Arquivo da categoria: Essência

Endividamento das Famílias Brasileiras

Dados recentes mostram que quase 80% das famílias no Brasil estão endividadas. E que as famílias brasileiras gastam 28% da renda com dívidas. Quase o triplo da média de países desenvolvidos!

O peso dos juros e o endividamento crescente geram ansiedade, desigualdade e sofrimento, afetando de forma especial os mais vulneráveis.

As teologias da libertação

Seja por puro desconhecimento ou por pérfida porfia, as teologias da libertação tentam atacar este problema desde um plano puramente humano e com uma lógica puramente marxista pintadas externamente de cristianismo.

Não que a luta deles não seja sincera, ou honesta, ou necessária. Mas que mistura dois elementos incongruentes como forma de apaziguar a consciência sem produzir os frutos que tanto dizem almejar. Ou será que, no fundo, estão perseguindo precisamente os frutos que declaram combater?.

Gramsci (que critica aspectos da aplicação prática do marxismo, não Marx em si), ao falar de hegemonia cultural, critica a ideia de transformação apenas por força bruta ou pela imposição direta da economia/política. Segundo ele, a mudança real acontece lentamente, no nível da cultura, da consciência e da moral coletiva. Ou – dito de outra forma – a revolução não viria apenas pela luta de classes armada, e sim pela conquista da cultura, da educação, da moral e da religião, complementando assim o manifesto comunista.

Libertação, Justiça e o Evangelho no Quotidiano Económico

Desprezamos a graça e o amor como forças fracas. E de fato o são, assim como a gravidade é de longe a mais fraca das quatro forças fundamentais da natureza (gravidade, força eletromagnética, força nuclear forte e força nuclear fraca) e é por ela que as coisas não andam boiando ai à baila.

A graça de Deus confronta as estruturas opressoras e chama à responsabilidade social. Teólogos da estatura de N.T.Wright ressaltam que o Evangelho é a boa notícia para os pobres e oprimidos, e que a Igreja (ou seja, não a instituição e sim o corpo de Cristo) deve ser agente de justiça e solidariedade.

Como podemos, agora sim como comunidade local de fé e prática cristã, ser instrumentos de libertação e apoio prático aos que sofrem sob o peso das dívidas? Não será que a crítica de que tratamos das coisas do além, ou da eternidade em detrimento das terrenas e temporais não tem um fundo de razão? E não será que há um pouco de escapismo em pensar em salvação apenas da alma e para a eternidade? Talvez não seja o caso de enxergarmos nas dívidas uma forma prática e urgente de libertar os oprimidos desta geração?

Ao definir seu próprio ministério, o nosso Senhor cita o profeta e diz “O Espírito do Senhor está sobre mim … para proclamar libertação aos cativos…” (Lucas 4:18-19)

Mas também vemos que era uma questão ancestral já proclamada na Lei: “Proclamem liberdade na terra a todos os seus habitantes…” (Levítico 25:10)

E sem lugar a dúvidas era uma preocupação de alguns apóstolos logo depois da assunção de Jesus: “Se um irmão ou irmã estiver necessitado…” (Tiago 2:15-17)

Se há governos interessados em manter o povo escravizado pela ignorância financeira, não deveríamos nós, como igreja, ensinar a verdadeira liberdade que inclui também o uso responsável dos bens?

Qual foi a última vez que na sua igreja houve alguma aula de escola bíblica ou similar sobre educação financeira?

A Comunidade: Um Espaço de Descanso e Comunhão

Descanso e Comunhão

A ideia de que a comunidade religiosa deve ser um lugar de descanso e comunhão é algo que ecoa profundamente em nossos corações. No entanto, muitas vezes, essa realidade se distancia da prática cotidiana. A frequência no templo, embora seja um aspecto importante, não deve se limitar a uma rotina sem significado. É necessário que o espaço de encontro com Deus e com os outros seja leve, respirável e humano, onde as pessoas possam se sentir acolhidas e apoiadas.

A Visão Bíblica

A Bíblia nos apresenta várias passagens que destacam a importância da comunidade como um lugar de apoio e descanso. Em Mateus 11:28-30, Jesus diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas.” Essas palavras nos lembram que a comunidade deve ser um refúgio para os cansados e sobrecarregados.

O Templo como Espaço de Encontro

O templo, ou a igreja, deve ser mais do que um local para cumprir uma obrigação religiosa no domingo. Deve ser um espaço onde as pessoas possam se encontrar com o povo de Deus de maneira autêntica. É um lugar onde se pode descansar, sem a pressão de fingir que tudo está bem quando não está. Em Hebreus 10:24-25, lemos: “E consideremo-nos uns aos outros para nos estimularmos ao amor e às boas obras; não deixando de congregar-nos, como é costume de alguns, mas exortando-nos uns aos outros; e tanto mais quanto vedes que se aproxima o dia.

A Comunidade como Refúgio

Para que a comunidade alcance sua finalidade proposta, é essencial que seja um lugar onde as pessoas se sintam livres para serem elas mesmas. Deve ser um ambiente onde se olha no olho, se escuta sem pressa e se abraça sem medo. Em Gálatas 6:2, Paulo nos lembra de que devemos “carregar os fardos uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo.” Isso significa que a comunidade deve ser um lugar de apoio mútuo, onde as pessoas se sentem seguras para compartilhar suas lutas e alegrias.

Exemplos e Ações Pontuais

Para tornar a comunidade um espaço de descanso e comunhão, podemos adotar algumas práticas simples, mas significativas:

  1. Grupos de Apoio: Criar grupos onde as pessoas possam compartilhar suas experiências e receber apoio emocional e amparo espiritual.
  2. Atividades Comunitárias: Organizar atividades que promovam a interação e o laço entre os membros, como refeições compartilhadas ou projetos sociais em que a fé tome forma apalpável.
  3. Ambiente Acolhedor: Transformar o templo em um espaço acolhedor, onde as pessoas se sintam confortáveis e à vontade mas sem por isso se sentirem confortáveis com seu próprio pecado. Aliás, é na comunhão da igreja local apenas que se encontra essa mistura poderosa… esse dynamis ou poder-em-ação de Deus.
  4. Mensagens de Esperança: Focar as mensagens religiosas em temas de esperança, amor, aceitação, cura do pecado, redenção.
  5. Mensagens de Transformação: Deus é o primeiro interessado em acolher e receber para uma posterior transformação. Acolhimento sem transformação é apenas “afofar a consciência”. O evangelho é uma mudança radical: uma nova consciência.

