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Um dos ministérios da igreja que se revela o menos compreendido nesta era de abandono sistemático da escritura.

Perdendo a vez

Dizem que se colocamos um sapo em água fria e aos poucos vamos aquecendo ela, ele morre fervido sem sequer perceber o que está acontecendo. Não fui atrás da veracidade científica disto mas – como em tantas outras situações – pegarei apenas o conceito popular bem conhecido para tratar de coisas mais profundas. Um outro dia vemos se é verdade ou não que os batráquios morrem fervidos aos poucos sem perceber.

O fato é que a igreja (não a sua congregação local apenas, mas todas e cada uma das congregações cristãs locais) se está desfazendo. Em um sentido isso é bom porque houve uma tentativa de reconstrução ao longo dos últimos quinhentos anos de um certo “catedralicismo” evangélico na tentativa de emular inconscientemente (ou não) o lugar do qual saímos.

Todavia, há um outro sentido que é preocupante. Básicamente a igreja não mais se congrega. Ela pode até se juntar de vez em tanto… uma vez por semana, uma vez por mês… mas não se congrega. Os processos evolutivos volitivos são deixados de lado por uma busca de certa “espontaneidade” que nada mais é do que uma fina camada de verniz sob a qual se esconde uma procrastinação generalizada e – vista de certa distância até poderiamos falar de uma “procrastinação harmônica” já que a mesma atinge todos e cada um dos nichos evangélicos.

Em conjunto, consideramos o fato de congregar-se como limitador, castrador, desmotivador quando na realidade é apenas no ato de congregar-se que o discípulo pode crescer. Obvio que não digo com isso que há momentos de estar sozinho ou de retiro ou de reencontro com certas essencialidades individuais. Mas meu foco é o desleixo com o que tratamos o ato da congregação

Para alguns, congregar-se é ir no culto de domingo à noite. Para falar a verdade, acho que a maior parte das pessoas – se consultadas – falariam que se congregar-se trata-se disso. Para quem não se congrega, para quem não participa ativamente da construção da identidade local, sair do sofá e ir a um culto domingo à noite, realmente é um avanço. Só que a vida cristã não tem a ver com micro-avanços e sim com uma mudança na raiz da vida, isto é, na forma de pensar, de ser.

Há uma ideia que parece boa permeando as nossas congregações: somos todos parte da mesma e única igreja. Se bem isso é uma verdade teológica visceral, ela apenas dissimula nosso completo desleixo com a construção da identidade particular. O equivalente é mais ou menos como dizer que somos todos seres humanos e por isso não há necessidade de construirmos famílias.

Tenho convivido com três meios evangélicos diversos e conheço mais três de forma indireta (por meio de amigos, conhecidos etc). De primeira mão conheço os batistas, os presbiterianos e os pentecostais. Indiretamente conheço os menonitas, os irmãos livres e os metodistas e um grupo neo-pentecostal. Tirando os neo-pentecostais da equação (por conta de ser o foco apenas a prosperidade financeira/emocional/terrena da pessoa) os outros grupos me merecem especial atenção porque – observando-os – vejo uma degradação paulatina, lenta e constante do tecido evangélico.

Todos os meios sérios de construção da identidade evangélica local enfrentam o mesmo problema: o povo não mais se congrega, quando se congrega o faz simbólicamente e o símbolo (o culto) é esvaziado do seu propósito principal que é apenas a exposição da palavra de diferentes formas (pregação, louvor, adoração, esclarecimento do funcionamento local).

Lembro que nos tempos do seminário a gente debatia se o anuncio das atividades da igreja deveria ir antes ou depois da mensagem; no inicio, no meio ou no fim do culto. Temia-se naquela época – e com razão – cair no ativismo. Contudo, a igreja em funcionamento ao longo da semana é uma necessidade fundamental dela. Ninguém espera que você esteja presente a todos os cultos, seria mais ou menos como esperar que você engolisse o cardápio inteiro que um restaurante está oferecendo. Mas em lugar de mostrar as atividades da igreja como tal, o pêndulo tem-se movido ao extremo contrário, ao ponto de achar até pecaminoso participar de alguma atividade da igreja fora do culto. O equilíbrio então – para mim – está em entender que se trata apenas de um cardápio e que é responsabilidade do membro (sim do membro e não do pastor) manter uma alimentação espiritual saudável. Quase com certeza no seu estomago o Strogonoff ganha de uma boa salada de brócolis com chuchu sem sal. Mas é quase uma certeza que um culto de domingo com uma boa equipe de louvor, um banco aconchegante, uma boa iluminação, um ar condicionado e uma pregação suave ganham de 1000 a 1 do evangelismo na rua, da ajuda social, ou do ministério de oração da igreja.

Aos poucos, a igreja local vai se desconstruindo. Lastreado num conceito teológico bom (somos todos parte de uma mesma, única e grande igreja) transvestimos nossa incapacidade chamando-a de liberdade e – como pastores – abandomanos o posto, jogamos a culpa nos membros, na instituição, no momento e a coisa toda degringola.

Neste inicio do século XXI há necessidade sim de reforçar as identidades locais. O “neoliberalismo” teológico apenas ajuda para ir tornando a água fria em água morna e matando -aos poucos- a vitalidade da igreja. Ai a pergunta do poeta se torna bem oportuna “Como pode um peixe vivo, viver fora d’agua fria?

Minha mãe – forjada no discipulado de um pastor russo que escapou da imbecilidade bolchevique – é da opinião que a igreja apenas pode florecer sob pressão. Que não há nada que substitua uma perseguição para – ao final das contas – revelar a verdadeira igreja. Pelo que entendo os diamantes são feitos assim também: carvão sob alta pressão.

Congregar-se, então, é para mim uma questão de vitalidade. Ou a igreja local tem vida e se congrega ou ela apenas é um simulacro de igreja. Não pode ser que a igreja do século XIX tenha-se tornado tão cega, surda e muda e que apenas almeje uma boa pregação. Não pode ser que os pastores tenham perdido tanto assim o foco que não mais chorem, sofram e vivenciem dores de parto pela formação da identidade do Cristo na igreja local. Ou vai me dizer que um reflexo da luz – mesmo não sendo a luz completa – não deveria de se parecer com a luz? É obvio que sim! A igreja local do Cristo vivo deve – de mais de uma forma – refletir Ele e apenas Ele. Este “deve” aqui não se trata de ações compulsórias imposta por uma cúria que quer se evadir das suas responsabilidades pessoais mas sim de demonstração da essencialidade vital da congregação local.

Por outro lado, a vida é sofrimento. Sem crise não há mudança. Sem sofrimento não há vida porque sem sofrimento não há escolhas apenas porque “em time que está ganhando, não se mexe” e – como não sabemos se uma decisão nos leva à vitória ou à derrota, preferimos o marasmo do que o risco, a morte do que a vida. Congregar-se é sofrer. É arriscar-se a amar e não ser amado, a se entregar sem receber nada em troca, a se dedicar e sentir que é o único, a chamar e observar que quase ninguém responde, a conclamar e ver que quase ninguém atende. Nada mais parecido com o chamado de Jesus. A oração de São Francisco resume assim “É perdoando que se é perdoado e morrendo que se vive” mas isso é apenas um resumo parcial da ideia original.

