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Arterioscleroses Espiritual

Comecemos com um exemplo: o estilo musical e certa forma de arterioscleroses “espiritual” que todo grupo religioso vai desenvolvendo. Mesmo que a peça tenha sido elaborada no embalo de uma cerveja e sobre melodia comum em bordéis (como o caso de Castelo Forte) existe hoje uma certa sacralidade sobre esse hino específico, mas outro que possa vir a ser criado de forma análoga será automaticamente tido como mundano ou secular. Então, sob minha ótica, todo movimento religioso tende a uma rigidez mórbida no que lhe é mais essencial: sua forma de comunicação com a sociedade na qual a comunidade está inserida.

A preocupação última pode ser expressa e elaborada sob qualquer forma de manifestação: linguagem, marte, cultura, música, filosofia, desde que comunique algo do mistério da vida e do encontro com o divino. Se houvesse uma única forma de linguagem divina e inalterada “caída do céu”, deveria ser essa a forma adotada. E não é para isso que apelam os movimentos de resgate cultural de músicas em estilo judaico?

Necessariamente, por uma questão de simples comunicação com os seres humanos, toda linguagem religiosa é humana, que nasce da experiência histórica e cultural específica. Com isso, a linguagem usada para as “Vacas de Basã” precisa de ser interpretada e “traduzida” pelo pregador para obter o fim desejado: comunicação da mensagem. O mesmo acontece com a teologia ou os estilos musicais, ou os conteúdos. Precisam de uma tradução e não de manter uma tradição muitas vezes transplantada, e nada comunica – de forma direta – na cultura alvo.

A linguagem sagrada é simbólica, poética, expressiva, e serve para apontar para realidades que vão além da mesma. (Apontam para “o Transcendente” ou “o completamente outro”. Ou resgatando alguma coisa kantiana: extrapolam o imanente)

A citação, então, de Paul Tillich “Não existe linguagem sagrada caída de um céu sobrenatural para ser encerrada nas páginas de um livro. O que existe é a linguagem humana, baseada em nosso encontro com a realidade, em evolução ao longo do tempo, usada para as necessidades cotidianas, para expressão e comunicação, literatura e poesia, bem como para mostrar a preocupação suprema” reflete um ponto central de sua teologia da cultura: a linguagem religiosa não é mágica ou vinda do céu em estado puro. Mas é uma linguagem humana, moldada historicamente e usada para expressar aquilo que ele chama de “preocupação última” ou “preocupação suprema”. Isto é: o sentido mais profundo da existência.

Seguindo essa linha: a mensagem precisa “encarnar”. E isso não se faz com linguagem e problematizações de há seis séculos.

Você celebra a páscoa?

Há muitos cristãos que acreditam piamente que o que se encerra hoje é a celebração da páscoa.

É verdade que a comemoração dos judeus é verdadeiramente a páscoa. Está certo em celebrarmos a data deles? Sim, se você conseguisse celebrar o Ramadã morando ou estando sob influencia muçulmana, a resposta é sim. Ou seja, não é uma festa de origem cristã, ela em si mesma não lhe diz à cristandade. Portanto, não é uma festa nossa assim como não o é o Natal que é uma apropriação da festa pagã do “Sol Invictus” do tempo dos romanos. (Mais sobre isso aqui)

Porém, ficando claro que é uma festa que não é da nossa origem, uma segunda análise nos leva exatamente na direção contrária. O que se celebrava na páscoa? A liberação que havia de vir ainda. Ou seja, naqueles dias da primeira páscoa se escolhia e preparava o cordeiro durante os dias anteriores. Por quatro dias, ele era preservado e todos na casa sabiam o que estava se preparando. Imagino que a sensação deveria ser similar à que sentimos perto do Natal no mundo cristão ou do Ramadã no mundo muçulmano. Ou seja, grande e aberta expectativa.

No final do quarto dia, ele era abatido (Ex12:6). Lembro meu vó abatendo um carneiro. Eles morrem em silêncio. Em todas as casas haveria um certo silêncio naquela mesma hora. Talvez um certo murmurio suave e um tanto solene enquanto se explica aos mais novos o que está acontecendo e como isso é uma preparação do que haveria de vir.

Parte desse sangue serviria para marcar o batente da porta. Num claro sinal público de comprometimento pela fé no que haveria de acontecer. (Ex12:7)

Depois começaria a outra parte da celebração. O churrasco (Ex12:8), o jantar. Quem nunca comeu ou comeu e não gostou não tem noção de como é gostoso um churrasco de carne de carneiro (meio adocicada) acompanhada com ervas amargas. É uma delicia ao palato. Quem nunca esteve numa churrascaria gaucha de verdade (não as imitações paulistas) não sabe o como é gostoso comer não apenas a carne, mas também todas as outras partes do animal. Uma verdadeira festa de sabores.

Comento estes detalhes culinários apenas para trazer à tona um fato que geralmente não associamos com as celebrações religiosas judaicas: São uma baita festa. Os povos semíticos são povos expressivos e as celebrações tem música, dança e, claro, por ser uma festa judia iniciada em solo egípcio, tinha cerveja e da boa não das feitas com arroz e/ou cereais não maltados, eles usavam a melhor cevada disponível na região. Ao final das contas a saúde de adultos e infantes dependia disso. (Veja mais aqui)

Assim como a entrega dos dízimos, a festa das colheitas e tantas outras, a celebração da páscoa era exatamente isso, uma grande e ousada festa. Temos o costume infernal de solenizar tudo. Talvez pela herança dos conquistadores, talvez por achar que existe alguma diferença entre o sagrado e o criado, ou talvez por não nos sentirmos relaxados de fato na presença do Criador, quem sabe?