Conclusão

A comunidade religiosa deve ser um lugar onde as pessoas possam encontrar descanso, apoio e comunhão verdadeira. Para que isso aconteça, é necessário que o templo seja um espaço leve, respirável e humano, onde todos se sintam acolhidos e apoiados. Ao refletir sobre a importância da comunidade como um refúgio, podemos trabalhar para que ela seja um lugar onde as pessoas possam se sentir livres para serem elas mesmas, sem medo de julgamento ou cobrança. Ao mesmo tempo, é onde o amor leal pode ser mostrado. Deus aceita e transforma. Esse é o âmago.

Alinhados com esse propósito de transformação plena, a frequência no templo se torna uma experiência de comunhão e não apenas uma rotina sem significado.

Dúvida, Fé e angustias

Geralmente a dúvida é tida como contrária à fé, já que esta é definida como a certeza de aquilo que não se vê. Todavia, a dúvida é parceira da fé no sentido que estabelece os limites dela e a fortalece.

Uma dúvida simples entre o rebanho é se Deus responde ou não determinadas orações. A simplificação da dúvida reduzindo ela a uma falta de fé por parte e quem ora, não resolve a dúvida nem tira a angústia. Então a dúvida, existe e é comum.

Estabelecido o ponto da dúvida existir, e vendo que a supressão da mesma por uma resposta simplista não enxuga a questão, sobra apenas bendizer a dúvida como parte do processo em que “a prova da vossa fé, mais preciosa do que o ouro” forja um caráter cristão de melhor qualidade.

Resta então analisar a razão de fugirmos à dúvida. Suponho que fugimos da angústia que a dúvida traz. Logo, não seria mais a fé a que nos traria certeza, mas a falta de dúvida, de onde concluo que não é possível uma fé significativa sem uma dúvida angustiante.

Sistematizar a dúvida é estar ciente do processo de amadurecimento da fé.

Acolhida transformadora

A liberdade com o conteúdo que o seu criador quer

“COMO é possível que ele queira ser policial!?” bradou Ernesto, “Olha só o passado que ele tem”.

Ele se estava referindo ao relato que estava sendo transmitido em que uma policial rodoviária federal contava sobre a vida de alguém chamado Biel. 

Ela tinha conhecido Biel numa abordagem por roubo. Assaltante a mão armada, violento, nada na vida do Biel parecia indicar que havia um bom caráter ou alguma coisa assim que condissesse com a ideia persistente  ” quero ser policial”

Certo dia esta policial chamada Pamela encontra o Biel num carro que – obviamente – tinha sido roubado. – “Não fui eu que roubei” disse Biel  à policial. Ela cumpriu com seu dever e o levou para a delegacia para atua-lo. Não foi pouca a surpresa dela quando reparou que ele era bem conhecido naquela delegacia. O coração dela (ou como ela mesmo disse: “o coração de mãe“) se abalou. Como era possível que alguém de tão curta idade já fosse tão conhecido numa delegacia?

Sob a premissa de “alguma coisa devo fazer por ele” começou a buscar um jeito de ajudar o Biel a se endireitar. Pensou em adoção até ou quem sabe uma interdição. Entrou em contato com vários policiais de diversas guarnições que ela conhecia: civil, militar, federal, rodoviária. Falou com assistentes sociais, promotor, juiz. Ela tinha que fazer alguma coisa.

Havia uma razão muito forte para Biel viver nessa contradição existencial: ele tinha sido estuprado quando pequeno. Quem sofre este tipo de violencia podem reagir de diversas formas: ostracismo, rebeldia, ódio, pavor, e outro sem fim que fogem ao propósito desta análise. Biel tinha ficado cheio de ódio pelo momento de impotência e submissão forçada. Mesmo tendo bons desejos, mesmo sabendo qual era um bom caminho para ele, não encontrara outra forma de expressão do que esse ódio mortal numa forma de devolutiva visceral para a sociedade que não o soube cuidar.

Na busca por proteger o Biel, Pamela junto com o promotor, a assistente social e o juiz chegaram à conclusão de que uma interdição poderia ser o apropriado. Com a papelada pronta para a interdição e em mãos a policial foi à procura do Biel.

Tarde demais. Biel tinha sido morto de forma violentíssima. Tinha apenas onze anos.


A atitude da Pamela é, sem lugar a dúvidas, aquela que mais faz falta na sociedade. A sociedade que nos tocou viver, está rapidamente se degradando para o ódio e a polarização. A incompreensão do outro – em plena época da hiper comunicação assistida por computador – roda solta amparada por um falso anonimato e uma pseudo-impunidade.

A coisa mais simples e legalmente correta a ser feita seria o de deixar o Biel crescer desse jeito entrando e saindo de diversas instituições até que o próprio crime tomasse conta dele ou se tornasse civilmente adulto para responder por algum crime e, então, trancafiar ele pelo maior tempo possível.

Só que Pamela, contrariando a ditadura do ódio, vá ao encontro do desvalido. Consegue perceber atrás dessa couraça de ódio e ressentimento um menininho carente, solitário, machucado com uma ânsia louca pela vida e com bons ideais mas apavorado, em pânico.

A estas alturas, os partidários de “bandido bom é bandido morto” já devem de me estar crucificando pois “uma vez bandido, bandido para sempre”. Vão me dizer que estou vitimizando o agressor mas isso não passa de uma simplificação absurda que apenas serve para alimentar mais a roda do ódio em que vivemos.

Por outro lado, a turma do “a culpa é da sociedade” já deve estar achando que eu penso desse jeito e culpo aos pais, à sociedade, ao governo, ao estado a Deus ao diabo por tudo o que de ruim acontece com a humanidade. Não se vista tão rápido que com certeza não vai querer me acompanhar no restante da viagem.


Algumas práticas que anteriormente eram crimes, hoje já não são mais e outras estão indo caminho a deixarem de ser crimes. A sociedade (por ser em maior números que os defensores da lei e da ordem) acaba se impondo mesmo que a escolha dela não seja a melhor ou a mais adequada a longo prazo. 

Veja o caso de uso de Cannabis. O porte para uso pessoal é uma evasão à regra de que todo tráfico de entorpecentes é crime. Há uma suavização perigosa em que se deixam as famílias lutando sozinhas com tão grande flagelo. E não me estou referindo ao uso medicinal ou ao uso recreativo após 24 anos. Me refiro ao uso desenfreado em crianças de todas as idades.

Um outro caso que deixou de ser crime e vá em vias de deixar de ser chamado de pecado é o adultério. Independente das razões que possam impelir uma pessoa a pular a cerca, antes era um crime passível de morte, de cadeia, de multa e agora não é nem sequer infração. Já já vai surgir alguém falando que é uma “virtude libertadora” ou coisa assim.

