Transformando o mundo, uma vida por vez

Recentemente estava numa igreja em que o assunto era o discipulado. É obvio que devemos voltar ao simples, mas não pelas razões erradas. Sua vida e/ou da sua congregação já é a de discipulado, você deve voltar ao básico. E se sua vida ou da sua congregação não é de discipulado, deve, então, voltar ao básico.

Numa época lotada de “seguidores” e “influencers” definir o discipulado como âmago do Reino de Deus se torna de vital importância. Nos últimos anos temos assistido ao inchaço de pessoas que se deixam influenciar por outras pessoas sem que por isso haja alguma forma de relacionamento mais profundo. Com isso, há uma escalada no “cancelamento” que nada mais é do que – a partir de um fato isolado, como pode ser um recorte em um vídeo ou áudio feito público, com, ou sem autorização do interessado – a pessoa é jogada na fogueira da opinião pública para ser escarnecida. O número de seguidores parece ser a justa medida de aprovação de uma ideia ou de uma visão de mundo, ou – pior – a vida íntima alheia.

Qual é a nossa resposta? Devemos inventar alguma coisa nova?

O discipulado é a resposta adequada e universal a esse veneno. No discipulado, você compromete sua vida com outra vida para seguirem juntos os ensinamentos e condutas do mestre, Jesus.

Não se trata de uma corrente de seguidores. Alguém poderia dizer que o importante é seguir a alguém, que segue alguém, que segue alguém….. que segue Jesus. Mas a proposta que surge da Bíblia é a de seguirmos junto Jesus em uma relação direta com o mestre.

A sedução dos números

O número, a multidão, a manada, não é o método de Deus na escritura. Se observarmos com cuidado, desde o Antigo Testamento, vemos que ele escolhe uma pessoa e sua família; forma um povo; trabalha com uma tribo em particular; afunila até chegarmos na figura de Jesus.

Outro exemplo válido é o dos cinco mil que foram alimentados: apenas um grupo pequeno eram seus discípulos. Mesmo entre os discípulos, apenas 12 são chamados de apóstolos. Enfim, exemplos não faltam.

Só com isso, já deveríamos olhar de forma estranha os modelos que incentivam o acumulo de pessoas como se fossem coisas. Apenas “seguidores” de Instagram ou qualquer outra rede social das que estão de moda não devem ser o modelo de “mudança do mundo”. Mas você pode me perguntar: Não somos chamados a levar o evangelho ao mundo?  Não devemos usar todos os meios que estão ao nosso alcance? Minha resposta é sim para as duas, mas meu alerta, é que temos desistido ao canto da sereia e substituído a pregação, e alcance a meros “seguidores”e é aí onde mora o perigo.

Nessas redes sociais, o verbo “incentivar” pode ser facilmente por “instigar” e isso vai exatamente na contramão do que Jesus parece ter querido construir durante seu ministério terreno. Imagino, que você e eu podemos coincidir que se João o Batista disse que “O Reino de Deus é chegado” (Mt 3:2) e ele estava se referindo necessariamente à vinda de Jesus o Cristo e se depois o próprio Jesus repete a frase (Mt 4:17), logo, o melhor modelo do Reino é a própria vida de Jesus e não algum outro tipo de devaneio.

“Sede imitadores de mim”

Usamos com frequência e com razão o texto de 1Cor.11:1 para falarmos de discipulados: “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo.” Precisamos expandir o conceito para sentirmos completamente bem e seguros sobre o uso desse texto para o discipulado.

Como o propósito desta postagem não é se adentrar na tarefa hermenêutica ou exegética, basta apenas umas poucas pinceladas para o leitor interessado possa se aprofundar posteriormente. Se você não estiver interessado nessa questão hermenêutica/exegética agora, pode pular os próximos cinco parágrafos lembrando, porém, que o que se busca é justamente que você pense e elabore suas ideias.