O cheiro do churrasco na brasa no ar, a noite caindo e as sensações se juntando. Havia expectativa, ansiedade, alegria e tristeza. Tudo junto. Mais ou menos como a morte do único parente rico e muito bem querido e respeitado em uma família pobre. Os sentimentos se misturam, não tem jeito.

Havia expectativa por ser a primeira vez que iria a acontecer o que estava por acontecer. Tristeza porque iam deixar tudo o que tinham conhecido como realidade nos últimos quatrocentos e trinta anos. Alegria, porque ao fim seriam libertos e ansiedade porque o que estava por acontecer, se escapava da mão deles.

A festa era de cunho divino no sentido que tinha sido uma idealização de YHWH transmitida a Moisés. A própria celebração era realizada com componentes culturais próprios. A abrangência do sacrifício era para todos os escolhidos e apenas para eles (Ex12:3,45). A participação era -como todas as celebrações do antigo testamento- pela fé já que a pessoa poderia se abster de crer e deixar de pintar o batente da porta, por exemplo. A realização prática era na família e, se ela for pequena, junto com a família do vizinho numa demonstração particular de fé comunitária.

Então a noite foi ficando escura. Algumas músicas foram parando. Algumas risadas diminuindo. Após a meia noite (Ex12:29) os primeiros gritos foram se ouvindo. As primeiras frases de arrependimento ditas em pranto foram sendo ouvidas. Em todas as casas onde a marca de sangue no batente da porta não tinha sido feita, o anjo do Senhor entrou e matou o filho mais velho não apenas das pessoas, mas dos animais. Em todas as casas no Egito havia um filho morto (Ex.12:30)

Nessa mesma madrugada, o Egito manda os judeus – sua grande e barata mão de obra – ao deserto. A liberação que uns poucos esperavam, pela qual muitos clamavam, mas que de fato a maioria não desejava que se concretiza-se estava sendo finalmente realizada. (Ex.12:31-33)

Deus era fiel ao seu próprio plano. Deus não tinha esquecido da sua promessa. Deus não tinha abandonado seu povo como muitos achavam. Deus, continuava sendo O Soberano. A fé não era mais necessária pois estava claro até para o mais obstinado descrente que Deus era quem mandava no pedaço. Não se tratava mais de crer que um dia a salvação chegaria, era obvio e manifesto que o lance estava acontecendo ali e nesse momento.

cruz-vazia

Uns 1400 anos depois um outro cordeiro morreria. Um judeu de origem humilde. Um carpinteiro de profissão. Ele falava que a salvação da qual muitos falavam, poucos acreditavam e menos pessoas ainda esperavam de fato que se concretiza-se, dependia dele. Especificamente da morte dele.

A morte de Jesus o Cristo se dá justamente na celebração da páscoa. Ele morre e aqueles que ouvem hoje sua mensagem e depositam a fé nele (pois pode-se ouvir, entender, concordar mas não se render) são salvos. A ressurreição dele (que celebramos todo domingo) apenas nos lembra de que ele prometeu voltar da morte e também prometeu um dia vir buscar os seus. Logo, se se mostrou poderoso para cumprir a primeira promessa (muito mais difícil de cumprir do que a segunda por se tratar dele mesmo) é capaz de cumprir a segunda.

Então, meu querido, que páscoa você celebra? A dos ovinhos de chocolate e das frases feitas? A de evitar comer certos tipos de comida? A do recolhimento vazio? A do tempo do Êxodo? O apostolo Paulo tem uma frase muito linda sobre este momento.

O orgulho de vocês não é bom. Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada?
Livrem-se do fermento velho, para que sejam massa nova e sem fermento, como realmente são. Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado.
Por isso, celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento da sinceridade e da verdade.
1 Coríntios 5:6-8

Então não se trata de celebrarmos a festa judaica ou a europeia. Se trata de celebrarmos a morte e ressurreição do amado. Mas não uma celebração como evento isolado da vida. Está mais para uma celebração por causa da nova vida que nele temos.

Qual é a importância da Escola Bíblica

Em uma simples palavra: nenhuma

A escola bíblica é um daqueles projetos que são bons na origem mas quando se institucionalizam esmagam os que dele se utilizam.

Ela tem se prestado, por exemplo, para medir o grau de espiritualidade ou maturidade dos membros de uma igreja, tem servido para empoderar fracos e sustentar orgulhosos. Mas não poderíamos falar isso de qualquer outro projeto de uma igreja local?

O projeto em sua origem é bom: ensinar às crianças analfabetas da Inglaterra não apenas  a ler e escrever, mas também a ter uma vida social melhor ajustada (se bem que os desajustados – ao meu ver – era a população adulta que tinha esquecido de zelar pelos menores). Este modelo se estandardizou e se propagou por toda Europa e depois pelos Estados Unidos e foi absorvido pelas igrejas de liturgia livre e as de liturgia rígida. (Ou igrejas históricas ou não históricas, como queira chama-las). Em resumo, virou moda.

Rios de dinheiro tem sidos investidos em manter este projeto funcionando e não são poucas as pessoas que tem dedicado a vida ao mesmo. Então o que está errado?

Bom, achar que isso é igreja. Ou seja, é o mesmo que está errado com os cultos de domingo ou com as reuniões nas casas ou os jantares ou as campanhas de evangelização ou o encaminhamento formal de missionários.  Nada disso vale absolutamente nada quando nos evita de olhar para dentro de nós e ver nossa própria carência do Cristo resurreto no âmago das nossas vidas.