Ainda conservamos um pouco de decência nos assassinatos. Mas isso é porque pode afetar a qualquer um e a qualquer hora. Não é porque queremos – como sociedade organizada – seguir algum mandamento divino ou sequer porque desejemos construir coisas boas e virtuosas. Trata-se apenas de medo. É fácil descaracterizar o aborto como crime, ou o adultério como crime, ou o uso de entorpecentes como crime pois a chance de que isso passe sob o teto do legislador é bem baixa e se acontece, não é tão grave como a morte, já que ela vem para ficar permanentemente ao passo que os outros sempre cabe a chance esdrúxulamente hipotética de desfazer o mal perpetrado.


Pamela queria acolher o pequeno criminoso. Os atos que ele praticara não se qualificam como atividades extracurriculares do ensino fundamental ou tarefa de casa da escola bíblica da igreja local. Todavia, enxergar alí outra coisa do que um microcosmos da realidade humana é de uma brutalidade e desconhecimento terríveis. 

Há em cada um de nós três necessidades básicas: Aprovação, Aceitação, Apreço. (Coloquei as três com A para facilitar a memorização). Em condições ideais, uma família (e por extensão a sociedade à que pertence) irá entregar essas três coisas para seus participantes em especial os mais novos.

É importante mencionarmos isso, porque a palavra acolhida para muitas pessoas acaba soando como se fosse sinônimo de uma das três ou das três quando se trata de outro termo que precisa ser explorado.

Se bem as três características estão amarradas, não são equivalentes nem uma substitui a outra. Por exemplo, uma filha que sempre foi aprovada por ter notas altas na escola e que é aceita devido às amizades que tem, mas que nunca recebe um sinal de apreço do pai, cresce com uma ideia bem distorcida de si e – por conseguinte – da relação com os outros, em especial os homens. É uma forma complexa de dizer para a menina: “Você serve apenas para produção. Não para ser amada”

Pamela escolheu o caminho difícil: acolher o pequeno apesar e por causa da sua vida de criminoso. A turma do “bandido bom é bandido morto” não consegue enxergar o individuo com suas mazelas. Me parece que é uma opção por medo e não por razão. Já a turma do “a culpa é da sociedade” também não consegue enxergar o individuo com suas responsabilidades. A vergonha da própria incapacidade de decidir pelo certo torna este grupo num alvo fácil do “divide e vencerás” ou de “nivelar pelo mais baixo”.

Pamela escolheu o caminho complicado da acolhida que não tem a ver com aprovação, não tem a ver com aceitação não tem a ver com apreço mas tem muito a ver com o amor sacrificial esperançoso. É uma forma bem prática de reconhecer algumas coisas: 1) Sim, a sociedade na sua forma mais básica (a familia) falhou em te proteger, Biel. 2) Sim, você tem um propósito bom, Biel. 3) Sim, do jeito que você está fazendo vai continuar a se machucar e machucar os outros, Biel. 4) Sim, a vida pode ser terrivelmente dura mas estou aqui para te ajudar, Biel.

Pamela não estava aceitando os crimes do Biel, estava aceitando o Biel.

Pamela não estava aprovando as decisões do Biel, estava aprovando os sonhos e futuras decisões do Biel.

Pamela não estava apreciando esse Biel que machucava os outros mas sim aquele que fora machucado no seu ser mais íntimo e fraco.


A acolhida cristã deve ter esses componentes em que se permita a um individuo fitar os olhos em Cristo – apesar de suas decisões e desejos errados – e o fortaleça nessa caminhada. 

A acolhida cristã estabelece um padrão elevado e responsável de conduta pessoal sem deixar de observar que “o pecado que tão fortemente nos assedia” faz um estrago tremendo na imagem do ser humano. Há um delicado equilíbrio entre o “fui tentado” e “reconheço que cedi”. Isso é assim desde o Eden e não vai mudar até a finalização do estabelecimento do Reino.

A acolhida cristã não reduz o nível da vara para facilitar a entrada do pecador empedernido. Também não alarga a porta para que o camelo possa passar com toda sua carga. A acolhida cristã transita o estreito caminho que desvia o pecador da larga estrada que ele está levando elevando o nível da sua consciência e levando-o a um patamar até então desconhecido.

A acolhida cristã não se espelha na acolhida mundana em que não se chama mais o pecado de pecado por não ter a sociedade qualquer forma de solução para dito problema. A acolhida cristã passa pelo modelo de Jesus o Messias em que – por amor a esta sua criação – se aproxima dela em forma humana bem definida e de lá resgata os seus para poder levar “cativa o cativeiro” (Ef 4:8)

Finalmente, é necessário lembrar que todo pecado nada mais é do que uma expressão dos desejos mais viscerais do indivíduo. Isso se aplica à prática do adultério, à prática do assassinato, à prática da homossexualidade, à prática do estupro, à prática do roubo, à prática do abandono da congregação mas também se aplica ao que anda no coração do indivíduo sem por isso chegar alguma vez a ser praticado e é ali onde se desmancha toda a ideia de uma acolhida para continuar a prática do pecado sem peso na consciência, pois é lá – no fundo do mais recôndito da nossa identidade – que Jesus, o Cristo quer ser Rei.  Fazer qualquer outra coisa e continuar a chamar de “cristianismo” é um deboche da fé cristã já que na fé cristã o alvo maior é a restauração do plano original e é para lá que nós vamos.

Junte-se a nós: Acolha para transformar.

Indigno

Não se trata mais de Amor?

Em 19/Junho de 2019 eu escrevi o poema logo acima para o próximo encontro que teríamos do grupo “Igreja: Comunidade Terapêutica”.

Por quê olhas com desprezo
as chagas do meu coração?
Não sabes, por acaso,
que são fruto da minha decisão?

Com tuas palavras dizes que me amas
e com teu olhar que me odeias
Oh desgraça esta mendicância
que precisando eu de tuas palavras
me obriga a aceitar sem qualquer ressalva
essa tua fria e cruel mirada.

Arrogante, e impassível
soberbo e acusador
com voz suave e elegante
me dizes que sou pecador

Elencas meus pecados
como se fosses um tosquiador
Será que não te avisaram
que isto tudo é sobre o Amor?

Corro, me afadigo,
me omito, me limito,
me calo, me transformo
buscando tua aceitação.
Coisa de loucos esta vida,
Não se trata mais de Amor?

É obvio que não sou poeta. Um aluno de segundo ano do primário consegue ver isso nas poucas linhas toscas, mas foi um jeito que encontrei de dar vazão a alguns sentimentos de se aglomeraram no meu coração ao longo dos anos. Se essas linhas te fazem sentir certa angústia, ele já cumpriu seu propósito.