Congregar-se é responder afirmativamente ao chamado universal de Deus para os cristãos. E são apenas os cristãos que podem responder. O outro, o de fora, nem ouve o chamado, não se inquieta com a coisa local, não sofre. O outro precisa primeiro passar pela Cruz, mas não pelo lado de baixo, pela frente ou pela parte de trás da cruz, precisa estar crucificado juntamente com Cristo… plenamente morto. Porque se Cristo morreu e ressurgiu, assim também a porta de entrada para a vida cristã, é a cruz e nada mais do que a cruz. Só assim que pode passar a enxergar a realidade de um mundo que se perde e de uma igreja local que cada vez mais opta (de forma consciente ou não) por abandonar o seu posto.

Você é um membro de uma igreja local e não sente falta de congregar-se? Acha que é bobagem institucional?

Você pastoreia uma congregação e não sente falta de mostrar na prática (e não a esmo) como suas ovelhas podem servir congregando-se não sob desafios ou projetos mas sob o cajado do Cristo? Não consegue enxergar que as ovelhas precisam de você?

Bom, o único caminho é o da cruz (Gál.2:20). Apenas naquela posição (de braços abertos, impotente de abraçar) e naquela altura (onde pode ver por cima de outras cabeças mas os outros vem seu vexame intimo) e naquela condição (de ir morrendo cada vez mais um pouco) é que seus olhos espirituais podem ser abertos e se arrepender do seu pecado.

Estamos morrendo aos poucos. Sem perceber. Sem querer. Pecando. Abandonando o posto.

Pr.Esteban Daniel Dortta

Você celebra a páscoa?

Há muitos cristãos que acreditam piamente que o que se encerra hoje é a celebração da páscoa.

É verdade que a comemoração dos judeus é verdadeiramente a páscoa. Está certo em celebrarmos a data deles? Sim, se você conseguisse celebrar o Ramadã morando ou estando sob influencia muçulmana, a resposta é sim. Ou seja, não é uma festa de origem cristã, ela em si mesma não lhe diz à cristandade. Portanto, não é uma festa nossa assim como não o é o Natal que é uma apropriação da festa pagã do “Sol Invictus” do tempo dos romanos. (Mais sobre isso aqui)

Porém, ficando claro que é uma festa que não é da nossa origem, uma segunda análise nos leva exatamente na direção contrária. O que se celebrava na páscoa? A liberação que havia de vir ainda. Ou seja, naqueles dias da primeira páscoa se escolhia e preparava o cordeiro durante os dias anteriores. Por quatro dias, ele era preservado e todos na casa sabiam o que estava se preparando. Imagino que a sensação deveria ser similar à que sentimos perto do Natal no mundo cristão ou do Ramadã no mundo muçulmano. Ou seja, grande e aberta expectativa.

No final do quarto dia, ele era abatido (Ex12:6). Lembro meu vó abatendo um carneiro. Eles morrem em silêncio. Em todas as casas haveria um certo silêncio naquela mesma hora. Talvez um certo murmurio suave e um tanto solene enquanto se explica aos mais novos o que está acontecendo e como isso é uma preparação do que haveria de vir.

Parte desse sangue serviria para marcar o batente da porta. Num claro sinal público de comprometimento pela fé no que haveria de acontecer. (Ex12:7)

Depois começaria a outra parte da celebração. O churrasco (Ex12:8), o jantar. Quem nunca comeu ou comeu e não gostou não tem noção de como é gostoso um churrasco de carne de carneiro (meio adocicada) acompanhada com ervas amargas. É uma delicia ao palato. Quem nunca esteve numa churrascaria gaucha de verdade (não as imitações paulistas) não sabe o como é gostoso comer não apenas a carne, mas também todas as outras partes do animal. Uma verdadeira festa de sabores.

Comento estes detalhes culinários apenas para trazer à tona um fato que geralmente não associamos com as celebrações religiosas judaicas: São uma baita festa. Os povos semíticos são povos expressivos e as celebrações tem música, dança e, claro, por ser uma festa judia iniciada em solo egípcio, tinha cerveja e da boa não das feitas com arroz e/ou cereais não maltados, eles usavam a melhor cevada disponível na região. Ao final das contas a saúde de adultos e infantes dependia disso. (Veja mais aqui)

Assim como a entrega dos dízimos, a festa das colheitas e tantas outras, a celebração da páscoa era exatamente isso, uma grande e ousada festa. Temos o costume infernal de solenizar tudo. Talvez pela herança dos conquistadores, talvez por achar que existe alguma diferença entre o sagrado e o criado, ou talvez por não nos sentirmos relaxados de fato na presença do Criador, quem sabe?

O cheiro do churrasco na brasa no ar, a noite caindo e as sensações se juntando. Havia expectativa, ansiedade, alegria e tristeza. Tudo junto. Mais ou menos como a morte do único parente rico e muito bem querido e respeitado em uma família pobre. Os sentimentos se misturam, não tem jeito.

Havia expectativa por ser a primeira vez que iria a acontecer o que estava por acontecer. Tristeza porque iam deixar tudo o que tinham conhecido como realidade nos últimos quatrocentos e trinta anos. Alegria, porque ao fim seriam libertos e ansiedade porque o que estava por acontecer, se escapava da mão deles.

A festa era de cunho divino no sentido que tinha sido uma idealização de YHWH transmitida a Moisés. A própria celebração era realizada com componentes culturais próprios. A abrangência do sacrifício era para todos os escolhidos e apenas para eles (Ex12:3,45). A participação era -como todas as celebrações do antigo testamento- pela fé já que a pessoa poderia se abster de crer e deixar de pintar o batente da porta, por exemplo. A realização prática era na família e, se ela for pequena, junto com a família do vizinho numa demonstração particular de fé comunitária.

Então a noite foi ficando escura. Algumas músicas foram parando. Algumas risadas diminuindo. Após a meia noite (Ex12:29) os primeiros gritos foram se ouvindo. As primeiras frases de arrependimento ditas em pranto foram sendo ouvidas. Em todas as casas onde a marca de sangue no batente da porta não tinha sido feita, o anjo do Senhor entrou e matou o filho mais velho não apenas das pessoas, mas dos animais. Em todas as casas no Egito havia um filho morto (Ex.12:30)

Nessa mesma madrugada, o Egito manda os judeus – sua grande e barata mão de obra – ao deserto. A liberação que uns poucos esperavam, pela qual muitos clamavam, mas que de fato a maioria não desejava que se concretiza-se estava sendo finalmente realizada. (Ex.12:31-33)

Deus era fiel ao seu próprio plano. Deus não tinha esquecido da sua promessa. Deus não tinha abandonado seu povo como muitos achavam. Deus, continuava sendo O Soberano. A fé não era mais necessária pois estava claro até para o mais obstinado descrente que Deus era quem mandava no pedaço. Não se tratava mais de crer que um dia a salvação chegaria, era obvio e manifesto que o lance estava acontecendo ali e nesse momento.