A estas alturas, você deve de se estar perguntando, “então, por que razão você insiste tanto na escola bíblica?. Por que não melhor fecha essa matraca e nos deixa quietos na nossa zona de conforto?”

Bem, meu querido, junte-se a nós para saber a razão. Brincadeira, basicamente é o seguinte: A Escola Bíblica (assim como qualquer outro projeto) carece de importância em si mesma. Ela é importante apenas para conectar vivências disseminando a identidade da igreja local. Sim, você leu certinho, eu assumo formalmente que a identidade de uma igreja local é construida a partir do pensar, sofrer e viver juntos. E tem mais: mais cedo ou mais tarde, se o caminho está sendo bem trilhado, esta identidade local nos deve levar – como grupo e não apenas como soma de indivíduos – à nova identidade que temos em Cristo e isso é responsabilidade de cada geração até que ele volte.

Então, chame seu encontro para ler a Bíblia e descobrir o Cristo (João 5:39-40) por qualquer e faça-o em qualquer dia, mas se não é para conhecer mais Jesus, não faça nada. Estará perdendo seu tempo enganando a si mesmo e tentando enganar aos outros.

Beijo grande no coração

O Poder de uma Igreja fraca (II): Igreja como a âncora do céu

3A metáfora da “âncora” é uma bela forma para pensarmos como a igreja está ligada ao céu de Deus. Basicamente, uma âncora serve para “estacionar”, fixar o navio em um ponto específico no trajeto em que este está fazendo. Vista de modo simbólico, a âncora pode representar inúmeros significados: firmeza, tranquilidade, força, fidelidade e esperança; para alguns representa atraso ou barreira.

Certa feita ouvi uma história que não sei se é verídica. Os cristãos do primeiro e segundo século utilizavam o símbolo da âncora para se comunicarem em meio à perseguição advinda do império romano. Aquilo que se tornou a “cruz da escora” era simbolizada por um semicírculo (vida ou mundo espiritual) e pela cruz (realidade ou vida terrena). O semicírculo era visto como a coroa da cruz, a glória divina sob a glória terrena. Era, para aqueles primeiros cristãos, símbolo de esperança.

Para os navegadores, a âncora fala de refúgio, esperança em meio à tempestade e simboliza um conflito entre o sólido (a terra) e o líquido (a água). Simbolicamente, conflitam para que possa existir, em sua fecundação, a tão sonhada harmonia.

Mas o que isso tem a ver com a igreja, com a gente?

A igreja, nós representamos na terra aquilo que bem foi dito acima: a igreja é a glória de Deus em Cristo na terra; é também a fecundação do espiritual com o terreno, do céu com a terra, da verdadeira vida com a morte, da esperança com a desesperança. Dito de outra maneira, ela é a infraestrutura invisível de Deus manifestada na superestrutura visível da terra, ou seja, em nós. Ainda de outra forma, a igreja é a expressão imiscuída do céu (representada pelo Reino de Deus) com a terra (propagação do evangelho depositada em vasos de barro e dos sinais do Reino).

Utilizando essa metáfora – a igreja como a âncora do céu – podemos refletir sobre a importância e a missão de uma igreja fraca que se faz forte no poder da cruz. Para isso, minha primeira afirmação é que a cruz por si só não manifesta nenhum poder, apenas revela a morte. A cruz de Cristo, vista apenas de um ângulo, revela a morte de um homem que dizia ser Deus encarnado; sozinha, a cruz é o “fim da linha” para o proclamador das boas-novas de libertação e salvação.

Existe muito mais nas palavras biográficas dos evangelistas que simplesmente a morte de um judeu propagador de uma suposta nova teologia judaica. Existe muito mais que apenas o sentimento de dor pelo fim da vida; mais que somente o sentimento de desesperança – essa que arrebatou os corações frágeis e ansiosos pela libertação dos opressores, quando viram o suposto messias sucumbir pelas mãos romanas. Tem que existir mais, pois existiu para aqueles cristãos em perseguição e precisa existir para nós, cristãos pós-modernos.

Aqui entra minha segunda afirmação: através da cruz – o símbolo de morte e maldição, símbolo de desesperança e perca da vida e de propósito de vida – rompe-se a maior prerrogativa de esperança: a ressurreição dentre os mortos; o ressurgir do mundo dos mortos, do esquecimento – “sheol/hades”.

Quando observamos aqueles que estavam ao redor da cruz chorando pela cruel morte de Jesus, o olhar é de espanto e de tristeza pelo fim de três anos de acumulo de uma esperança que não era terrena. Jesus, nessa terra, se mostrou como a manifestação e o cumprimento das alianças, promessas e dos mandamentos figurados dia após dia pela nação judaica. Jesus era a “máxima expressão” de YHWH vivo, entre os mortais e pisando nesse lamaçal de injustiça, de toda sorte de pobreza e maldição. Ele era a esperança dos homens, a luz brilhando em meio às trevas. Mediante as ações de milagres e poder, ele protestava contra o mal; através da proclamação do Reino de Deus, ele disponibilizava a oportunidade de arrependimento a todos quanto o quisessem. Aqueles ao seu redor, na cruz, no pior momento de suas vidas – pois estavam diante da morte física da esperança encarnada – não podiam lembrar-se de suas palavras quando disse: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (João 11, 25-26).