Antes disso, em 23/Dezembro de 2018 às 18:30 sofri um aneurisma dissecante de aorta. Completamente assintomático, simplesmente se manifestou de uma hora para outra. Ao outro dia às 09:30 estava entrando na sala cirúrgica do Hospital Regional para uma intervenção de emergência. Só conseguí ficar em pé e com certa dificuldade e com ajuda depois do 26/Dezembro. Passaram três longos meses afastado do serviço por completo e mais três de afastamento parcial. Apenas em outubro recebi alta ambulatorial do cirurgião e ainda estou em tratamento com o cardiologista, o nefro e o neuro.

No dia da alta da internação em janeiro de 2019 o médico que me estava liberando, falou para minha filha e eu que a recuperação tão rápida se devia em grande parte ao excelente condicionamento físico. Caímos na gargalhada com a Rebeca já que -fora caminhadas regulares, bicicleta nos finais de semanas e umas piscinas esporádicas- eu me considerava um sedentário empedernido.

Além disso, desde que tiveram que extrair meu apéndice por volta dos 30, eu tinha reforçado junto com minha primeira esposa o costume de evitar sal, gorduras, etc. Depois dos 40 já casado novamente tínhamos eliminado também o açúcar e mais tarde a farinha.

Por ter passado os últimos vinte anos da minha vida desenvolvendo software para a área de saúde sabia que podia ajudar com alguma informação. Até porque era do meu interesse descobrir a causa. Ao final das contas, se havia algum problema hereditário (minha avó materna morreu repentinamente e sempre falaram que tinha sido uma parada cardíaca por exemplo) era minha responsabilidade levantar isso e passar para as gerações seguintes como lidar com isto.

Então – com a informação que pude levantar – fiz um genograma orientado à saúde e o levei aos médicos em todas as consultas. Não sou profissional, mas as causas de um aneurisma podem ser reduzidas a três: hipertensão arterial, desordens hereditarias e defeitos cardiovasculares congénitos (lesões causadas por trauma não se aplicam porque nunca tinha passado por um procedimento cirúrgico cardíaco ).

Conversando com o cirurgião ele me indicou que o grande vilão de nossa época é o estresse. Ou seja, é o estresse que acaba potencializando um ou dois desses fatores e literalmente arrebentando com tudo.

Até hoje (inicio de 2020) não conseguimos atribuir a uma única causa a razão do meu aneurisma dissecante de aorta mas é obvio que o peso emocional da auto-cobrança passou a conta. O estresse acumulado de anos aguardando a aprovação de alguns seres humanos específicos e de grande relevância pessoal acabaram por simplesmente serem demais para meu corpo.


Algumas linhas do poema as revisaria. Em especial aquela que diz “São fruto da minha decisão” já que aprendí neste último mês que era impossível eu decidir diferente.


Como morrer à toa

  1. Não se aceite como um ser humano comum. Exija de você a perfeição.
  2. Não escolha seus amigos. Seja melhor que Jesus que escolheu seus discípulos.
  3. Deixe que autoridades terrenas (colocadas por Deus) assumam o lugar de Deus
  4. Preocupe-se com a opinião dos outros.
  5. Comporte-se como se não estivesse envelhecendo.

Lucas 14:26

Se alguém deseja seguir-me e ama a seu pai, sua mãe, sua esposa, seus filhos, seus irmãos e irmãs, e até mesmo a sua própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo.

Mateus 10:37

Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim.

A herança esquecida – O caminho ao mercado

Anteriormente…

Na medida em que Júlio ia crescendo, suas responsabilidades iam aumentando. Isso implicava em sair mais vezes da sua pequena aldeia circular e ir até o mercado. Era toda uma aventura. Só o fato de que o caminho até lá era uma longa e imperceptível curva lhe fazia pensar que os circulões mais antigos sempre enfatizavam: “o caminho até o mercado pode ser transitado por se tratar de um pedaço de um círculo muito grande. Nós é que – por sermos infimamente pequenos – o percebemos como uma reta“.

Júlio ficava encanado e encantado. Se isso era verdade, eles e apenas eles – os circulões – estavam no caminho certo. Claramente deveria ser assim já que se até o caminho ao mercado fazia parte de um grande círculo, logo, a origem de tudo deveria ser um circulo, um circulão ou alguma coisa assim. Não podia ser de outro modo, já que os pais deles eram circulões, os avós, os bisavós, todo mundo era um circulão e quem não era, acabava sendo excretado de uma forma ou de outra. “Uma aberração perturbadora” – como diziam os mais velhos – que precisava ser “purificada” vivendo fora da aldeia. Só que Júlio – por mais encantado que estava com a ideia – não conseguia desencanar. Havia alguma coisa que não se encaixava nesses ares de perfeição circular.

No caminho haviam coisas que Júlio admirava. Era um caminho longo que levava em média dois a três dias para ser realizado. Pelo menos na ida porque na volta a coisa era bem complicada pois tinha que voltar com as compras e o único jeito era empurrar, puxar, arrastar em pequenos grupos sobre tábuas ovais (pois não passavam de círculos deformados e formas imperfeitas podiam ser usadas mas não interiorizadas). Certa vez lhe contaram a história de um circulão jovem que quis colocar quatro círculos ao lado das tábuas ovais de transporte só que em pé vinculados por um eixo dois a dois. Demorou mais tempo em explicar o que ele pretendia do que em ser excretado. Enquanto era colocado para fora da aldeia ele esperneava, falava qualquer coisa ao respeito de que ele estava seguindo as ideias de Salvador; que era bom buscar formas de viver melhor; que era uma bênção usar essas tais de “rodas” como ele chamava os círculos na vertical. Coitado. Um verdadeiro perigo.

Bom, mas voltando ao caminho, nesse trajeto de ida (que era pelas razões que lhes contava mais leve e rápido que o de volta) Júlio se maravilhava com várias coisas. Uma das coisas que ele achava boa era que na primeira metade do caminho – onde ainda era plano e não havia nem barranco nem despenhadeiro – outros caminhos se juntavam ao maior. Era desses caminhos que triangulões, quadradões e outros iam se somando ao trajeto. Nesses percursos, Júlio – de alma inquieta e explorador por natureza – havia aprendido algumas palavras em vários dos dialetos falados pelos povos e até hexagonés, a língua do povo de igual forma.

Saindo da parte lisa do trajeto – se bem que o caminho até o mercado era liso já que todos esses povos não poderiam chegar até o mercado se o caminho fosse de qualquer outro jeito – ao lado do caminho haviam partes não planas a um lado e ao outro. Por vezes de um lado havia uma elevação com uma coloração verde em sua grande maioria. Por vezes do outro lado havia uma depressão, um vale, com a coloração verde também mas salpicada de outras como marrom, verde mais escuro, branco, amarelo, enfim, a lista era enorme.

