religiosas

A religião tem sido atacada de diversas maneiras e por inúmeras frentes no implacável
combate que impregna a história humana. Munidos de hermenêuticas próprias construídas a
partir de postulados científicos e empunhando a bandeira da modernidade, muitos céticos se
lançam vorazmente na tentativa de destroçar qualquer indício de crença religiosa. Espadas são
desembainhadas em lutas quixotescas que se embrenham por batalhas inexistentes
alimentadas por suas próprias ilusões bélicas.

O que tais tentativas parecem não se dar conta é que a ciência e a religião jamais foram
inimigas e jamais estiveram em trincheiras opostas. Na verdade, muito do que se diz da
religião tem sua razão de existir. A interpretação que se dá aos processos, porém, parece
carecer de legitimidade.

A religião, assim como a política e a ciência, tem sido um instrumento de opressões, abusos e
malignidades dos mais variados tipos. Vitimas de interesses escusos e manipuladas por
consciências inescrupulosas, tanto a religião como a política ou até mesmo a ciência se
constituem como instrumentos nas mãos de uma sociedade maligna. Como já disse Ulysses
Guimarães: “O poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. O homem é
o grande poluidor, da natureza, do próprio homem, do poder.” Parafraseando poderíamos
afirmar que a ciência (que foi utilizada para o desenvolvimento de armas de destruição em
massa, como a bomba atômica, as armas químicas etc), a política (que em nossos dias parece
ter se tornado sinônimo de corrupção) ou até mesmo a religião (que tem sido um meio de
manipulação das massas), não corrompem o homem, mas sim é o homem quem corrompe a
ciência, a política e a religião.

O ser humano é o principal corruptor e manipulador dos meios que dispõe para dar vazão a
suas cobiças, seus intentos, suas demências e suas volúpias. Se as classes dominantes se
utilizam da religião para seus próprios intentos malignos, não deixam de lado a política e a
ciência.

O período chamado “Idade das Trevas”, foi, sem dúvida um tempo de obscurecimento da
razão e teve como seu principal protagonista a religião. Esta, instrumentalizada pelas classes
dominantes, se utilizou da boa fé do povo para chegar a seus propósitos maculados.
Com a derrocada das “Trevas”, a partir do surgimento do Iluminismo, instala-se uma nova
esperança para a humanidade. Se o obscurantismo de tempos passados tinha cedido espaço
ao raiar de novos horizontes, agora acreditava-se que finalmente a humanidade seria elevada
às esferas da justiça, igualdade e fraternidade. A liberdade científica surgia com toda a
imponência e as promessas de melhorias da vida social e humanitária eram cada vez mais
vociferadas por seus proponentes.

A história nos mostra que no século XX, auge da emancipação da mente humana das rédeas
funestas da religião, o homem, feliz em suas descobertas, foi encontrado ébrio e cambaleante
em suas próprias vaidades e soberania. Como todos sabem, a racionalidade humana, a
iluminação do intelecto e os avanços científicos não puderam impedir as duas grandes guerras
mundiais do século XX. Milhões foram dizimados, manchando as páginas da história como
nenhum outro período anterior o fez. O florescimento da ciência, que muito ajudou a
humanidade em questões de saúde e bem estar social, também proporcionou oportunidade
para a concretização das destruições em massa e das barbáries que até hoje arrepiam até os
menos sensíveis. Além disso, o boom da revolução industrial, que prometia cada vez mais
condições dignas para a vida humana, não impediu o processo de massacre nas fábricas e a
mecanização humana. Charles Chaplin retrata brilhantemente este fenômeno no filme:
“Tempos Modernos”. O homem foi substituído pelas máquinas e o processo de
industrialização relegou às “sarjetas” da vida o operário desvalorizado.

A religião, já fora dos holofotes e da mira dos seus algozes, não pôde ser culpada por
tamanhas opressões e mostrou não se constituir o gatilho que promovia as misérias sociais. Se
os séculos XIX e XX foram o período do coroamento da razão e do destronamento da
divindade, foram também os séculos da destruição em massa e da disseminação da esclerose
social. A religião não era mais a mão que regia os destinos da humanidade, porém a sociedade
continuava amargar suas misérias de forma cruel, violenta e numa progressão exponencial. Se
por um lado a mão do homem moderno apagava as últimas centelhas das fogueiras
inquisitoriais; por outro a mesma mão colhia ali as brasas incandescentes para acender os
fornos crematórios de Auschwitz.

A religião não é inimiga da ciência, pois seu escopo é outro. A Religião objetiva o “sagrado”; a
ciência o profano (comum). O sagrado é o totalmente outro, o transcendente, aquele que foge
à apreensão exaustiva da mente humana. Enquanto a ciência se ocupa do que pode ser
experimentado, observado, estudado e compreendido, a religião permeia o eterno, fala do
inefável, se lança no numinoso, se prostra diante do intocável. A ciência trilha um caminho, a
religião outro. São paralelos, embora às vezes seus olhares se entrecruzem, logo se
abandonam novamente para perscrutar suas próprias sendas.