Os discípulos e algumas mulheres que estavam em frente ao mestre que sofria numa cruz, viam um homem abatido, perdendo as forças minuto após minuto e se rendendo a toda aquela crueldade advinda sobre ele. Acho que ninguém veria aquela dura pena como “meio divino” histórico de redenção. Não há esperança na morte! (Lembrando que uma parte dos judeus criam na ressurreição, mas aquela que aconteceria “no último dia”, no fim da história da humanidade). Portanto, o que torna a cruz “fantástica” (no sentido teológico), é que ela foi/é a porta para Deus resgatar a sua criação e toda a humanidade de seus pecados e da condenação eterna.

Voltando a segunda afirmação – sobre o ressurgir dos mortos – os judeus criam que a morte e o hades eram o fim da vida de louvor a Deus. Criam, a partir do aculturamento e imaginário greco-romano, na punição que havia neste lugar indefinido das almas quando não cumpriam a justiça em vida. Criam em muitas coisas, assim como nós hoje. No entanto, a cruz e a morte de Jesus revelaram aos discípulos e a toda a igreja nascente que a esperança que Jesus trouxe não estava em que Deus os levaria a uma vitória sobre o império de Roma e nem em uma aniquilação dos gentios e miseráveis. A esperança também não estava em tornar Israel num povo único e poderoso sobre a face da terra, um povo único regendo as nações pagãs e impondo sobre elas seu judaísmo. A esperança estava, certamente, na ressurreição de Jesus e sua vitória sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte.

A cruz, vista pelo ângulo divino, sugeria a ressurreição de Cristo como o primogênito da igreja (comunidade do cordeiro). A esperança, a partir dessa faceta, cumpre a expectativa reconciliadora entre Deus e toda sua criação; entre a humanidade e a nova humanidade; entre a nova humanidade criada e a antiga criação. A esperança satisfaz em justiça a justiça de Deus proporcionando a paz entre Deus e os homens de bem. Deus, em Jesus, agracia toda a criação e chama a nova criação (a igreja, pessoas reunidas em torno da santa Trindade; pessoas a quem Deus amou na cruz; pessoas que de inúmeras maneiras refletem o Cristo vivo, etc.;) a sua mesma missão: reconciliação, resgate, recriação a partir da cruz e ressurreição.

A igreja como âncora sugere uma comunidade em harmonia, fecundada e alimentada pelo “corpo e sangue” de Cristo (lembrando-me da “água e terra” na simbologia dos navegadores, acima). Uma comunidade que age e reage aqui na terra como Deus age e reage no céu. Uma comunidade que experimenta historicamente o futuro de esperança dado por Deus através da pessoa histórica de Jesus, o Cristo: uma comunidade de ressurreição aqui e agora!

Assim, nosso poder como igreja de Jesus nessa terra vai além de alimentarmos e sermos alimentados. Vai bem além de cumprirmos a justiça e a uma vida de santidade. Está além de vivermos “igrejados” ou “desigrejados” institucionalmente; vai além de sermos bons cristãos e de vivermos eticamente as moralidades sugeridas. Vai além!

Posso estar falando utopias, mas utilizar a palavra “esperança” em meio à pós-modernidade já é um erro para muitos. Mas dela me valho para desafiar aqueles que se consideram e vivem como comunidade onde Cristo habita, na força do seu pessoal Espírito regenerador, para a glória de Deus Pai, a viverem como Jesus e enxergarem como Jesus; a amarem como Jesus e suportarem como Jesus suportou; a pisarem no lamaçal como ele pisou e agiu em resgate de muitos; a experimentarem a esperança no amor que cura toda dor, no amor que foi capaz de entregar a vida para que o mundo soubesse que existe um Deus que ama o que criou. Boas-obras, santidade, justiça, ética e moral serão frutos de quem caminha e age no amor, pelo amor, com o amor do Cristo.

Eis a esperança trazida por Cristo na ressurreição, o poder de uma igreja fraca atuante como âncora do céu na terra na esperança da ressurreição.

O Poder de uma Igreja fraca (I)

Penso que todos nós sabemos o que é a Igreja a partir de Cristo (kaleo, qahal, hb. / ekklesia, gr.):3 uma grande/pequena congregação convocada a se reunir em prol de uma finalidade em comum, a adoração à santa Trindade. Seu ajuntamento dá-se numa missão nesta Terra, aonde houver “dois ou três reunidos”. Os discípulos de Jesus são conclamados por Ele a fim de escutá-lo e agir por Ele; a assembleia dos santos onde a igualdade (isonomia) e liberdade (eleutheria) são as marcas e os direitos de todos que são convocados pelo próprio Deus. Essa talvez seja uma definição coerente visto que muitas coexistem.

Na visão individual – e ainda múltipla – principalmente no olhar paulino da carta aos Coríntios (I Co. 12), temos uma grande novidade acerca da “Igreja de Deus” (I Co. 2.1; II Co. 1.1), da “Igreja Universal” (I Co. 10.32; 12.28), da “Igreja local específica” (I Co. 1.2), ou a “reunião propriamente dita” (I Co. 11.18; 14.19; 14.23). Paulo gostava de metáforas e, em um crescente – quase que apostando nas palavras para encontrar a mais coerente – o apóstolo dos gentios revela uma metáfora preciosa, a metáfora que me apoiarei nesse escrito e para esse tema: o corpo de Cristo e seus membros.