Muitas vezes era ali que eles paravam para fazer a refeição. Três coisas faziam com que todos eles se unissem quase que em um mesmo pensar: a diferença de altura entre um lado e o outro do caminho, as cores que podiam ser vislumbradas e que mudavam conforme o horário em que chegavam no ponto e o vento. Ah o vento. Não havia nada parecido com o vento nas suas aldeias. Ele parecia preenche-lo tudo e todos. Às vezes forte, outras vezes quase imperceptível mas sempre presente trazendo cheiros e aromas que causava neles uma atitude quase solene de fechar os olhos e respirar fundo como querendo hospedar nos seus pulmões toda aquela beleza sensorial.

Tipicamente ficavam em silêncio no inicio. Apenas ouvindo o vento. Apreciando a música que só ele sabia tocar. Aos poucos esses minutos iam ficando para atrás dando lugar a uma sadia folia com o correspondente intercâmbio de abraços, presentes, desejos de boa caminhada, atualização das noticias. Ao final das contas, viam-se apenas uma vez por ano. Obvio que se os circulões mais antigos vissem uma coisa dessas iriam deserdar os mais novos. E pelo que contavam nesses encontros, não era muito diferente com os outros, apenas os hexagonões eram dados a aceitarem outros povos mas eles também eram dados a darem risada de si mesmos, então não eram padrão.

Mais para frente essa confraternização e confiança mútua era necessária para atravessarem a ponte. Então eles sabia, que não era errado gastar um tempo se interessando pelo outro já que precisariam um do outro ao enfrentar os fortes ventos sobre a longa ponte que atravessava sobre um grande cânion no fundo do qual um rio tempestuoso corria livre e desimpedido.

Continuará…

A herança esquecida

Era uma vez um povo que vivia sua pequena felicidade. Não se sentia infeliz nem muito menos. Tinha achado seu ponto de equilíbrio e – mesmo que ocasionalmente os membros desse povo falassem uns ao outro da triste situação dos que não pertenciam a este povo – pouco e nada faziam ao respeito. Era mais uma formalidade que ajudava na aceitação por parte dos outros do mesmo povo, do que realmente uma carga.

Tudo nesse povo era circular. Nele nada era quadrado, triangular, hexagonal, ou de qualquer outra forma poligonal. Tudo era simplesmente um círculo. Alguns maiores, outros menores, mas sempre círculos. Haviam por vezes círculos tão enormes que, observados de perto e por pouco tempo, pareciam uma reta.

Para se ter uma ideia, os planos e projetos eram circulares. Eles começavam e acabavam sempre no mesmo ponto que tinham começado (ou acabado antes, ninguém mais sabia). De esta forma, se podia ter a ideia de movimento sem nunca ao menos passar por lugares ou situações novas. Tudo quanto se observava já era conhecido por alguém de alguma forma e com isso os mais novos não tinham necessidade de sentirem medo ou aflição já que alguém da geração anterior (ou anterior à anterior, ninguém mais sabia) já tinha passado por lá.

Haviam ao menos quatro círculos básicos na vida deste povo: o íntimo, o particular, o simulado e o externo irreal. No círculo íntimo ninguém entrava a não ser a própria pessoa. Neste espaço, as ideias e sonhos se revolviam de forma mais ou menos desorganizada mas sem nunca ao menos poderem sair para os círculos mais externos. Como muito, alguma ideia que já tinha sido ouvida nos círculos mais externos era devolvida ao círculo particular, com muita dificuldade ao simulado (sempre e quando a aceitação fosse de alguma forma garantida) mas, com certeza, nunca, mas nunca mesmo, sairiam ao círculo externo irreal.

Por conta dos círculos serem concêntricos o equilíbrio do esquema todo dependia em grande medida do ponto mais básico assim como da velocidade de giro dos círculos mais externos, mais ou menos como o rodopiar de um pião. Enquanto tudo continuasse a girar com a suficiente velocidade o pino continuaria como ponto de apoio e enquanto o ponto de apoio continuasse lá, tudo iria a continuar girando e a tão bem conhecida e estática felicidade estaria garantida.

A herança esquecida – Júlio

Anteriormente…

Júlio não era de todo circular. Suas ideias iam e vinham. Algumas eram ideias estranhas. Bom, ao menos não eram circulares. Para falar a verdade, Júlio era mesmo meio amassado. Ele não girava muito bem. Até o círculo particular se incomodava com o jeito em que ele girava. No círculo simulado ele não se encaixava e vira e mexe falava de coisas que só podiam ter vindo do círculo externo irreal. Para que o leitor me entenda melhor, mais do que girar em círculos, o Júlio rodopiava alternando a volúpia rodo ativa com certo degringolamento na própria rota: Um louco solto.

Uma das coisas mais perigosas que Júlio falava era que o último círculo estava mal etiquetado. Ele dizia que o último círculo não podia levar nunca a palavra irreal na etiqueta. Apenas círculo externo seria suficiente. Apenas pensar nesta ideia fazia os circulões (assim eram chamados os membros deste povo), como dizia, apenas pensar nesta ideia fazia os circulões mais velhos estremecerem na base. Como o leitor pode imaginar, uma estremecida neste povo não era o mais desejável já que um círculo poderia bater no outro, fazendo-o estremecer-se e podendo desencadear uma reação em cadeia.

Da última vez que isso tinha acontecido o desmoronamento, o tombo, a sensação de insegurança tinham invadido o povo ao ponto que – não podendo mais rejeitar as ideias – tiveram que se desfazer do circulão ousado. Como era que se chamava? Era um nome com ésse. Sofos? Saliente? Solidão? Salvador? É isso ai! O circulão aloprado chamava Salvador.

Salvador tinha a mania de mostrar que círculos, por mais enormes e velhos que fossem, nunca seriam linhas retas. Ele insistia que haviam outras formas igualmente válidas de construir um povo; triângulos, quadrados, pentágonos, etc. O problema estava com o caminho. Segundo Salvador, o essencial era reconhecer que o andar não podia estar limitado à reprodução da própria forma do povo. Ou seja, ele dizia que haviam outros povos no círculo externo irreal que alias, ele -que nem Júlio- insistia em tirar a palavra irreal da etiqueta. Estes povos tinham as formas mais variadas mas todas elas, assim como os circulões, insistiam em que o caminho a ser seguido tinha a própria forma do membro individual do povo apenas mudando em tamanho e – por consequência – em historicidade. Quando mais velho e maior, tanto melhor e seguro o caminho a ser seguido; isso contanto a forma fosse idêntica à do povo que o transitasse.

Salvador insistia em que a forma que o caminho assumia e o tempo transitado não eram um atestado de que o próprio caminho era certo. Por outro lado, estas coisas não tinham como competir com a relevância do destino a ser atingido nem muito menos com a aventura das descobertas que o próprio caminho poderia vir a oferecer.