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Uns 1400 anos depois um outro cordeiro morreria. Um judeu de origem humilde. Um carpinteiro de profissão. Ele falava que a salvação da qual muitos falavam, poucos acreditavam e menos pessoas ainda esperavam de fato que se concretiza-se, dependia dele. Especificamente da morte dele.

A morte de Jesus o Cristo se dá justamente na celebração da páscoa. Ele morre e aqueles que ouvem hoje sua mensagem e depositam a fé nele (pois pode-se ouvir, entender, concordar mas não se render) são salvos. A ressurreição dele (que celebramos todo domingo) apenas nos lembra de que ele prometeu voltar da morte e também prometeu um dia vir buscar os seus. Logo, se se mostrou poderoso para cumprir a primeira promessa (muito mais difícil de cumprir do que a segunda por se tratar dele mesmo) é capaz de cumprir a segunda.

Então, meu querido, que páscoa você celebra? A dos ovinhos de chocolate e das frases feitas? A de evitar comer certos tipos de comida? A do recolhimento vazio? A do tempo do Êxodo? O apostolo Paulo tem uma frase muito linda sobre este momento.

O orgulho de vocês não é bom. Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada?
Livrem-se do fermento velho, para que sejam massa nova e sem fermento, como realmente são. Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado.
Por isso, celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento da sinceridade e da verdade.
1 Coríntios 5:6-8

Então não se trata de celebrarmos a festa judaica ou a europeia. Se trata de celebrarmos a morte e ressurreição do amado. Mas não uma celebração como evento isolado da vida. Está mais para uma celebração por causa da nova vida que nele temos.

Que presente dar?

Época natalina se presta para sorrir, desejar uma vida melhor e dar presentes.

É claro que a data não tem como coincidir com o nascimento de Jesus de fato, é o solstício de inverno no hemisfério norte (21/dez) e coincide com a festa pagã do Dies Natalis Solis Invicti  ou o nascimento do sol não conquistado, invicto. Mas isso não interessa agora até porque não vamos mudar a realidade de que no mundo “cristianizado” celebramos natal no 25 de dezembro e ponto.

O fato é que surge a pergunta: Que presente comprar? Que presente dar?

Há aqueles que tem uma tendência de comprar uma coisa cara, como se o valor do presente refletisse – de alguma forma – o valor dado à pessoa numa salada de valores e não-valores capaz de deixar qualquer um louco.

Há os outros que por incapacidade de decidir, não conseguem dar presentes e para piorar criticam e condenam quem assim o faz.

E tem aqueles outros que dão coisas que eles mesmos gostariam de receber numa total prática pseudo amorosa de hedonismo não confessado.

A prova de que não sabemos presentear é o cartão de crédito.

Primeiro, quem amamos não precisa presente (não pare de ler, por favor, não desanime…rs) Ou seja, as pessoas que amamos e que nos amam (pois não há amor em apenas um sentido) não precisam de presente para manter a amizade. Então o cartão de crédito -se usado neste caso- deve ser com mesura de outra forma, meses ao fio lembraremos da inutilidade de ter comprado um presente caro para quem já temos no coração.

Segundo, aquele que não se ama não requer presente. Não é um presente caro ou um elogio que vão conquistar o coração do chefe ou a aprovação do cônjuge.  Isso porque quando damos um presente além das forças, todo mundo sabe que estamos mendigando alguma coisa, de outro jeito há um monte de coisas que requerem da nossa atenção. Então, nada de entrar em dividas para agradar um fulano que não se agrada de você.

Tá, então não damos presentes?

Faça como quiser, seja livre, mas se for dar um presente, dê apenas porque gosta, ama e conhece a pessoa. Nada mais lindo que receber aquele carinho – que pode ou não ser materializado – da pessoa amada. Vale mais tomar café junto com o amigo várias vezes durante o ano do que não ter dinheiro nem para o café por ter dado aquele presente caro completamente à toa.

Presentes apenas mostram o quando conhecemos a pessoa que irá receber-lo e serão completamente inúteis para quem não gosta da gente.

Dê a si próprio. Conce-da-se ao outro. Gaste tempo com quem ama. Perdoe. Viva livre. Ame. Não é esse por acaso o exemplo de Jesus o Rei?

Khristós Voskrés! Cristo ressuscitou!

709d666d-1f48-4519-ab7f-dfce23803448Uma das experiências que mais saudades me deixou foi a de pastorear interinamente uma igreja de origem eslava. Durante dois anos e meio eu fui transportado para uma forma de fé mais singela, rica e profunda. Singela porque por conta da guerra que tinham deixado para trás esta comunidade tinha tido que se despir de certas coisas não essenciais à fé cristã. Rica porque por conta da necessidade imposta pela migração o que poderia ter sobejado de um certo orgulho nacional tinha sido esmagado vendo-se forçados a abrir-se para a realidade da experiência existencial humana em formas que de outra forma talvez levasse muito mais tempo. E profunda, porque nessas escolhas que tiveram que fazer, conseguiram manter sua identidade não apenas eslava mas como eslavos cristãos re-arraigados em terras brasileiras.Talvez apenas um outro migrante para entender porque isso é profundo.

De todas as práticas que eles tinham a da saudação durante o domingo de ressurreição é a que mais lembro. Nesse dia eles se comprimentam dizendo “Cristo ressucitou!” ao que o interlocutor responde “Em verdade ressuscitou!”. Essa mesma forma poderia ser usada no primeiro culto matutino, ou no almoço do domingo de ressurreição. Lamentavelmente durante minha estância lá eu não soube apreciar a riqueza cultural disso e cometí o mesmo erro dos missionários que se internam nas tribos indígenas e tentam lhe mudar a cultura.

Como na sua cultura local a ressurreição de Jesus o Cristo é lembrada? Qual o impacto disso na sua vida pessoal? Como os da sua casa sabem que esse é o evento mais importante desde a criação do mundo?

Nos tempos que correm está cada vez mais de moda abandonar a congregação, abandonar a forma evangélica recebida, abandonar ritos e por ai vai. Argumentos são utilizados para justificar isso. O mais comum é o de dizer que somos livres para não nos congregar. Ou seja, como se congregar-se fosse um peso, uma carga, uma obrigação. É instigante no meu calo cerebral a pergunta de porque essa mesma liberdade não pode ser usada para o obvio: congregar-se para identificar-se. A única resposta que me aparece é de que se trata nada mais do que um subproduto da anarquia individualista que tem tomado conta da sociedade e – por consequência – dos mais pós-modernos “líderes” que nada mais são do que núvens sem água levadas para lá e para cá sem conteúdo; árvores desarraigadas impedidas de dar frutos dignos do reino.