Antes de entrarmos mais a fundo em “O Poder de uma Igreja fraca”, uma informação deve ficar esclarecida e, me apoio nos estudos do teólogo/exegeta Willian Barclay que diz: “[…] em todo o N.T. a palavra Igreja nunca é usada para descrever uma construção. Sempre descreve um grupo de homens e mulheres que entregam a Deus seu coração”. Portanto, igreja não são cadeiras novas (ou velhas) bem dispostas num ambiente; não é o púlpito; não são os instrumentos musicais; não é o conjunto disso tudo reunido num salão amplo disponível para os fins de semana.

II

O teólogo Phillip Yancey, escrevendo sobre a igreja, trabalha as metáforas usadas por Paulo. Assim como Paulo utiliza as palavras “lavoura e edifício” (I Co. 3.9) referindo-se a “nós” (os irmãos da igreja de Corinto), ele afirma a preciosa metáfora que nos identifica como igreja: nós como “membro” do corpo de Cristo que contém muitos membros; e nós como o próprio corpo de Cristo (ler I Co. 12).

Um versículo desse texto me chama atenção. Em I Co. 12.22 temos: “Antes, os membros do corpo que parecem ser mais fracos, são necessários […]”. Associado a esse versículo, quero trazer um texto posterior de Paulo escrito em II Co. 12.9, onde se narra sobre o espinho na carne: “Mas ele me disse: A minha graça te basta, pois o meu poder se aperfeiçoa/perfaz na fraqueza. Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo”.

Tenho para mim que Paulo sabia em que se baseava “o poder de uma igreja fraca”. Nós, como membros participantes juntamente com outros membros do único corpo, a saber, o de Cristo, podemos ser os fracos. Ouso dizer que devemos ser os fracos se quisermos parecer com Cristo. Por quê? Paulo afirma aos coríntios “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (I Co. 11.1; ver tb. Ef. 5.1; Fl. 3.17; I Tm. 1.6).

Não só por essa afirmação, mas por tantas outras estonteantes que enaltecem a fraqueza. Aos Coríntios, ele eleva a fraqueza num patamar tão superior que a igreja contemporânea parece estar longe desse “alvo”. Podemos ler: “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (I Co. 1.25); escrevendo sobre o caráter de sua pregação: “E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor” (I Co. 2.3); escrevendo sobre a grandiosa ressurreição: “Semeia-se em ignominia, é ressuscitado em glória. Semeia-se em fraqueza, é ressuscitado em poder” (I Co. 15.43); escrevendo sobre seu sofrimento por amor ao evangelho: “Se é preciso gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza” (II Co. 11.30); e escrevendo suas últimas palavras de advertência aos Coríntios: “Ainda que foi (Jesus) crucificado por fraqueza, contudo vive pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em nós” (II Co. 13.4).

Quero trazer uma metáfora para comparar a igreja. Yancey descreve em seu livro que certo amigo referiu-se a igreja como um A.A. (alcoólicos anônimos). Confesso que gostei dessa comparação pelo simples fato de que as pessoas ali se reúnem por causa de um vício em comum e se ajudam na missão de se manterem longe da bebida. Esse lugar distinto, onde todos os que comungam da mesma dor, seja qual idade for, cor tiver, profissão desempenhar, se reúnem com o mesmo propósito – de obter um novo hábito e gerar uma nova dependência. O ideal desses é: “Deus me ajude a vencer os próximos cinco minutos”. Eles entenderam que não precisam pecar, precisam de outro pecador para depender em sua fraqueza. O objetivo: vencer, mas por meio da fraqueza que identificam um no outro.

Assim enxergo a igreja da qual Paulo gestou em seus dias, uma igreja onde o pecado, comum a todas as pessoas, era vencido por meio da comunhão em torno do poder de Cristo. Não propriamente o poder da ressurreição de Cristo (esperança vindoura), mas no poder de sua fraqueza, ou seja, no poder contido na “via cruz”. Ele escreve em Filipenses sobre seu auto esvaziamento onde o lucro se torna perda por causa de Jesus Cristo; o ganhar, ser achado nele, conhece-lo e o poder de sua ressurreição comungando juntamente de seus sofrimentos, ser conformado com ele na sua morte, era ganho para Paulo. Dessa forma, ver se ainda ressurgiria dentre os mortos era a ousadia de Paulo (ler Fl. 3). Aqui, a alegria é perder tudo para ganhar somente a Cristo. O poder está no perder e sofrer, na renúncia.

Voltando a comparação com o A.A., a igreja deve/deveria ser um ambiente onde ririamos muito, e choraríamos muito. Acima de tudo, seriamos gente que ama se encontrar com outras gentes para tirar suas máscaras e, ao sofrerem juntas, estarem mais perto do ideal – semelhança com Cristo mediante as fraquezas. Isto porque, estarmos no mesmo barco nos leva a sermos honestos conosco e com os outros. Isso criaria um vínculo entre os membros que saberiam que a igreja fraca sabe que seu poder vital é a dependência de Deus e, também, encontrado na comunhão com o outro.

III

Creio em uma igreja poderosa nessa Terra, no entanto esse poder situa-se na nossa fraqueza. É essa a resposta que Paulo obtém “[…] meu poder se perfaz na fraqueza”. Não gostamos da fraqueza, de sermos e nos mostrarmos fracos. O próximo não é a face de Deus para, juntamente comigo, caminharmos. As igrejas (comunidades vivas) atuais preferem levantar suas bandeiras e serem vistas como “o poder” imperante sobre o mundo, seus sistemas, suas políticas, suas mordomias, etc.; sendo que Paulo nada faz, a não ser “pregar a Cristo, e esse crucificado, escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” (I Co. 1.23); e essa “palavra da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós, que somos salvos (igreja), é o poder de Deus” (I Co. 1.18).

