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Saúde mental e a esperança cristã

Esperança em meio à angústia: Cristo como fundamento da dignidade e restauração humana.

Vivemos tempos de exaustão emocional coletiva. Ansiedade, depressão e solidão tornaram-se quase uma linguagem comum, falada em sussurros por quem teme ser julgado. O tema da saúde mental já não pertence apenas à psicologia – tornou-se também uma urgência espiritual. E a Igreja, se quer ser fiel ao Evangelho e de certa relevância na sociedade em que vive, não pode se calar diante do sofrimento humano.

Mantidas as proporções e a distância, existe um paralelo em como a sociedade judia tratava a lepra (e os leprosos) em tempo de Jesus e como nós – como Igreja – tratamos a saúde mental. E temos de tudo, mas geralmente, nada positivo ou construtivo. São poucos os exemplos que se permitem observar a fragilidade da existência humana e se escapam de soluções do tipo “tudo ou nada”. Ou seja: aquelas soluções que revestem de ares espirituais realidades mentais muitas vezes devastadoras.

É comum que a fala “suficientes em Cristo” a tiremos do ambiente soteriológico (ou seja, relativas à salvação) para colocá-lo em questões de ordem mental. Tão comum é isso, que para muitos parece uma afronta dizer que – em certos casos – é necessário o cuidado profissional e não basta apenas a oração.

A mente é o lugar onde se misturam pensamentos, emoções e reações do corpo.
É como uma ponte entre o que sentimos, o que pensamos e o que fazemos.
Quando algo se desorganiza — por dor, trauma, estresse ou desequilíbrio químico — essa ponte pode se quebrar. Assim como um osso se quebra, a mente também precisa de cuidado e tempo para se curar.

Recentemente uma colega de serviço foi atropelada enquanto dirigia sua moto. Quebrou a bacia, o fêmur em várias partes e teve fratura expostas. Óbvio que ela agradece as orações, mas com certeza a intervenção de um conjunto de profissionais da saúde é não apenas bem-vinda, mas essencial para a recuperação. Se não olhamos para a mente como olhamos para o osso, continuaremos a acumular culpa improcedente sobre quem padece e trataremos os profissionais da saúde mental como charlatães. Não é de estranhar que o movimento igual e contrario seja semelhantemente forte.

Karl Barth lembrava que o grito do homem aflito encontra resposta não em si, mas na revelação de Deus em Cristo. A esperança não nasce da autoajuda, mas da graça que se faz carne. Tillich chamou isso de “a coragem de ser”: continuar existindo mesmo quando o desespero parece mais real que a fé. É coragem de seguir, não por força própria, mas sustentado por uma presença que não nos abandona.

A saúde mental, à luz do Evangelho, não é ausência de dor, mas a presença de sentido. Jesus não prometeu eliminar o peso, mas compartilhá-lo: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt.11:28). O alívio vem do encontro, não da fuga. Esse texto, por mais que pode ser usado em mensagens evangelísticas e faz muito sentido, na realidade é um chamado aberto a todos: aqueles que estão longe do evangelho e também os discípulos. Limitar ele a assuntos salvíficos, é diminuir sua potência de forma irresponsável.

É precisamente aí que a comunidade cristã se torna (ou deveria se tornar) um espaço de cura: quando deixa de ser tribunal e se torna abrigo. Quando acolhe sem rótulos, escuta sem pressa, ora sem impor fórmulas. O Cristo ressuscitado, como recorda N.T.Wright, inaugura uma esperança concreta – não apenas espiritual, mas que toca corpo, mente e criação. A ressurreição é o anúncio de que a dor não é o fim.

