Penso que os questionamentos nos movem. Eles nos levam para além do que somos e de onde estamos. Isso porque questionar é ir além do refletir. É ter a coragem de adentrar terrenos desconhecidos e de encarar novos desafios. E diante destes que nos cercam, uma que nos confronta é a questão do renovar.
O renovar-se exige de nós a ousadia de buscar o novo no velho, fazendo-nos assim, sair das nossas zonas de conforto. Verdade é que poucos trilham este questionador e ousado caminho. James Houston foi um dos que corajosamente adentrou esse terreno na busca do novo em relação ao velho caminho da oração.
Escocês, profundo conhecedor e pioneiro no campo da espiritualidade cristã, fundador e professor do renomado “Regente College” onde tem lecionado a cadeira de Teologia Espiritual substituídos por Eugene Peterson; James Houston é considerado um homem sabedor de diversas áreas do conhecimento humano e amigo de C S Lewis.
Sua busca e questionamentos concentram-se no campo da oração como amizade com Deus. Contudo, antes de avançarmos com seu pensamento sobre este assunto, refletiremos na seguinte questão introdutória: O que entendemos por orar?
Tecnicamente, orar é dialogar com Deus todo o tempo. É o que Paulo aconselha aos irmãos em Éfeso, “orarem em todo o tempo” (6:18). Uma curiosidade sobre a oração é que ela é profundamente direcionada por aquilo que cremos e como nos comportamentos. Ou seja, o caráter de nossas orações será marcantemente determinado pelo caráter de Deus, enquanto o conhecemos e o experimentamos.
Orar é articular nossos desejos, vontades e angústias, mas também é fazer nossos pedidos e súplicas a Deus. Noutras palavras, entendemos que orar é falar, falar, falar, falar e falar… com Deus. Entanto, em (Mt.6:5-8), Jesus faz um comentário surpreendente. O de que, quando oramos devemos fechar a porta do quarto e ir para o mais profundo do silêncio, ou seja, ir para o recluso, para a introspecção.
Assim, para Jesus, oração não é alguma coisa que Deus ouve, mas o que Deus vê. Nesta perspectiva de Jesus, a oração tem muito pouco haver com nossas palavras, mas tudo haver com nosso coração. Portanto, podemos dizer que, a luz de Cristo, a oração é uma experiência de Deus que transcende as palavras, pois estas são limitadas demais para expressar esta experiência do divino. E buscar a Deus no silêncio é construir a verdadeira intimidade com ele. Intimidade esta que é expressa e desenvolvida no relacionamento com Deus.
“Minhas orações, Deus meu, fluem do que não sou. Eu penso que tuas respostas me transformam no que sou”. George MacDonald
O questionamento de James Houston acerca da oração o conduziu ao entendimento de que precisamos de uma teologia que nos desperta para um relacionamento pessoal e verdadeiro com Deus. Noutras palavras, uma teologia que nos aponte o caminho da oração que seja mais pessoal e afetiva, e não apenas acadêmica.
Em seu livro “A oração: O caminho de amizade com Deus”, Houston procura ensinar a orar e cultivar uma amizade com Deus. Ele nos leva a descobrir que orar é mais do que conseguir de Deus aquilo que desejamos, é exercer um relacionamento de amizade com Ele.
O capítulo oito deste livro traz como título “Oração: A amizade com Jesus Cristo” onde o autor fala acerca deste caminho relacional de amizade entre o homem e Deus.
“Dia após dia; dia após dia; Ó querido Senhor, três coisas eu oro: Ver-te mais claramente; Amar-te mais amorosamente; Seguir-te mais de perto; Dia após dia”.
Ele inicia o capítulo dizendo que na realidade do Espírito Santo possuímos tanto a transcendência de Deus, onde ele é o outro distinto de nós em sua divindade; quanto sua imanência, onde seu Espírito é intimamente pessoal, “mais próximo do que a respiração”. Como ambos, ele é o Espírito de Jesus que permanece conosco para todo sempre.