“Khristós Voskrés!” (Cristo ressucitou) resume um legado eslavo para uma igreja que se adaptou no tempo mas não perdeu a essencia da mensagem. O primeiro dia da semana (que vale a pena lembrar não é a segunda-feira como o mundo rendido ao dinheiro nos quer fazer pensar) é de um especial significado para a igreja. Não que os outros dias não tenham, mas nivelar por baixo não faz mais do que mesmerizar a coisa simplificando – no melhor estilo Hitleriano – em lugar de aprofundar. Tanto se contarmos os dias da semana da criação literalmente ou – como muitos de nós – alegoricamente, vemos que o evento criativo de Deus se inicia num domingo (se este domingo demorou 24h ou se foram longos milénios, tanto faz). A ressurreição de Jesus o Cristo se dá também num domingo. Há um novo começo, uma nova realidade se abrindo para a humanidade.

Talvez não sejamos plenamente cientes de quão profunda é esta verdade nem quão necessário e urgente é o resgate da sua essência cristã. Eu acho que Romanos 5:18 resume bem ao dizer “…por um único ato de justiça…”. Essa tríade de morte-estadia no túmulo-ressurreição é “um único ato de justiça”. Geralmente temos a tendência de comparar este “único ato” com o ato de Adão citado no mesmo versículo. Mas o lance é bem maior pois ele vem argumentando que apenas Deus é justo e que o homem é injusto em sua essência desde o inicio da epistola.

Sente raiva de essa ideia? Acha que ser cristão é tolo? Pensa que deveriamos suavizar isso? A resurreição de Cristo está para você em um nível menos importante do que o Natal, a virada do ano ou seu aniversário? Pensa no mais profundo do seu ser que o homem pode chegar a ser justo se se esforça e ninguem atrapalha? Talvez – e só talvez – ainda não tenha entendido o básico da fé cristã.

Eu estou entre aqueles que acha que a fé cristã está desvirtuada ali mesmo onde deveria ser exaltada. A igreja tem se extraviado nestes ultimos anos com uma celeridade espantosa. A seriedade teológica tem dado lugar à insegurança da crença e à falta de identidade local e isso não porque estejamos indo para uma unificação benéfica da fé cristã, mas porque estamos abandonando a mesma fé que dizemos professar. A geração que está vindo ai, sente na alma que não vale mais nada ter algum tipo de identidade seja esta cultural, filosófica, racial, etc. Isso também se aplica para a fé cristã. Não que seja uma exclusividade da nossa era. Isso já aconteceu durante o oscurantismo e acontece hoje de forma inversa mas igualmente devastadora.

Quem é você? Se é cristão, é cristão mesmo? Ou seja, acredita de fato que Jesus ressurgiu? Se não, não seria o momento de re-avaliar sua vida?

 

http://www.monergismo.com/textos/credos/credoniceno.htm

Qual é a importância da Escola Bíblica

Em uma simples palavra: nenhuma

A escola bíblica é um daqueles projetos que são bons na origem mas quando se institucionalizam esmagam os que dele se utilizam.

Ela tem se prestado, por exemplo, para medir o grau de espiritualidade ou maturidade dos membros de uma igreja, tem servido para empoderar fracos e sustentar orgulhosos. Mas não poderíamos falar isso de qualquer outro projeto de uma igreja local?

O projeto em sua origem é bom: ensinar às crianças analfabetas da Inglaterra não apenas  a ler e escrever, mas também a ter uma vida social melhor ajustada (se bem que os desajustados – ao meu ver – era a população adulta que tinha esquecido de zelar pelos menores). Este modelo se estandardizou e se propagou por toda Europa e depois pelos Estados Unidos e foi absorvido pelas igrejas de liturgia livre e as de liturgia rígida. (Ou igrejas históricas ou não históricas, como queira chama-las). Em resumo, virou moda.

Rios de dinheiro tem sidos investidos em manter este projeto funcionando e não são poucas as pessoas que tem dedicado a vida ao mesmo. Então o que está errado?

Bom, achar que isso é igreja. Ou seja, é o mesmo que está errado com os cultos de domingo ou com as reuniões nas casas ou os jantares ou as campanhas de evangelização ou o encaminhamento formal de missionários.  Nada disso vale absolutamente nada quando nos evita de olhar para dentro de nós e ver nossa própria carência do Cristo resurreto no âmago das nossas vidas.

A estas alturas, você deve de se estar perguntando, “então, por que razão você insiste tanto na escola bíblica?. Por que não melhor fecha essa matraca e nos deixa quietos na nossa zona de conforto?”

Bem, meu querido, junte-se a nós para saber a razão. Brincadeira, basicamente é o seguinte: A Escola Bíblica (assim como qualquer outro projeto) carece de importância em si mesma. Ela é importante apenas para conectar vivências disseminando a identidade da igreja local. Sim, você leu certinho, eu assumo formalmente que a identidade de uma igreja local é construida a partir do pensar, sofrer e viver juntos. E tem mais: mais cedo ou mais tarde, se o caminho está sendo bem trilhado, esta identidade local nos deve levar – como grupo e não apenas como soma de indivíduos – à nova identidade que temos em Cristo e isso é responsabilidade de cada geração até que ele volte.

Então, chame seu encontro para ler a Bíblia e descobrir o Cristo (João 5:39-40) por qualquer e faça-o em qualquer dia, mas se não é para conhecer mais Jesus, não faça nada. Estará perdendo seu tempo enganando a si mesmo e tentando enganar aos outros.

Beijo grande no coração

O Poder de uma Igreja fraca (I)

Penso que todos nós sabemos o que é a Igreja a partir de Cristo (kaleo, qahal, hb. / ekklesia, gr.):3 uma grande/pequena congregação convocada a se reunir em prol de uma finalidade em comum, a adoração à santa Trindade. Seu ajuntamento dá-se numa missão nesta Terra, aonde houver “dois ou três reunidos”. Os discípulos de Jesus são conclamados por Ele a fim de escutá-lo e agir por Ele; a assembleia dos santos onde a igualdade (isonomia) e liberdade (eleutheria) são as marcas e os direitos de todos que são convocados pelo próprio Deus. Essa talvez seja uma definição coerente visto que muitas coexistem.

Na visão individual – e ainda múltipla – principalmente no olhar paulino da carta aos Coríntios (I Co. 12), temos uma grande novidade acerca da “Igreja de Deus” (I Co. 2.1; II Co. 1.1), da “Igreja Universal” (I Co. 10.32; 12.28), da “Igreja local específica” (I Co. 1.2), ou a “reunião propriamente dita” (I Co. 11.18; 14.19; 14.23). Paulo gostava de metáforas e, em um crescente – quase que apostando nas palavras para encontrar a mais coerente – o apóstolo dos gentios revela uma metáfora preciosa, a metáfora que me apoiarei nesse escrito e para esse tema: o corpo de Cristo e seus membros.

Antes de entrarmos mais a fundo em “O Poder de uma Igreja fraca”, uma informação deve ficar esclarecida e, me apoio nos estudos do teólogo/exegeta Willian Barclay que diz: “[…] em todo o N.T. a palavra Igreja nunca é usada para descrever uma construção. Sempre descreve um grupo de homens e mulheres que entregam a Deus seu coração”. Portanto, igreja não são cadeiras novas (ou velhas) bem dispostas num ambiente; não é o púlpito; não são os instrumentos musicais; não é o conjunto disso tudo reunido num salão amplo disponível para os fins de semana.