O orgulho com que os circulões se gabavam de quão seguro era seu próprio caminho, quão elegante e suave era se comparado ao dos triangulões ou dos quadradões via-se gravemente ameaçado pelo sorriso meigo e simples de Salvador que – na sua aparente loucura – conseguia enxergar vida além do círculo externo irreal.

As pessoas que o ouviam falar, o faziam por meio do círculo simulado. Este era meio como que uma última linha de defesa para a pseudo realidade particular e a quase realidade interior. No círculo simulado, a realidade era antagônica à aceitação. As ideias eram expostas sempre e quando fossem circulares. Maiores, menores; com traços largos ou finos; mas circulares. Os mais ousados traziam ideias ovais que não passavam de círculos deformados. Passado o choque inicial, a ideia passava a ser considerada pois não se tratava de nada mais do que um círculo sob forte pressão ou qualquer eufemismo do tipo.

Salvador vinha e falava de triângulos, quadrados, hexágonos e outros polígonos como se eles também fossem formas válidas de vida. Mostrava aos circulões que tanto fossem triangulões, quadradões, ou circulões, o importante mesmo era escolher um outro caminho que não era a mesmice de sempre. Porém a coisa realmente pegava quando ele abandonava os polígonos e passava a falar dos poliedros. Onde já se viu ter três dimensões? Volume? É claro que ele fazia isso não apenas para chacoalhar as ideias dentro do círculo íntimo de cada circulão o que já de por si constituiria um objetivo bastante ousado. O propósito dele era mostrar que o importante era o caminho e não a forma de quem o transita.

Júlio se sentia de certa forma conectado com Salvador. Não que fossem contemporâneos. Nada disso. Havia uns dois mil anos de separação histórica. A coisa era mais profunda.
Júlio tinha nascido como qualquer outro circulão; ou seja: dois circulões complementares se uniam, mitigando as diferenças do círculo simulado e passando a constituir um novo círculo particular, abandonando – na medida do possível – os respectivos círculos particulares ao que tinham pertencido para formar um outro circulo melhor e maior na medida do possível ou pelo menos aparentar que assim era.

Bem, particularidades à parte, Júlio foi crescendo bastante bem. Aprendeu as habilidades de simular o pensamento, esconder a verdade, fugir das ideias que não fossem circulares, enfim, tudo aquilo que os mais antigos achavam essencial para o pequeno Júlio chegar com sucesso a participar do círculo simulado e evitar o mais possível o contato com o círculo externo irreal. A não ser, claro, aquelas vezes em que a necessidade o empurrasse para obter algum recurso com os triangulões ou os quadradões vizinhos.

Uma vida abandonada

DSC089382.Pedro 1:1-11

Já viu um daqueles filmes em que velhos colegas de escola ou faculdade se encontram? Geralmente dá pé a uma comédia, obvio. Dificilmente há algum que traga alguma outra coisa a não ser risada sobre si mesmo.

Em situações ideais, se espera que a pessoa seja/esteja melhor agora que há 20 anos atrás e é claro, há coisas que se escapam ao controle da pessoa (uma doença, um acidente, um projeto que não deu certo por condições externas) e outras que dependiam apenas do ser re-encontrado.

Tire seus cinco minutos e volte no tempo. Relaxe e relembre como você era há cinco, dez, quinze, vinte anos atrás. O que mudou? Aquilo que mudou (para bem ou para mal) é fruto do seu empenho? Você pode se dizer responsável daquelas coisas que foram modificadas na sua pessoa? Você foi um sujeito passivo ou ativo na mudança ou na permanência ?

Imagine-se em outra situação. Imagine-se contando sua trajetória até ontem para alguém. Como seria? “Isto e aquilo está melhor por causa de tal e qual razão”? “Fulano(a) me ajudou muito neste quesito”? ou está mais recheado de falas do tipo “Não consegui fazer isto nem aquilo porque fui impedido por fulano(a)”? ou talvez “O sistema (mundo, diabo, igreja, sociedade, clube) me impediu de fazer tal e qual coisa que era meu sonho”?

Gálatas e 2Pedro

Há duas passagens que gosto muito: Gál.5:22-26 e 2Pedro 1:1-9

No primeiro, Paulo diz que o fruto do Espírito é “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio“. Esse texto é maravilhoso pois essas coisas colocam de manifesto a vida do Espirito em nós. Obvio que sei que os legalistas de plantão costumam ler e dizer “devemos ter amor, devemos ter alegria, devemos…” e não conseguem enxergar que é um fruto (um único) do Espírito na vida daquele que crê. Se deixamos um cachorro bem alimentado e em liberdade ao nosso lado, ele é feliz. Não tem porque ser infeliz se ele tem as três coisas que ele mais gosta: alimento, aconchego e o tutor dele. Ele manifestará a sua alegria espontaneamente e nos fará saber sem lugar a dúvidas que é feliz. Assim também, se o Espirito do Senhor é deixado em liberdade em nós, ele produz naturalmente “amor, alegria… domínio próprio“. Não tem como o Espirito Santo produzir outra coisa. Todavia, o legalista, por não saber nada de liberdade, traduzirá “devemos” em lugar de “o fruto é…”

Mas temos 2Pedro 1:5. Aqui Pedro começa com um verbo que causa repulsa em certos cristãos: “Empenhem-se“. Causa repulsa porque na visão deles, tudo acontece apenas por obra de Deus e nada do que é feito no interior da vida do ser cristão pode – de alguma forma – depender do próprio cristão. Então, assim como o legalista lê errado Gálatas, o livre lê errado 1.Pedro.

Para o apostolo Pedro (aquele de declaração de fé, do monte da transfiguração, dos pães e peixes, do Getsêmani, da negação, da cruz, da ressurreição) há um lugar enorme para o empenho do ser cristão. Sim, o ser cristão, pois o texto o vê como uma consequência daquilo que o criador já fez: “Por isso mesmo

Para Pedro, a vida do ser cristão é uma sucessão de pequenos destinos similar ao trajeto de um ônibus circular. Como se de camadas se trata-se ele inicia falando para acrescentar à fé a virtude. Obvio que esta fé, não é fruto do esforço pessoal. Nisto ele concorda com Paulo (Efésios 2:8,9) e com o próprio Jesus, o Cristo (João 6:28-29) em que a fé é fruto da intervenção de Deus na vida do homem. Sem o Cristo levantado na cruz, não haveria possibilidade desta fé (João 12:32; 44-46; 6:44). Sem fé, nada da vida cristã é possível. Sem fé, as pessoas podem emular atributos cristãos mas só isso. A pessoa pode gostar de algum credo cristão, da Bíblia, dos louvores, da pregação, da igreja local, das ações que esta promova, mas não pode haver vida sem esta fé. Sem entrar neste assunto, mas apenas para fornecer mais lenha, a fé não é a inexistência de dúvidas mas a plena certeza de que Deus é Deus não porque ele faça ou prove qualquer coisa para provar sua existência.