Diz também que à medida que o Espírito trabalha em nossas orações podemos aguardar significativas mudanças, ou seja, a forma pela qual oramos será radicalmente transformada, pois experimentaremos uma maior liberdade de comunicação com Deus, a media em que nos tornamos mais e mais seguros de que ele nos aceita como somos.
Um aspecto destacado pelo autor neste capítulo é a oração e a nossa pessoalidade. Ele argumenta que a oração como amizade é afetada por nossa educação exatamente da mesma maneira que ocorre com todos os nossos relacionamentos. Assim como nossa personalidade é desordenada, também nossas paixões o serão. Para tanto, o autor explica que a morte de nossa velha natureza nos conduz à novidade e grandeza de vida com consequências inimagináveis. Ressaltando que nosso trabalho não é suprimir ou esconder nossos verdadeiros sentimentos, como temos feito desde a infância, mas expô-los a Deus de modo que ele possa nos curar e fazer de nós pessoas íntegras.
Outro aspecto destacado aqui é a oração e nossa submissão. Houston entende que a submissão a Deus e aos outros é a chave da oração, pois orar é reproduzir o caráter de Jesus em nós mesmos permitindo que nossa vida seja moldada por ele. Por isso, quando oramos em submissão à vontade de Deus, nossas orações não são mais nossas próprias, expressas de nosso ponto de vista, mas expressas do ponto de vista de Jesus em nós.
A oração e nossa fé também é outro aspecto levantado pelo autor. Através da fé nos apossamos de realidades que não podemos ainda ver ou vivenciar por nós mesmos. Houston tem descoberto que esta é uma jornada pela náusea, sobre um abismo temível. Isso porque Jesus nos guia através dos túneis escuros de nossos medos da infância, de nossas culpas secretas e de outras coisas que temos tentado esquecer e reprimir. Ele diz:
“Com medo do mar, eu fui obrigado a mergulhar nele nos braços de meu Pai. Com receio da fé como um modo de vida, fui privado da estabilidade profissional. Pelo medo de fracassar, tive que ser quebrantado por meio de uma desonra pública. Cada um de nós tem de passar pelo caminho da náusea”.
Segundo ele, o evangelho de João fala que a palavra “crer” expressa um relacionamento contínuo e dinâmico de amizade com Jesus. Nada fazemos sem Ele, e esse caminho de fé significa estar impregnado com a consciência de sua presença o tempo todo.
Outro aspecto destacado pelo autor é a oração e nossa liberdade. Orar em nome de Jesus significa sermos liberto de nós mesmos. Houston diz que o medo é um sinal de nossa possessividade, ou seja, quanto mais auto possessivos ficamos, mais medo sentimos. Por isso, a meditação constante na Bíblia nos liberta de muitos medos e fraquezas; do medo da opinião dos outros; da fraqueza pessoal e das autoindulgências.
Um último aspecto a ser mencionado aqui é a oração e nossa direção. Houston diz que o propósito primário da oração não é, portanto, atender nossas próprias necessidades, tampouco satisfazer nossos desejos, mas glorificar a Deus através do modo que oramos e vivemos. Jesus nos conclama a um propósito específico: que sejamos frutíferos. Todas as nossas orações são subservientes a este objetivo claro. Assim, Jesus nos denomina seus amigos por uma razão: para compartilharmos a outras pessoas a alegria de nosso relacionamento com ele.
O poeta William Blake nos conta que “somos colocados na terra em um pequeno espaço para aprendermos a suportar os raios de amor”. Felizmente, estes também são raios de amor que brilham em nós, ajudando-nos a explorar os abismos da nossa própria insignificância, a remover as máscaras de nosso autoengano, o solo estéril de nossa solidão. Isso somente pode nos acontecer quando estivermos determinados, em humildade, a fazer de nossa vida uma vida de oração.
Concluo dizendo que, por ser quem é, e por sua ousadia em buscar inovar a teologia de um assunto tão discutido como a oração, é que James Houston merece ser ouvido através desta maravilhosa obra literária.
por: Ângela Aleixo