Sermos igreja fraca no poder de Deus é caminharmos pela via cruz entendendo que o próximo é a face do pecado, da fraqueza; também é, no poder que se perfaz nessa fraqueza, a face de Deus. Juntos, mutuamente, somos impelidos pelo poder de Deus que opera em nossas limitações a dependermos dEle, a termos a mesma esperança que Paulo teve quando tudo deixou e sofreu para conhecer o poder da ressurreição de Cristo Jesus.

Um modo de interpretar ‘a caminhada de fé…’

Rafael de Campos

Todos nós amadurecemos com o tempo. Da mesma maneira acontece com a fé que um dia recebemos do alto, do Pai das luzes. Não a recebemos pronta, madura e, também, nesta vida, não a tornaremos completa, inabalável e plena dentro de nós. A caminha, ou melhor, a longa caminhada ao Eterno é um misto de abalo e fortaleza dessa fé. Uma certeza tenho sobre ela: veio do alto e cumprirá juntamente em nós o propósito para que foi enviada.

Sobre ela, a fé e caminhada cristã, quero refletir utilizando uma analogia:

Nós, como num ciclo, vivemos as estações da vida. Assim como as estações do ano surgem saudando as etapas, na nossa existência e fé acontece igualmente. Doce é o sabor do princípio da caminhada cristã. Muitos a identificam como a primavera, a primeira fase do período quente do ano, ou primeiro verão. É nessa estação de temperatura e humidade moderadas que normalmente somos atingidos pela experiência do profundo amor de Deus e, reconhecemos nossa profunda necessidade do Eterno. É nesse primeiro momento, onde a fé infundida começa a mudar nossa cosmovisão, é que começamos a crescer e a trilhar um novo caminho, com os mesmo pés em uma nova estrada, mas com um novo destino.

Quase que concomitantemente (dependendo da experiência com a primeira estação), somos levados à segunda fase dessa nova vida, ou seja, a segunda fase quente: o verão. Seu significado diz tudo, pois é o tempo da frutificação. Frutificar do que? Da primeira estação da vida, dos primeiros passos no novo e vivo caminho; das percepções e paradigmas convertidos. Essa é a fase do ver as obras das nossas mãos, ou do ver para crer que o resultado é favorável. Deve ser, principalmente, o “segundo início” na caminhada, o de enxergar o próprio crescimento rumo à maturidade ainda não alcançada. A crescente “evolução” da fé é vista nesta etapa, onde já nos é legitima e dela nos apropriamos e a vestimos.

Talvez passemos bom tempo, bons anos nessa estação. Penso que seja a estação mais favorável e cômoda ao cristão. O problema é que, como num ciclo, precisamos prosseguir enfrente. Pararmos uma etapa ou, conscientemente, nos estagnarmos nela é regredir no caminho de fé. Digo isso porque viver do “leitinho” eternamente e não progredir é regredir em vista do que nos espera: a maturidade. Poucos, hoje, são os que buscam mais, anseiam por mais. Os que negam ir além, na maioria das vezes, são os que, movidos por ventos de doutrinas, perderam o foco do evangelho no caminho e, como consequência, desviam os olhares dos outros; fazem nesta estação uma tenda e ali permanecem até morrer (espiritual e fisicamente).

Aos que entenderam a proposta da peregrinação da fé, a estes surge uma nova estação, a primeira do período frio: o outono. Também começa, a partir daí, o tempo do ocaso. Nesse período algumas coisas que nos eram inteligíveis tornar-se ininteligível. É aqui que o sol começa a se pôr e não mais vemos para crer ou cremos porque estamos vendo. É nessa fase que o amor de Deus parece ficar distante e Sua presença sempre presente parece não ser mais palpável. É aqui que começamos a enxergar momentos de escuridão. Por quê? Entendo que é o momento onde, gradualmente, começa a prova da fé que um dia foi nos dada. É o tempo das dúvidas constantes, do descaso sempre presente, das indisciplinas espirituais e dos descompromissos na caminhada. É o momento das frequentes perguntas: Onde está Deus? Por que estou assim? Ou sentindo isso? O que aconteceu?

Geralmente nós – consciente ou inconsciente – buscamos dar os passos para a maturidade da fé. Seja por meio dos estudos, de envolvimento mais profundo com as pessoas, ou por vontade de encarar o tal “chamado de Deus”, ou até por querer deixar o caminho. Desse tempo de ocaso sempre surgem feridas profundas, desapontamentos, desesperança, descrença, descrédito (…), e não vemos mais um rumo melhor a nossa frente. No entanto, no ocaso, antes da total escuridão da noite e seu frio impetuoso, reluz um vago momento de crepúsculo. São instantes espetaculares do amor de Deus. Esse amor não se manifesta como na nossa infância da fé (primavera); ele simplesmente “é”, e sendo, dá provas de que estará sempre conosco, em direção ao longo caminho que ainda há por vir. É daí que juntamos forças para continuar prosseguindo.