Uma pequena analise e tarefa para casa

Bem, avancemos. “Empenhem-se para acrescentar à sua fé virtude“. Um sinônimo bastante bacana e simples de virtude é dignidade.

Vem ai então o teste de como anda sua vida: Ela é digna? É digna do chamado cristão? É digna na privacidade? É digna para com o ser alheio? É digna para você mesmo, na sua intimidade? É digna para com quem não crê?

Mas ai mesmo surge também a questão do tempo. Diferente da fé que pode ter (quase sempre tem, aliás) um momento preciso no tempo em que ela surge, a virtude (ou dignidade) não tem uma data precisa no tempo em que ela surja e vc diga “foi em 29 de fevereiro de 1900 e bolinha que me tornei digno“. Obvio que podem haver datas assim, em que você tem uma epifania e descobriu que havia alguma coisa na sua vida que era indigna ou pouco virtuosa e a partir de aí começou a construir. Mas me refiro a que a virtude é construída aos poucos. É um daqueles atributos que é visto não de imediato, mas ao longo dos anos e segundo Pedro, requer empenho. Não acontece de forma automática (se bem que é natural ao ser cristão) mas requer dedicação, zelo, desejo, cuidado, ouvido atento, paciência, entrega.

O mesmo se pode dizer do restante. E esse é seu dever de casa.

Logo, o que surge a seguir é uma análise da sequência e dos falsos sinônimos.

Existe uma sequência. Pedro coloca a lista em uma certa ordem. Repare que esta ordem é diferente do que a gente faria. Por exemplo, você não listaria o amor antes da fraternidade? Ou o conhecimento antes da virtude? Ou a piedade antes da perseverança?

É claro que se você foi doutrinado na vida cristã, pode ser que seu espírito crítico tenha sido tolido. Mas se foi discipulado, então foi ensinado a fazer perguntas, a ser questionador, investigador, navegador das profundidades do texto bíblico, apreciador da superfície e singeleza de algumas jóias bíblicas.

Seja como for eu lhe convido a gastar um tempo pensando na ordem desta lista. Seja honesto, você faria esta lista nessa ordem? Por quê? Não vou me estender mais sobre isto pois já lhe foi indicado o caminho e quero chegar logo na vida abandonada.

Talvez lhe possa ajudar o mesmo texto em outra versão que não lhe é comum. Por exemplo “Nova Versão Transformadora”

Diante de tudo isso, esforcem-se ao máximo para corresponder a essas promessas. Acrescentem à fé a excelência moral; à excelência moral o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança; à perseverança a devoção a Deus; à devoção a Deus a fraternidade; e à fraternidade o amor.

O abandono da própria casa

Seja porque a pessoa é legalista ou porque é livre, ela corre o risco de se abandonar. Talvez ele mesmo não perceba isso. Entra dia e sai dia e aos poucos, sem perceber, vai abandonando o posto.

Para uma casa bem construída ruir só fazem falta duas coisas: desleixo e tempo. Uma simples goteira no telhado, acaba com o madeiramento mas antes de percebermos a agua já se infiltrou e acabou com alguma parede. Podemos falar a mesma coisa sobre as formigas, falta de limpeza, etc.

Pedro diz que “Porque, se essas qualidades existirem e estiverem crescendo em sua vida, elas impedirão que vocês, no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, sejam inoperantes e improdutivos” (1Pedro 1:8)

No mundo evangélico, estar inoperante é deixar de ir na congregação e ser improdutivos é não evangelizar. Mas isso não faz muita justiça ao texto. Pedro nem menciona essas coisas. Pedro não leva para o âmbito institucional e sim para o pessoal ao dizer no versículo seguinte isto: “Todavia, se alguém não as tem, está cego, só vê o que está perto, esquecendo-se da purificação dos seus antigos pecados” (1Pedro 1:9)

Voltando no exercicio do inicio, você compara sua vida com a sua própria há cinco, dez, vinte anos e diz: “Poxa, esse carinha não cresceu”  ou também “Ue, ele se deixou estar, se abandonou. Cadê o crescimento dele?” e ainda “Nossa, que triste, continuo sendo o mesmo tonto de há duas décadas”

Longe de fortalecer sentimentos de culpa (a culpa assim como a raiva são péssimas conselheiras) o que busco aqui é a auto-analise. Estar nas fileiras cristãs não é como subir a um carrinho de montanha russa e ser levado daqui para lá de forma puramente passiva. Também não é fazer parte de alguma instituição cristã por mais que a execução daquilo que está no seu coração pode ser que o leve a pertencer a uma instituição para viabilizar o seu sonho.  Muito menos é ter todos os problemas solucionados e viver em plena paz e harmonia com todo mundo.

Estar nas fileiras cristãs é um chamado constante ao serviço e à morte pessoal. Duas coisas que o ser humano natural detesta fervorosamente. Não é uma guerra contra o pecado que está no outro (ainda que o pecado como sistema precise ser denunciado) mas sim contra aquilo que em mim não se assemelha ao Cristo. É uma luta não contra a injustiça social (ainda que um coração cristão deveria sangrar e protestar ativamente contra ela) e sim contra a injustiça que eu mesmo provoco no âmbito pessoal, familiar, social, corporativo. Não é uma luta contra a corja de políticos que corroem as finanças das pessoas comuns (ainda que devamos usar todos os meios ao nosso alcance para demandar mais transparência e rotatividade política) mas sim contra aquilo que em mim não respeita as coisas alheias e busca apenas ganho próprio.

Pedro diz que quem não tem estas coisas está cego. Não completamente, mas uma pessoa com curta visão. Ele não apenas não consegue enxergar a realização do chamado que recebeu, mas também não consegue enxergar (lembrar) a purificação dos seus antigos pecados. Na linha do tempo, ele está num vale. Não há lembrança nem esperança. Tudo são picos altíssimos e inalcançáveis. Sombras. Frio. Desorientação. Numa condição dessas, o mais seguro para o peregrino parece ser ficar quieto, acuado, cada vez mais encolhido num último ato de preservação.

Pedro ensina que a forma de amadurecer na vida cristã é por meio do cultivo sistemático da virtude, o conhecimento, o domínio próprio, a perseverança, a piedade, a fraternidade e o amor. Só se essas qualidades estiverem presentes (e não como algo estático mas dinâmico “estiverem crescendo em sua vida“) só assim  elas impedirão que sejam inoperantes e improdutivos.

Avançando, a figura que Pedro emprega no versículo 10 me remete a uma ação militar: consolidar o chamado e a eleição de vocês. A colina foi conquistada, mas falta consolidar ela. Faltam as defesas necessárias para que se torne um local seguro para outros virem.