II

O teólogo Phillip Yancey, escrevendo sobre a igreja, trabalha as metáforas usadas por Paulo. Assim como Paulo utiliza as palavras “lavoura e edifício” (I Co. 3.9) referindo-se a “nós” (os irmãos da igreja de Corinto), ele afirma a preciosa metáfora que nos identifica como igreja: nós como “membro” do corpo de Cristo que contém muitos membros; e nós como o próprio corpo de Cristo (ler I Co. 12).

Um versículo desse texto me chama atenção. Em I Co. 12.22 temos: “Antes, os membros do corpo que parecem ser mais fracos, são necessários […]”. Associado a esse versículo, quero trazer um texto posterior de Paulo escrito em II Co. 12.9, onde se narra sobre o espinho na carne: “Mas ele me disse: A minha graça te basta, pois o meu poder se aperfeiçoa/perfaz na fraqueza. Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo”.

Tenho para mim que Paulo sabia em que se baseava “o poder de uma igreja fraca”. Nós, como membros participantes juntamente com outros membros do único corpo, a saber, o de Cristo, podemos ser os fracos. Ouso dizer que devemos ser os fracos se quisermos parecer com Cristo. Por quê? Paulo afirma aos coríntios “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (I Co. 11.1; ver tb. Ef. 5.1; Fl. 3.17; I Tm. 1.6).

Não só por essa afirmação, mas por tantas outras estonteantes que enaltecem a fraqueza. Aos Coríntios, ele eleva a fraqueza num patamar tão superior que a igreja contemporânea parece estar longe desse “alvo”. Podemos ler: “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (I Co. 1.25); escrevendo sobre o caráter de sua pregação: “E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor” (I Co. 2.3); escrevendo sobre a grandiosa ressurreição: “Semeia-se em ignominia, é ressuscitado em glória. Semeia-se em fraqueza, é ressuscitado em poder” (I Co. 15.43); escrevendo sobre seu sofrimento por amor ao evangelho: “Se é preciso gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza” (II Co. 11.30); e escrevendo suas últimas palavras de advertência aos Coríntios: “Ainda que foi (Jesus) crucificado por fraqueza, contudo vive pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em nós” (II Co. 13.4).

Quero trazer uma metáfora para comparar a igreja. Yancey descreve em seu livro que certo amigo referiu-se a igreja como um A.A. (alcoólicos anônimos). Confesso que gostei dessa comparação pelo simples fato de que as pessoas ali se reúnem por causa de um vício em comum e se ajudam na missão de se manterem longe da bebida. Esse lugar distinto, onde todos os que comungam da mesma dor, seja qual idade for, cor tiver, profissão desempenhar, se reúnem com o mesmo propósito – de obter um novo hábito e gerar uma nova dependência. O ideal desses é: “Deus me ajude a vencer os próximos cinco minutos”. Eles entenderam que não precisam pecar, precisam de outro pecador para depender em sua fraqueza. O objetivo: vencer, mas por meio da fraqueza que identificam um no outro.

Assim enxergo a igreja da qual Paulo gestou em seus dias, uma igreja onde o pecado, comum a todas as pessoas, era vencido por meio da comunhão em torno do poder de Cristo. Não propriamente o poder da ressurreição de Cristo (esperança vindoura), mas no poder de sua fraqueza, ou seja, no poder contido na “via cruz”. Ele escreve em Filipenses sobre seu auto esvaziamento onde o lucro se torna perda por causa de Jesus Cristo; o ganhar, ser achado nele, conhece-lo e o poder de sua ressurreição comungando juntamente de seus sofrimentos, ser conformado com ele na sua morte, era ganho para Paulo. Dessa forma, ver se ainda ressurgiria dentre os mortos era a ousadia de Paulo (ler Fl. 3). Aqui, a alegria é perder tudo para ganhar somente a Cristo. O poder está no perder e sofrer, na renúncia.

Voltando a comparação com o A.A., a igreja deve/deveria ser um ambiente onde ririamos muito, e choraríamos muito. Acima de tudo, seriamos gente que ama se encontrar com outras gentes para tirar suas máscaras e, ao sofrerem juntas, estarem mais perto do ideal – semelhança com Cristo mediante as fraquezas. Isto porque, estarmos no mesmo barco nos leva a sermos honestos conosco e com os outros. Isso criaria um vínculo entre os membros que saberiam que a igreja fraca sabe que seu poder vital é a dependência de Deus e, também, encontrado na comunhão com o outro.

III

Creio em uma igreja poderosa nessa Terra, no entanto esse poder situa-se na nossa fraqueza. É essa a resposta que Paulo obtém “[…] meu poder se perfaz na fraqueza”. Não gostamos da fraqueza, de sermos e nos mostrarmos fracos. O próximo não é a face de Deus para, juntamente comigo, caminharmos. As igrejas (comunidades vivas) atuais preferem levantar suas bandeiras e serem vistas como “o poder” imperante sobre o mundo, seus sistemas, suas políticas, suas mordomias, etc.; sendo que Paulo nada faz, a não ser “pregar a Cristo, e esse crucificado, escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” (I Co. 1.23); e essa “palavra da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós, que somos salvos (igreja), é o poder de Deus” (I Co. 1.18).

Sermos igreja fraca no poder de Deus é caminharmos pela via cruz entendendo que o próximo é a face do pecado, da fraqueza; também é, no poder que se perfaz nessa fraqueza, a face de Deus. Juntos, mutuamente, somos impelidos pelo poder de Deus que opera em nossas limitações a dependermos dEle, a termos a mesma esperança que Paulo teve quando tudo deixou e sofreu para conhecer o poder da ressurreição de Cristo Jesus.

Sobre “JESUS – NATAL – RESSURREIÇÃO”: Algumas poucas palavras…

2Essas são algumas poucas palavras que me lembro dos estudos do seminário e, também, livros revisitados sobre o assunto. Sei que o momento é de ardor pelo nascimento de Jesus, mas sempre me apego, nessas datas festivas, ao significado de Sua vinda a este mundo, ao nosso espaço humano.

O Natal reflete, mesmo diante de todo contexto cabível ao Império romano ao impor essa data, uma realidade histórica de vida e esperança. O Natal – o nascimento de Jesus sem os adornos capitalistas de consumo – reposiciona a história humana a uma realidade apocalíptica que sempre foi viva na memória e no corpo narrativo dos profetas; portanto sempre viva nas expectativas de um povo oprimido e necessitado de libertação/justiça e de um libertador.

Fala, principalmente, da vinda desse libertador e da libertação que um pobre menino judeu, em Belém, trouxe através de seu tabernacular neste mundo. Fala do cumprimento das profecias e da nova vida que Ele viveu através de sua própria. Fala da renovação da realidade através do Reino que ele encarnou e, futuramente, da renovação de toda a realidade na vindicação e consumação de todas as coisas.