Inicia-se, então, o segundo período de frio. Esse, mais intenso que o primeiro. Entramos no inverno da vida cristã; a estação mais fria e sem produtividade. Não sei como muitos interpretam essa peregrinação, mas entendo que aqueles que aqui chegam nunca mais saem (explicarei no final esse pensamento). Esse é o tempo, inicialmente, de reflexão consciente da fé, dos confrontos com a religiosidade adquirida e impregnada de toda uma vida vulnerável aos atalhos que tomamos nas estações precedentes. Também é o momento da frieza do ser, do tornar agudo toda voz que achamos ser Deus. Perdemo-nos da espiritualidade que pensávamos ser sadia e não mais temos o acalentar da espiritualidade mística outrora viva no coração e nas sensações. Ficamos sem o cobertor e, então, devemos escolher entre enfrentar ou enfrentar o frio do inverno. Ah como dói!!! Ah como somos enrijecidos pelo inverno!!! Nosso choro é de fraqueza e solidão.

Entretanto, existe um segundo momento do inverno: o enfrentamento do frio e o prosseguir adiante. No enfrentamento do frio, que se estendeu sobre a caminhada de fé, reconhecemos a liberdade de ser cristão. Não mais dependemos das experiências de fé da primavera e nem dos frutos tão deliciosos do verão – pois isso não aviva mais o interior; chegamos ao ponto onde toda a caminhada tendia a nos levar em direção a maior prova da fé: a solidão. Não falo de uma solidão sem pessoas. Mas de uma solidão onde tudo o que nos tornamos como cristãos será experimentado no “a sós” com o Eterno e, então, o caminho (primavera), a verdade (verão), a vida (outono) serão mostrados como a jornada rumo àquele que enfrentou o maior inverno durante sua existência na terra. O inverno se torna a nova caminhada, a nova consciência, aquilo que poderíamos chamar de “caminho da cruz”.

Ao olhamos para Jesus, quando esse se tornou consciente de Sua jornada e missão, peregrinou sempre rumo a cruz. Ele logo entendeu que Sua vida era trilhar em meio ao “inverno”. Por isso acredito que para quem o inverno chegou, só sairá de lá na ressurreição. O inverno, por mais frio e infrutífero que seja, é o encontro com Aquele que pode fazer do nosso caminho uma jornada frutífera e milagrosa a partir do inverno. Ele, o dono da fé que opera em nós, espera que nos encontremos com Ele lá, na estação do inverno, onde não mais temos controle do que somos, do que queremos e do que podemos. Lá, rendidos à liberdade e a autoridade de quem passou pelo inverno da vida e se entregou à morte por nós (substitutiva), ali encontramos o verdadeiro sentido da caminhada de fé (participacionista).

RCampos…

 

 

 

 

Autonomia cristã: uma pequena reflexão.

1A grande dificuldade do cristianismo frente à pós-modernidade (penso eu), não é nem o legalismo (religião das regras de fé) e o moralismo absorto, tão praticado e exigido pela maioria das pseudo-comunidades de cunho evangélica.

A complicação está em que os cristãos não questionam/leem/ interpretam mais a nova aliança em Cristo Jesus; vivem mediante os “achismos” dos líderes das comunidades. Os “por quês“, que geram as dúvidas e a busca delas, não movimentam mais a mente pós-moderna e pulsam apenas nas academias.

Um fator incriminador é a pregação atual. Essa se tornou mais um espetáculo de emoções e experiências carnais do que um estudo e ensino sério do essencial. Aí, precisamos “engolir” que o Deus Espírito é quem nos leva a compreensão e, nós apenas somos “manuseados” à verdade. Jesus não ensinou para que seu público apenas ouvisse e fosse conduzido magicamente a Deus. O ensino pressupõe dúvidas, questionamentos, reformulações e, então, fé. Limitamos nossa compreensão da fé apenas ao abstrato e passamos a ser movidos pelos “sacerdotes” que, na compreensão atual, são os “gurus e pajés” da igreja de cristo. Cristo liberta para autonomia e dependência dEle e não para dependência das experiências alheias e autonomia dos outros. Se nossa cosmovisão não mudar através da verdade que liberta, nosso mundo particular continuará o mesmo, apenas acrescido dos mitos e ritos de uma religião sem fundamento que nos escravizará em regras e formas arrogantes.

Portanto, nos falta mais ensino e busca pessoal séria para que em nossa razão o Espírito nos conduza a uma transição do que, de fato, é importante crermos.

OBS. Minha crítica é contra a falta de autonomia e de mudança de um sistema religioso para a religião do Cristo; não se posiciona, particularmente, aos pastores que buscam a descentralização do sacerdote como o “ungido”, milagreiro, único meio de contato entre comunidade e Deus. Sou plenamente a favor de um pastorado que ensina suas ovelhas a “comerem e buscarem abrigo” por si só, sem intermediários feitos divinos. Sou a favor de um pastorado que ensina seus liderados a se submeterem uns aos outros em amor, sem super-heróis espirituais e hierarquia supérflua.

RCampos…

O melhor que você pode você desejar para sua cidade é uma mega igreja?

Confessemos; quem não sonhou com una igreja enorme que fosse uma referência na cidade? Já pensou? Você poderia dizer para os outros “Sou da igreja tal. 25, 30% da cidade está lá”.

Imaginou a capacidade de penetração social? Os projetos de grande abrangência que poderiam ser realizados? Conseguiu ver o prefeito da cidade na comunidade? E os dois ou três vereadores da oposição? Seria de inspirar respeito.

Bem sabemos que não dá para analisar todas as razões que nos levam a pensarmos dessa forma mas podemos enumerar algumas que me parecem ser bastante universais.