No âmbito social, a religião consolida os laços familiares, reúne os pares em volta da mesa,
incentiva a solidariedade, a amabilidade, o atendimento aos carentes e necessitados.
Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá são alguns exemplos da religião em ação, lutando
pelas causas sociais, se doando em favor dos menos favorecidos. Abraham Heschel, destacado
líder religioso, posicionou o sentimento religioso ao lado das questões sociais e humanitárias
caminhando lado a lado com Martin Luther King. A eugenia que se apropriou do ferramental
científico e no século XX foi o dínamo para uma ideologia demente de superioridade racial, não
foi suficiente para apagar a chama da luta pela igualdade e liberdade que moveu o coração de
um religioso como Heschel pelas ruas do Alabama.

O papel da religião não é o de desenhar um mundo ilusório para entorpecer a mente do fiel,
mas sim carregar de esperanças um coração que se amarga constantemente pelo desencanto
do mundo moderno. O iluminismo tentou apagar do coração humano a luz do encanto pela
vida. Como disse Christopher Nash (Myth and Modern Literature) “O que é chamado de
Iluminismo, foi, na realidade o escurecimento, porque pretendia a extinção da natural,
primordial mítica luz interior do homem.” Enquanto a modernidade encarcerava o ser humano
na aridez da luta incansável pelo temporal e lançava mais uma vez a sociedade na
desesperança de um mundo bélico que a razão não foi suficiente para contornar, os suspiros
nostálgicos de um coração outrora iluminado por um porvir glorioso que modificava os
caminhos do presente e os preenchia com alegria e colorido, eram novamente sentidos em
meio ao deserto.

Se por um lado a ciência presenteia o homem com o progresso, o desenvolvimento, os
avanços no campo da saúde; por outro pode ser um instrumento que furta-lhe a vida quando o
impede de dar respostas aos anseios mais interiores de suas buscas existenciais e de sentido.
Somos a sociedade do desencanto, da perda de valores, da violência, da falta de respostas, do
esfacelamento das relações, da plasticidade dos encontros, dos amores fluídos (Zygmunt
Bauman). Se a religião foi considerada o ópio do povo, a ciência produziu seus próprios ópios
para substituir o vazio da existência humana. Cresce assustadoramente o número de
alucinógenos no cotidiano, em uma sociedade cada vez mais “iluminada” pelos cachimbos da
desilusão e pelas fagulhas das tragédias.

A segurança dos conhecimentos científicos é questionada no desenrolar da história da própria
ciência. Apesar de trazer convicções importantes para a construção social, as descobertas de
cada época são, muitas vezes, antagônicas a descobertas de períodos anteriores. Exemplos
deste fenômeno são claros e elucidativos. Até 1990 os cientistas criam que os dinossauros
tinham sido extintos por um vulcão, a partir daí se começou a propagar ideias de que um
asteroide teria sido a causa de tal catástrofe. Até 2014 a ciência acreditava que o homem de
Neandertal era inferior intelectualmente ao Homo Sapiens sendo esta a causa do seu
desaparecimento. Já em 2014 descobertas arqueológicas revelaram que o Homo Sapiens não
era de forma alguma mais inteligente que o homem de Neandertal. A ciência já afirmou que o
Neandertal não tinha habitado juntamente com a espécie humana, mas recentemente
descobriu-se que isto era uma falácia. Até 2003 os cientistas diziam que os seres humanos
tinham 100.000 genes, mas depois se descobriu que temos por volta de 19.000 a 20.000. Até o
século XX muitos médicos achavam que a sangria curava quase qualquer doença; hoje esta
afirmação se faz absurda no meio científico. Amostras como estas revelam que os
conhecimentos científicos que outrora traziam segurança a seus proponentes, em gerações
posteriores se mostraram mitológicos e até infantis. As seguranças de muitas afirmações
científicas hodiernas poderão se mostrar totalmente incoerentes e frágeis na geração
posterior. Muitas teorias científicas, como por exemplo a que propõe as causas do surgimento
do Universo carecem de fatos pela própria incapacidade da repetição de tais fenômenos. Fica
evidente que a fé se mostra um elemento de propriedade não exclusiva da religião.

Assim, a religião, ao se propor a lidar com as questões sociais, não oferece resignação,
alienação ou paralisia à energia social; pelo contrário, ressignifica a existência humana,
lançando âncoras no transcendente, procura transformar o presente com o amor, altruísmo,
cultivo de valores importantes para o convício social e busca pela sobriedade das relações
humanas. Quando estabelece suas bases no eterno, a religião propõe um presente
responsável e valorizado, pois as ações que aqui são feitas se refletirão no infinito.

As respostas a uma sociedade contemporânea infectada pela ansiedade, depressão e stress
não advém de uma única fonte, mas sim de uma pluralidade de experiências do humano, das
quais a religião, com certeza constitui-se como parte significativa.