A partir de seu nascimento, sua vida exemplar e profética, morte e ressurreição, podemos falar da esperança que sua estadia aqui produziu nos corações que creram e creem desde lá.

Quem me conhece sabe que sou um crítico das “fraseologias” ou dos “jargões pops” da “evangelicada”. Dizeres como: “Jesus é a nossa páscoa”; “Jesus ressuscitou”; ou ainda “O tumulo está vazio”… Não sou contrário a nenhuma delas, no entanto não as acho, racionalmente, tão contundentes e vivas como são expressas. Nem acho que existam argumentos científicos que provem tal fato (creio ser um fato da história), o que concordo piamente com a historiadora judia Karen Armstrong ao dizer que “ao tentar transforma-se em ciência, a teologia só conseguiu produzir uma caricatura do discurso racional, porque essas verdades não se prestam à demonstração cientifica”.

Um cético ou um ateu neófito invalidaria tais “jargões” com argumentos muito mais racionais e expressivos/preciso que um “crente” platônico e sentimental que leva em sua boca apenas o “Ele ressuscitou”.

A própria psicologia social invalidaria a ressurreição sugerindo a teoria da “dissonância cognitiva”. Outros iriam sugerir que a ressurreição é apenas uma metáfora (não que não seja) de uma experiência religiosa que os cristãos primitivos outrora tiveram por causa da experiência da graça e do perdão, o que permite sugerir inúmeras negações sobre a morte e ressurreição de Jesus.

Ao recorrermos às narrativas evangélicas canônicas, todas as quatro narram sobre a morte e ressurreição de Jesus, o Messias. Independente da lente de cada autor/narrador, a narrativa se encontra presente na tradição cristã primitiva, sugerido por alguns teólogos e exegetas serem essas pré-paulinas (o que evoca o poder de sua memória e de sua oralidade). Mas a evidência que se torna explicita nos evangelhos, principalmente para os personagens da trama é que “Jesus ressuscitou”; e se ressuscitou “ele é o Messias”.

Foi uma fraseologia que se tornou jargão nos moldes que indiquei acima? Foi um jargão presente no contexto judaico? Não, nem um nem outro. Primeiro, porque os discípulos de Jesus nunca entenderam ou suspeitaram de sua ressurreição. Segundo, o contexto judaico não aceitava a premissa de que alguém havia morrido e ressuscitado. Prefiro “acreditar” (racional partindo da fé e não de fatos comprovados), que a ressurreição de Jesus alimentou em seus discípulos a antiga expectativa apocalíptica do Messias, elevando-os ao verdadeiro sentido de sua morte e ressurreição, ou seja, uma nova criação, a vitória de Deus sobre a morte (mal) que foi anulada na cruz e seu retorno à vida.

A essência do Natal tem a ver, num contexto macro, com essa libertação/justiça tão esperada e com a esperança ocasionada pela ressurreição desse menino/homem/Deus, ou seja, um dia o veremos face a face e, assim como Ele é, nós seremos.

 

Autonomia cristã: uma pequena reflexão.

1A grande dificuldade do cristianismo frente à pós-modernidade (penso eu), não é nem o legalismo (religião das regras de fé) e o moralismo absorto, tão praticado e exigido pela maioria das pseudo-comunidades de cunho evangélica.

A complicação está em que os cristãos não questionam/leem/ interpretam mais a nova aliança em Cristo Jesus; vivem mediante os “achismos” dos líderes das comunidades. Os “por quês“, que geram as dúvidas e a busca delas, não movimentam mais a mente pós-moderna e pulsam apenas nas academias.

Um fator incriminador é a pregação atual. Essa se tornou mais um espetáculo de emoções e experiências carnais do que um estudo e ensino sério do essencial. Aí, precisamos “engolir” que o Deus Espírito é quem nos leva a compreensão e, nós apenas somos “manuseados” à verdade. Jesus não ensinou para que seu público apenas ouvisse e fosse conduzido magicamente a Deus. O ensino pressupõe dúvidas, questionamentos, reformulações e, então, fé. Limitamos nossa compreensão da fé apenas ao abstrato e passamos a ser movidos pelos “sacerdotes” que, na compreensão atual, são os “gurus e pajés” da igreja de cristo. Cristo liberta para autonomia e dependência dEle e não para dependência das experiências alheias e autonomia dos outros. Se nossa cosmovisão não mudar através da verdade que liberta, nosso mundo particular continuará o mesmo, apenas acrescido dos mitos e ritos de uma religião sem fundamento que nos escravizará em regras e formas arrogantes.

Portanto, nos falta mais ensino e busca pessoal séria para que em nossa razão o Espírito nos conduza a uma transição do que, de fato, é importante crermos.

OBS. Minha crítica é contra a falta de autonomia e de mudança de um sistema religioso para a religião do Cristo; não se posiciona, particularmente, aos pastores que buscam a descentralização do sacerdote como o “ungido”, milagreiro, único meio de contato entre comunidade e Deus. Sou plenamente a favor de um pastorado que ensina suas ovelhas a “comerem e buscarem abrigo” por si só, sem intermediários feitos divinos. Sou a favor de um pastorado que ensina seus liderados a se submeterem uns aos outros em amor, sem super-heróis espirituais e hierarquia supérflua.

RCampos…

REFORMA PROTESTANTE – 497 ANOS

2Lendo alguns biógrafos que relatam o período da Reforma, começamos dizendo que somos “frutos” (espiritual/intelectual) daquilo que denominamos REFORMA PROTESTANTE. Abraçamos suas ideias (não todas) e as entendemos que essas se deram como um marco na história da igreja. Marco tal que desembocou em inúmeras micro reformas até os dias de hoje.

A Reforma Protestante deve seu legado histórico à iniciativa de Martin Lutero e suas noventa e cinco teses estacadas na porta de sua capela no dia 31 de outubro de 1517 – início de um protesto contra as indulgências que prometiam ao povo uma garantia de pecados perdoados antes mesmo que fossem cometidos. Praticamente um comércio salvífico não escriturístico; um meio ilegal para arrecadação de dinheiro usando um discurso de ameaças infernais e cravando sobre o povo um regime de obras, tudo pelas mãos de ferro da igreja imperante.

Mas Lutero ousou ser um mensageiro de Cristo. Sua vida como um todo e seus estudos o levaram profundamente a querer entender o Novo Testamento. É a partir de sua trajetória que hoje temos consciência dos pilares da reforma: Sola Scriptura; Solus Christus; Sola Gratia; Sola Fide; Soli Deo Gloria. Essas numa tentativa de retornar a Bíblia como fonte da revelação divina e prática dos homens.

Não quero aqui biografar acontecimentos passados, quero apenas elencar rapidamente o que esses pilares deveriam ser para nós cristãos pós-modernos, nós que sobrevivemos às mudanças, perspectivas e paradigmas do séc. XX e nos erguemos por meio do engajado evangelicalismo da década de 70. Minha pergunta é: Como devemos, em nosso atual contexto, refletir esses pontos enaltecidos pela Reforma? Respondo desde já que nossa resposta deve ser bíblica. Quero aqui elencar apenas três desses pilares.

