Arterioscleroses Espiritual

Comecemos com um exemplo: o estilo musical e certa forma de arterioscleroses “espiritual” que todo grupo religioso vai desenvolvendo. Mesmo que a peça tenha sido elaborada no embalo de uma cerveja e sobre melodia comum em bordéis (como o caso de Castelo Forte) existe hoje uma certa sacralidade sobre esse hino específico, mas outro que possa vir a ser criado de forma análoga será automaticamente tido como mundano ou secular. Então, sob minha ótica, todo movimento religioso tende a uma rigidez mórbida no que lhe é mais essencial: sua forma de comunicação com a sociedade na qual a comunidade está inserida.

A preocupação última pode ser expressa e elaborada sob qualquer forma de manifestação: linguagem, marte, cultura, música, filosofia, desde que comunique algo do mistério da vida e do encontro com o divino. Se houvesse uma única forma de linguagem divina e inalterada “caída do céu”, deveria ser essa a forma adotada. E não é para isso que apelam os movimentos de resgate cultural de músicas em estilo judaico?

Necessariamente, por uma questão de simples comunicação com os seres humanos, toda linguagem religiosa é humana, que nasce da experiência histórica e cultural específica. Com isso, a linguagem usada para as “Vacas de Basã” precisa de ser interpretada e “traduzida” pelo pregador para obter o fim desejado: comunicação da mensagem. O mesmo acontece com a teologia ou os estilos musicais, ou os conteúdos. Precisam de uma tradução e não de manter uma tradição muitas vezes transplantada, e nada comunica – de forma direta – na cultura alvo.

A linguagem sagrada é simbólica, poética, expressiva, e serve para apontar para realidades que vão além da mesma. (Apontam para “o Transcendente” ou “o completamente outro”. Ou resgatando alguma coisa kantiana: extrapolam o imanente)

A citação, então, de Paul Tillich “Não existe linguagem sagrada caída de um céu sobrenatural para ser encerrada nas páginas de um livro. O que existe é a linguagem humana, baseada em nosso encontro com a realidade, em evolução ao longo do tempo, usada para as necessidades cotidianas, para expressão e comunicação, literatura e poesia, bem como para mostrar a preocupação suprema” reflete um ponto central de sua teologia da cultura: a linguagem religiosa não é mágica ou vinda do céu em estado puro. Mas é uma linguagem humana, moldada historicamente e usada para expressar aquilo que ele chama de “preocupação última” ou “preocupação suprema”. Isto é: o sentido mais profundo da existência.

Seguindo essa linha: a mensagem precisa “encarnar”. E isso não se faz com linguagem e problematizações de há seis séculos.

Sobre Esteban D. Dortta

Esteban é um pastor evangélico. Estudou teologia no Seminário Teológico Batista do Uruguai entre 1991 e 1994. Nascido em 1971, vive no Brasil desde 1995. Entende que a liberdade de pensamento, expressão e reunião são essenciais para o desenvolvimento não apenas cristão, mas de toda a sociedade.