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, o chamado é duplo: cuidar e ser cuidado. Romper o silêncio, acolher o cansaço alheio, e lembrar que a fé não é inimiga da terapia – é sua companheira (desde que seja uma fé saudável, vale dizer)

Finalmente, mas não menos importante: “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido” (Sl.34:18) E nessa proximidade, nasce a esperança que não decepciona (Rm.8:18-25)

¹⁸ Eu penso que o que sofremos durante a nossa vida não pode ser comparado, de modo nenhum, com a glória que nos será revelada no futuro.
¹⁹ O Universo todo espera com muita impaciência o momento em que Deus vai revelar o que os seus filhos realmente são.
²⁰ Pois o Universo se tornou inútil, não pela sua própria vontade, mas porque Deus quis que fosse assim. Porém existe esta esperança:
²¹ Um dia o próprio Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo e tomará parte na gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
²² Pois sabemos que até agora o Universo todo geme e sofre como uma mulher que está em trabalho de parto.
²³ E não somente o Universo, mas nós, que temos o Espírito Santo como o primeiro presente que recebemos de Deus, nós também gememos dentro de nós mesmos enquanto esperamos que Deus faça com que sejamos seus filhos e nos liberte completamente.
²⁴ Pois foi por meio da esperança que fomos salvos. Mas, se já estamos vendo aquilo que esperamos, então isso não é mais uma esperança. Pois quem é que fica esperando por alguma coisa que está vendo?
²⁵ Porém, se estamos esperando alguma coisa que ainda não podemos ver, então esperamos com paciência.

Romanos 8:18-25

Arterioscleroses Espiritual

Comecemos com um exemplo: o estilo musical e certa forma de arterioscleroses “espiritual” que todo grupo religioso vai desenvolvendo. Mesmo que a peça tenha sido elaborada no embalo de uma cerveja e sobre melodia comum em bordéis (como o caso de Castelo Forte) existe hoje uma certa sacralidade sobre esse hino específico, mas outro que possa vir a ser criado de forma análoga será automaticamente tido como mundano ou secular. Então, sob minha ótica, todo movimento religioso tende a uma rigidez mórbida no que lhe é mais essencial: sua forma de comunicação com a sociedade na qual a comunidade está inserida.

A preocupação última pode ser expressa e elaborada sob qualquer forma de manifestação: linguagem, marte, cultura, música, filosofia, desde que comunique algo do mistério da vida e do encontro com o divino. Se houvesse uma única forma de linguagem divina e inalterada “caída do céu”, deveria ser essa a forma adotada. E não é para isso que apelam os movimentos de resgate cultural de músicas em estilo judaico?

Necessariamente, por uma questão de simples comunicação com os seres humanos, toda linguagem religiosa é humana, que nasce da experiência histórica e cultural específica. Com isso, a linguagem usada para as “Vacas de Basã” precisa de ser interpretada e “traduzida” pelo pregador para obter o fim desejado: comunicação da mensagem. O mesmo acontece com a teologia ou os estilos musicais, ou os conteúdos. Precisam de uma tradução e não de manter uma tradição muitas vezes transplantada, e nada comunica – de forma direta – na cultura alvo.

A linguagem sagrada é simbólica, poética, expressiva, e serve para apontar para realidades que vão além da mesma. (Apontam para “o Transcendente” ou “o completamente outro”. Ou resgatando alguma coisa kantiana: extrapolam o imanente)

A citação, então, de Paul Tillich “Não existe linguagem sagrada caída de um céu sobrenatural para ser encerrada nas páginas de um livro. O que existe é a linguagem humana, baseada em nosso encontro com a realidade, em evolução ao longo do tempo, usada para as necessidades cotidianas, para expressão e comunicação, literatura e poesia, bem como para mostrar a preocupação suprema” reflete um ponto central de sua teologia da cultura: a linguagem religiosa não é mágica ou vinda do céu em estado puro. Mas é uma linguagem humana, moldada historicamente e usada para expressar aquilo que ele chama de “preocupação última” ou “preocupação suprema”. Isto é: o sentido mais profundo da existência.

Seguindo essa linha: a mensagem precisa “encarnar”. E isso não se faz com linguagem e problematizações de há seis séculos.