Sola Scriptura – Quem já leu sobre o movimento iluminista e pós-iluminista sabe que um grande embate se formou em torno dos dogmas (autoridade) e doutrinas da igreja romana e reformada. Sabe-se que a busca das tradições humanas sobrepujou as Escrituras enquanto palavra de Deus escrita aos homens.

Quase dois séculos antes, Lutero se levantou arguindo contra a igreja católica romana no princípio contrário, ou seja, em outras palavras, Lutero queria uma verificação nas Escrituras daquilo que a Igreja estava realizando e prometendo. Ele exigiu uma volta as Escrituras Sagradas. Enquanto o séc. XX, fonte de todo desaguar dos séculos anteriores, exigiu o descrédito da Bíblia em prol das ciências naturais, o período da Reforma elevou-a ao topo de todo conhecimento e razão para o ser humano.

Portanto, quando falamos de Sola Scriptura, falamos da volta ao texto e seu contexto macro, o que pressupõe a fuga de todas as abstrações do texto real. Nada nela, nenhuma sílaba deve ser alterada para especulações e por tradições dos homens (aqui admito que todos nós vamos ao texto debaixo de tradições e pré-conceitos; o importante é sempre voltarmos ao texto antes de validarmos nossa razão e abstração) . Tudo nela deve ser levado em consideração; todos os etas (e, gr.), ou seja, cada partícula conectiva entre um versículo e outro, cada argumento e contra argumento, cada til de toda Escritura deve ser levado a sério. O apelo ao todo das Escrituras, tudo o que a compõe e seu contexto, devem ter primazia quando houver tradução e interpretação.

Sola Scriptura nos leva, consequentemente, ao Solus Christus.

Solus Christus – O evangelho, enquanto mensagem de boas notícias, vem nos revelar que somente Jesus é o Senhor universal. Essa é a verdadeira intenção desse slogan. A Reforma trouxe sobre esse ponto a denuncia aos mediadores que estavam sendo postos, potencialmente, no nível de Jesus Cristo. Um exemplo: Os santos ou os ossos dos santos eram venerados e, também, um meio de obter indulgências. Para esse contexto mercadejante, Lutero combateu acertadamente utilizando princípios do corpus paulino. Isso não quer dizer (meu ponto de vista) que tenha interpretado corretamente os textos paulinos que utilizou.

Mas, Solus Christus tem a nos dizer que o Jesus de Nazaré se tornou o Messias de Deus e proporcionou a Ele toda glória que a raça humana não lhe deu por direito. Isso quer dizer que esse slogan fala mais sobre uma verdade a respeito do Messias de Deus do que uma verdade sobre você e eu e nossa salvação. Fala, num contexto político, sobre um Rei que é universalmente superior a qualquer rei ou césares posto no trono e, indo além, Ele, Jesus Cristo, detém toda autoridade e poder em relação às autoridades humanas. Para finalizar essa reivindicação, devemos lembrar que ela foi utilizada no primeiro século como o evangelho que era superior ao do imperador romano da época. Isso tem haver com Jesus Kyrios, o Senhor do mundo, maior que todo reino ou império e que está acima de todos.

Outro aspecto do Solus Christus é o ponto em que Deus condenou, na carne de Jesus, todo pecado da humanidade que ofusca sua glória na criação, iniciando por meio de Sua ressurreição uma nova criação pautada no Christus Victor (Cristo vitorioso) – mais utilizado por Paulo do que o Cristo da expiação. Assim, nossa esperança vem da vitória de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte.

Solus Christus nos leva, prioritariamente, ao Soli Deo Gloria.

Soli Deo Gloria – A verdade dessa afirmação é que somente ao Deus YHWH seja toda glória pelos séculos dos séculos, amém. Nada mais pode produzir glória ao Deus de toda criação do que uma humanidade refletindo Sua imagem e semelhança. Por meio de Jesus Cristo (Solus Christus), a humanidade agora pode ser redimida e será no fim das contas. Podemos, com toda certeza, afirmar que Deus é glorificado quando, por meio de Cristo, seu povo lhe rende glória dentre as nações.

A graça e o poder da mensagem do evangelho (Sola Gratia), aliada a fé (Sola Fide) mediante o Espírito Santo (alguns teólogos modernos trabalham o Sola Gratia em conjunto com Solo Spiritu, realidade na literatura paulina), produz uma nova humanidade, àquela desejada desde o gêneses; uma nova humanidade colocada sob um novo pacto/aliança, onde o pecado e o cosmos estão debaixo, uma vez por todas, da autoridade de Deus e seu Cristo. Uma vez que as alianças judaicas culminaram no novo pacto, na pessoa de Jesus, Deus é glorificado por Sua justiça que completa o plano de salvação lidando com o mal no mundo e elevando a humanidade caída a uma criação exaltada.

Desse modo, nessa breve exposição que fizemos acima, retomamos o Sola Scriptura para confessarmos que somente ela pode nos avivar, após a conversão por meio da pregação do evangelho, numa caminhada onde abraçamos as histórias e experiências de fé daquele tempo, povo, e convergimos ao nosso tempo – como fez Lutero – num processo de adaptação e direcionamento das verdades reveladas.

Reavemos o Solus Christus – contido em toda a Escritura – para trazer à memória aquilo que nos traz esperança. Que a história de Jesus de Nazaré, aquele que foi crucificado e ressuscitado dentre os mortos pelo mesmo Deus de Israel que o vindicou como Messias; o Senhor de todas as coisas o qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará (judeus e gentios) que Ele é Senhor, que essa história seja para nós conversão (experiência de fé) e vocação (encarnação das obras/sofrimento de Cristo).

Isso porque, produzirá glória a Deus Pai – Soli Deo Gloria – como o grito de desespero de toda a criação que aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus; assim, seremos nesta geração os personagens dessa maravilhosa trama onde Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo já venceram e trouxeram esse vitória para o centro da nossa história.

ORAÇÃO: AMIZADE COM JESUS CRISTO

Penso que os questionamentos nos movem. Eles nos levam para além do que somos e de onde estamos. Isso porque questionar é ir além do refletir. É ter a coragem de adentrar terrenos desconhecidos e de encarar novos desafios. E diante destes que nos cercam, uma que nos confronta é a questão do renovar.

O renovar-se exige de nós a ousadia de buscar o novo no velho, fazendo-nos assim, sair das nossas zonas de conforto. Verdade é que poucos trilham este questionador e ousado caminho. James Houston foi um dos que corajosamente adentrou esse terreno na busca do novo em relação ao velho caminho da oração.

Escocês, profundo conhecedor e pioneiro no campo da espiritualidade cristã, fundador e professor do renomado “Regente College” onde tem lecionado a cadeira de Teologia Espiritual substituídos por Eugene Peterson; James Houston é considerado um homem sabedor de diversas áreas do conhecimento humano e amigo de C S Lewis.