Se ele fala do discipulado e se em 11:2 Paulo começa com outro assunto, ele – necessariamente – deve ter uma interpretação adequada nesse contexto de transição entre o que vinha sendo dito no capítulo 10 e no que vai ser colocado no restante do 11.

De imediato vemos que o assunto, não parece ser o discipulado como tal o se costuma definir: alguém ensina e outro aprende. Se bem essa questão pedagógica está embutida no conceito de discipulado, não esgota o mesmo. Discipulado, sim, tem a ver com ensino, mas tem mais a ver com imitação do andar. Dai que usemos a palavra “seguidor” como sinônimo de “discípulo” enquanto nos distanciamos do conceito do “seguidor de manada” como nas redes sociais.

O que Paulo nos coloca sobre este assunto da ceia (10:16-11:34 que por sua vez está inserido em um assunto maior que é a analogia do Êxodo judeu e do Êxodo da igreja 10:1-11:34) é que devemos considerar as crenças e emoções de nosso companheiro de caminhada. (O contexto maior, do culto, o deixarei de lado apenas para mantermos o foco)

Vemos isso intensamente no exemplo que ele coloca (10:23-1:33) sobre a tensão entre a liberdade pessoal, o sacrificado aos ídolos e a consciência alheia. É nesse contexto que Paulo coloca a frase tão mencionada de “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo

Ouço muitas pessoas falando da liberdade cristã como se fosse sinônimo de libertinagem ou anarquia. Incrivelmente o conceito de liberdade que Paulo propõe tem a ver não com o abandono dos limites (libertinagem) nem com o abandono das leis (anarquia). Tem a ver com o cuidado da consciência alheia não para nos tornarmos mais fracos em conjuntos, mas para que haja mais amor do verdadeiro.

“Suplico-lhes que sejam meus imitadores”

Se já pegou a ideia sobre 1Cor 11:1, então é válido dar uma olhada rápida em 1Cor 4:16 “Portanto, suplico-lhes que sejam meus imitadores.” Essa pérola, Paulo a coloca após ter demonstrado que de entre muitos mestres, eles tinham apenas um tutor. Obvio que alguém poderia querer usar para dizer que Paulo constituía alguma espécie de “cobertura” espiritual e eles estavam fora. Como este artigo não é apologético, não merece maior atenção do que a seguinte: não se trata disso, trata-se de pregadores com um evangelho estranho terem entrado na congregação e por isso Paulo estava socorrendo os irmãos.

Como Paulo socorria os irmãos? Como ele fazia para que as pessoas se voltassem para o que de fato era o cerne do evangelho?

Bem, uma das formas era escrevendo, como de fato estava fazendo. Mas outra das formas era enviando pessoas que estavam convivendo com ele e que podiam lembrar para os coríntios, como era a “maneira de viver em Cristo Jesus” que Paulo seguia. Vemos isso de forma lindíssima em 1 Cor 4:17ss

Pessoas, vivendo como pessoas, cominicandosse com pessoas, lembrando como as pessoas novas em Cristo se comportam. É isso.

A arrogância tinha tomado conta da igreja (4:18-20) e Paulo faz o básico: relembra eles como é o viver cristão. Não se trata daquilo que mostramos aos domingos no templo. Na realidade não tem nada a ver com isso. O viver cristão tem a ver com tudo o que acontece fora do templo, tanto em lugares públicos como no espaço privado e particular.

Interessante que o efeito da explosão das redes sociais, não é o amparo do próximo, mas sim a arrogância: A petulante imposição da imbecilidade individual sobre qualquer proposta de amor ao próximo.

Voltemos ao básico. Voltemos a viver de forma discipular. Antes de sermos abandonados e outros tomem nosso lugar.

Sobre Esteban D. Dortta

Esteban é um pastor evangélico. Estudou teologia no Seminário Teológico Batista do Uruguai entre 1991 e 1994. Nascido em 1971, vive no Brasil desde 1995. Entende que a liberdade de pensamento, expressão e reunião são essenciais para o desenvolvimento não apenas cristão, mas de toda a sociedade.