O legalista comete o erro de pensar que pode chegar sozinho à vida cristã e suas virtudes: eu mesmo conquisto a colina. O livre comete o erro de pensar que – tendo sido liberto – não precisa mais se preocupar com a vida cristã; que tudo acontece no automático: a colina  e todos os vales que a circundam são meus já.

A proposta de Pedro é bem mais cristalina e coloca as coisas no seu devido lugar: Lhe foi dada uma fé, agora enriqueça ela.

Última pérola

Finalmente, resta uma pequena jóia no versículo 11: “assim vocês estarão ricamente providos quando entrarem no Reino eterno do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” Obvio que na visão de Pedro o Reino é escatológico; isto é, ele se cumpre e manifesta apenas no fim da história (a pessoal ou a global) e isso não contradiz o fato do Reino estar sendo construído aqui e agora com cristãos responsáveis.

Para Pedro, a vida cristã recolhe no Reino eterno aquilo que semeou aqui nesta vida. Diferente da visão profana da idade média em que os pobres eram superficialmente consolados com a ideia de que ser pobre era bom porque ia ser recompensado no futuro pós morte ao passo que isso não explicava como podia existir uma igreja institucionalizada extremamente rica, o foco aqui é no desenvolvimento pessoal e nos seus desdobramentos eternos.

Ser pobre não é ser humilde nem garantia de ser melhor pessoa que um bem abastado. Ser rico não é sinónimo de orgulho ou perdição. Se você para para analisar, pode ser que concorde comigo em que essas coisas são externas.

A lista de coisas que Pedro menciona são de cunho íntimo. Tem a ver com como o exército vai se abastecendo de coisas ao longo do caminho antes de chegar no seu lugar de descanso final. Tem a ver com ir cada dia se abastando dos melhores recursos para a época que virá.

Não gostamos muito de falar nisso. Gostamos em geral de pensar que a vida eterna começa apenas após a morte e nada do que fizermos aqui afeta a vida de lá. Mas a Bíblia ensina outra coisa. E o faz em repetidas ocasiões. À guisa de exemplo, lembre de 1.Cor.3:1-15, Tiago 2:18-22, Heb. 6

Quer entrar ricamente provido no Reino eterno, então continue a acrescentar à sua fé virtude, à virtude conhecimento, ao conhecimento domínio próprio, ao domínio próprio a perseverança, à perseverança a piedade, à piedade a fraternidade e à fraternidade o amor.

A salvação não é por obras e está garantida. Repare que Pedro em lugar nenhum diz alguma coisa como “Se não fizerem isto arderão no fogo eterno“. Não. Ele diz: “quando entrarem no Reino“. A entrada no reino depende da fé recebida que aponta para o Cristo morrendo na cruz. Uma coisa conquistada por graça, não pode ser anulada pelas obras e se fosse, não poderia ser restituída já que seria uma ofensa não apenas ao Cristo, mas a tudo o que a morte dele na cruz representa. (Heb. 6:4-6)

Volte a construir sua casa. Dedique tempo a sua vida pessoal. Não se abandone. Foi pago um alto preço por ela.

Cristo, nosso cordeiro pascoal foi crucificado

Pensar na pascoa é, para muitas pessoas, sinónimo de festa, ovos de chocolates, reencontro com a familia. Eu acho que isso tudo tem seu valor e que deve ser feito, mas despe a páscoa do seu verdadeiro significado original. Uma segunda coisa é indagar se é possível para um cristão celebrar a páscoa.

A pascoa como tal nada mais é do que uma festa judia (e judaizante) na que se celebra o Pessach, ou seja, a passagem do anjo da morte na terra do egito pouco antes da liberação do povo judeu. No sentido de liberação, nada mais apropriado do que concordar com o apóstolo Paulo de que “Cristo nosso cordeiro pascoal já foi sacrificado” (1Co.5:7) já que -de fato- Jesus o Cristo é nosso grande libertador. Nada se compara a ele e e nele que o Pessach tem seu significado realizado por completo.

Porém, a sociedade tem gradativamente desvirtuado esta verdade simples. Para falar a verdade a sociedade não está nem ai para o significado da pascoa ou do natal. O problema é que a igreja institucionalizada (grande ou pequena) gosta de se prostituir atras da ideia de que tem que “atrair” as pessoas. Se Jesus fosse um produto, uma coisa a ser vendida, eu até concordaria. Nada mais apropriado e justo do que engabelar seu cliente falando coisas que ele quer ouvir, lhe dando aquilo que ele quer obter, para o seu produto ser mais vendido e com isso engrandecer os lucros de quem vende.

Das dias grandes datas cristãs – o natal e a pascoa- é com certeza a páscoa e não o natal a que celebramos em data mais certa. Porém, tanto uma como outra se presta parta conchavos politico-econômicos. O que atrai para o Cristo tem que ser o próprio Cristo. E – se possível – crucificado. Ao menos era isso o que ele pretendia ao relembrar da serpente erguida por Moises no deserto. Logo, se era isso que ele queria, para que eu me meter com isso?

No se trata de coelhos, se trata de um cordeiro. Não se trata de chocolate e sim de sangue. E não se trata de muita vida e sim de morte. Paulo escrevendo aos corintios faz a mesma menção na ceia (que lembremos: Jesus celebrou a sua última ceia justamente durante a pascoa) ao dizer: “Todas as vezes que beberdes deste calice… a morte do Senhor anunciais até que ele venha”. E ele mesmo quando no inicio da carta diz qual era sua mensagem fala: “anunciar a Cristo, e este crucificado”

Sim, claro que sei que a vitória na cruz é essencial à fé cristã; mas isso é no domingo.  Sexta e sábado celebramos – sim, celebramos – a morte de Jesus. Ao final das contas é por conta desta morte que você e eu não temos que pagar pelos nossos próprios pecados.

Então, para que sujar uma mensagem tão especial com ideias vindas do paganismo? Para que prostituir a mensagem? Para que desvirtuar o que é grandioso? Eu lhe direi: Para não sermos engolidos pela concorrência. Tudo tem se transformado numa luta imbecil por números. Não há mais vida. Apenas os números importam. Pastores jovens são massacrados e trucidados apenas por esta simples e diabólica ideia: Sua igreja precisa ser grande.

Paremos de brincar com fogo. Abandonemos de forma prática essa afronta. Passemos para a minoria, façamos eco da nossa eleição em Cristo. E paremos de ensinar aos nossos filhos e netos que está bem se prostituir nas ideias contanto “mais alguém seja alcançado”. Ninguém alcança ninguém, apenas o Espirito Santo convence de pecado, justiça e juízo. Sem isso, nada feito.