Sua busca e questionamentos concentram-se no campo da oração como amizade com Deus. Contudo, antes de avançarmos com seu pensamento sobre este assunto, refletiremos na seguinte questão introdutória: O que entendemos por orar?

Tecnicamente, orar é dialogar com Deus todo o tempo. É o que Paulo aconselha aos irmãos em Éfeso, “orarem em todo o tempo” (6:18). Uma curiosidade sobre a oração é que ela é profundamente direcionada por aquilo que cremos e como nos comportamentos. Ou seja, o caráter de nossas orações será marcantemente determinado pelo caráter de Deus, enquanto o conhecemos e o experimentamos.

Orar é articular nossos desejos, vontades e angústias, mas também é fazer nossos pedidos e súplicas a Deus. Noutras palavras, entendemos que orar é falar, falar, falar, falar e falar… com Deus.  Entanto, em (Mt.6:5-8), Jesus faz um comentário surpreendente. O de que, quando oramos devemos fechar a porta do quarto e ir para o mais profundo do silêncio, ou seja, ir para o recluso, para a introspecção.

Assim, para Jesus, oração não é alguma coisa que Deus ouve, mas o que Deus vê. Nesta perspectiva de Jesus, a oração tem muito pouco haver com nossas palavras, mas tudo haver com nosso coração. Portanto, podemos dizer que, a luz de Cristo, a oração é uma experiência de Deus que transcende as palavras, pois estas são limitadas demais para expressar esta experiência do divino. E buscar a Deus no silêncio é construir a verdadeira intimidade com ele. Intimidade esta que é expressa e desenvolvida no relacionamento com Deus.

“Minhas orações, Deus meu, fluem do que não sou. Eu penso que tuas respostas me transformam no que sou”. George MacDonald

O questionamento de James Houston acerca da oração o conduziu ao entendimento de que precisamos de uma teologia que nos desperta para um relacionamento pessoal e verdadeiro com Deus. Noutras palavras, uma teologia que nos aponte o caminho da oração que seja mais pessoal e afetiva, e não apenas acadêmica.

Em seu livro “A oração: O caminho de amizade com Deus”, Houston procura ensinar a orar e cultivar uma amizade com Deus. Ele nos leva a descobrir que orar é mais do que conseguir de Deus aquilo que desejamos, é exercer um relacionamento de amizade com Ele.

O capítulo oito deste livro traz como título “Oração: A amizade com Jesus Cristo” onde o autor fala acerca deste caminho relacional de amizade entre o homem e Deus.

Dia após dia; dia após dia; Ó querido Senhor, três coisas eu oro: Ver-te mais claramente; Amar-te mais amorosamente; Seguir-te mais de perto; Dia após dia”.

Ele inicia o capítulo dizendo que na realidade do Espírito Santo possuímos tanto a transcendência de Deus, onde ele é o outro distinto de nós em sua divindade; quanto sua imanência, onde seu Espírito é intimamente pessoal, “mais próximo do que a respiração”. Como ambos, ele é o Espírito de Jesus que permanece conosco para todo sempre.

Diz também que à medida que o Espírito trabalha em nossas orações podemos aguardar significativas mudanças, ou seja, a forma pela qual oramos será radicalmente transformada, pois experimentaremos uma maior liberdade de comunicação com Deus, a media em que nos tornamos mais e mais seguros de que ele nos aceita como somos.

Um aspecto destacado pelo autor neste capítulo é a oração e a nossa pessoalidade. Ele argumenta que a oração como amizade é afetada por nossa educação exatamente da mesma maneira que ocorre com todos os nossos relacionamentos. Assim como nossa personalidade é desordenada, também nossas paixões o serão. Para tanto, o autor explica que a morte de nossa velha natureza nos conduz à novidade e grandeza de vida com consequências inimagináveis.  Ressaltando que nosso trabalho não é suprimir ou esconder nossos verdadeiros sentimentos, como temos feito desde a infância, mas expô-los a Deus de modo que ele possa nos curar e fazer de nós pessoas íntegras.

Outro aspecto destacado aqui é a oração e nossa submissão. Houston entende que a submissão a Deus e aos outros é a chave da oração, pois orar é reproduzir o caráter de Jesus em nós mesmos permitindo que nossa vida seja moldada por ele. Por isso, quando oramos em submissão à vontade de Deus, nossas orações não são mais nossas próprias, expressas de nosso ponto de vista, mas expressas do ponto de vista de Jesus em nós.

A oração e nossa fé também é outro aspecto levantado pelo autor. Através da fé nos apossamos de realidades que não podemos ainda ver ou vivenciar por nós mesmos. Houston tem descoberto que esta é uma jornada pela náusea, sobre um abismo temível. Isso porque Jesus nos guia através dos túneis escuros de nossos medos da infância, de nossas culpas secretas e de outras coisas que temos tentado esquecer e reprimir. Ele diz:

Com medo do mar, eu fui obrigado a mergulhar nele nos braços de meu Pai. Com receio da fé como um modo de vida, fui privado da estabilidade profissional. Pelo medo de fracassar, tive que ser quebrantado por meio de uma desonra pública. Cada um de nós tem de passar pelo caminho da náusea”.

Segundo ele, o evangelho de João fala que a palavra “crer” expressa um relacionamento contínuo e dinâmico de amizade com Jesus. Nada fazemos sem Ele, e esse caminho de fé significa estar impregnado com a consciência de sua presença o tempo todo.

Outro aspecto destacado pelo autor é a oração e nossa liberdade. Orar em nome de Jesus significa sermos liberto de nós mesmos. Houston diz que o medo é um sinal de nossa possessividade, ou seja, quanto mais auto possessivos ficamos, mais medo sentimos. Por isso, a meditação constante na Bíblia nos liberta de muitos medos e fraquezas; do medo da opinião dos outros; da fraqueza pessoal e das autoindulgências.

Um último aspecto a ser mencionado aqui é a oração e nossa direção. Houston diz que o propósito primário da oração não é, portanto, atender nossas próprias necessidades, tampouco satisfazer nossos desejos, mas glorificar a Deus através do modo que oramos e vivemos. Jesus nos conclama a um propósito específico: que sejamos frutíferos. Todas as nossas orações são subservientes a este objetivo claro. Assim, Jesus nos denomina seus amigos por uma razão: para compartilharmos a outras pessoas a alegria de nosso relacionamento com ele.

O poeta William Blake nos conta que “somos colocados na terra em um pequeno espaço para aprendermos a suportar os raios de amor”. Felizmente, estes também são raios de amor que brilham em nós, ajudando-nos a explorar os abismos da nossa própria insignificância, a remover as máscaras de nosso autoengano, o solo estéril de nossa solidão. Isso somente pode nos acontecer quando estivermos determinados, em humildade, a fazer de nossa vida uma vida de oração.

Concluo dizendo que, por ser quem é, e por sua ousadia em buscar inovar a teologia de um assunto tão discutido como a oração, é que James Houston merece ser ouvido através desta maravilhosa obra literária.

por: Ângela Aleixo