1) Não gostamos de perder. Somos competitivos por natureza. Queremos ganhar. O primeiro que me diga que concorre em qualquer coisa para chegar em segundo ou terceiro lugar já vou avisando que mente. Concorremos para ganhar: sermos os melhores, os maiores, os mais rápidos, os mais econômicos, os mais inteligentes, os mais bonitos, enfim… AI mais tarde ou mais cedo queremos – não já individualmente mas institucionalmente – sermos os maiores o que por sua vez igualamos com melhores. É isso do que trata o capítulo 18 de Mateus que não por acaso versa sobre a definição de papeis no reino.

2) Amamos o poder. A grande maioria de nós gosta de subjugar o outro seja por força, por ideias, por detração. Gostamos da democracia não porque seja boa para os outros e sim porque ela é boa para mim. Mascaramos esse desejo dizendo para os outros que uma igreja de maior tamanho tem maior capacidade de penetração social e que dessa forma os conceitos do evangelho podem chegar a uma maior quantidade de pessoas. Para mim isso tem outro nome: covardia. Na história inteira um único objeto desestabilizador é muito mais potente que uma grande massa de seres homogeneizados. Pense em como os ditadores (de esquerda e de direita) trataram e tratam com os indivíduos pensantes. Quer penetração social? Deixe que o Cristo mude sua vida por inteiro. A proposta é fazer discípulos (Mt.28:16-20) não montículos de pessoas que não mais pensam por si.

3) Pensamos só nas coisas da terra. O principio do Reino é a necessidade da morte. Ou seja, não há vida sem morte (João 12:24). O mundo no que vivemos está corrompido pelo pecado. Não me refiro aos pecados pontoais que cada um de nós pode cometer ao longo da vida. Me refiro ao pecado como poder soberano sistêmico que controla a forma em que o mundo anda. Não só como os seres humanos andam, mas a criação como um todo. Essa ideia São João a resume na frase “O mundo jaz no maligno” (1João 5). Quando pegamos ideias que funcionam bem neste mundo e as injetamos na construção da igreja local, só estendemos artificialmente o poder sistêmico do pecado para onde achamos que não deveria existir: a Igreja; e acabamos chamando de igreja uma coisa que dista muito da assembleia de seres pensantes que Deus quer construir.

4) Exaltamos a esquizofrenia espiritual. Por um lado dizemos que a manifestação do Reino de Deus é a Igreja em geral e a igreja local em particular. Por outro lado, lhe aplicamos leis que funcionam perfeitamente bem no mundo e esperamos que crie coisas novas. Imagine que houvesse vida em outro planeta e que não fosse baseada no carbono como a nossa. Com certeza a vida seria muito diferente e – principalmente – todos seus conceitos sobre biologia (o estudo da vida) deveriam de mudar, na realidade, deveriam ser reinventados. Assim é com o Reino. Ele trata da vida que havia no projeto original antes da queda e a que está sendo restaurada até a concretização daquilo que chamamos céu (algum outro dia falo sobre isso). Ao não nos desvencilharmos dos conceitos “naturais” sobre-dimensionados e sonharmos com um Reino dos Céus como se fosse apenas um destino vivemos uma divisão maluca que a lugar nenhum nos leva a não ser à auto-exaltação de fazermos parte da mega igreja tal ou qual.

 

Então o que fazer? E eu sei?! Se eu soubesse, se eu tivesse uma receita de bolo para lhe instruir a fazer isto ou aquilo o próprio artigo estaria fadado ao fracasso.  Eu só sei que um dia me apresentarei perante o Senhor. Sei também que ele está querendo construir – a partir das minhas palavras e ações – uma nova realidade que funciona pela fé até a manifestação dele.  Esse dia terei de prestar contas não só de como realizei meu “ministério” (como se de uma coisa separada do resto fosse) mas sim das minhas motivações mais escondidas, das minhas ações e palavras que construíram e destruíram o Reino na vida do meu próximo.

O marketing e a Igreja

marketingAlguns, sincera e piamente, acreditam não só que é possível mas necessário usar ferramentas de marketing para disseminar a fé no Senhor.
Acontece que nem sinceridade nem piedade são garantia de idoneidade.


Vivemos em tempos em que o marketing e suas técnicas reinam plenipotenciários. Nada do que se vende, compra ou troca está livre de alguma forma de promover as características do produto.

Obviamente que isso não é novo. Basta imaginar dois beduínos sentados em pleno deserto com suas caravanas em suspenso enquanto negociam, para visualizar claramente um falando para o outro que o rebanho sendo negociado, tinha preço equivalente de tantos metros de seda oriental. Nada novo nisso ai.

O problema é a massificação disto. A escala, por usar uma palavra comum ao meio informático. Quem ganha uma venda? Geralmente quem mais e melhor investiu em marketing. Não é a mesma coisa beber um refrigerante marca “palito” do que um que leve a palavra “cola” e faça lembrar a cocaína no nome. Os exemplos são bem conhecidos.

Bem, como de costume, a igreja institucionalizada entende que precisa ir atras do mundo em lugar de simplesmente existir e permanecer. Logo, que melhor ferramenta do que as que o marketing pode oferecer. Rapidamente passamos de oferecer melhores conteúdos para melhores programas, de melhores programas para mais vigorosos encontros e de encontros vigorosos para um melhor Jesus do que os outros tem para oferecer. Como nesta carreira cada um luta como pode (e não exatamente como deveria) isto atinge não apenas as grandes urbes mas também os povoados mais pequenos, provando-se um problema quase que de ordem existencial.

É claro que se uma igreja decide que vai ter tal ou qual programação, nada mais lícito que promover. É obvio que se o local de reuniões será visitado por alguém que a igreja local julgue relevante, nada mais sensato do que falar para os outros, ao final das contas, isso não acontece toda hora.  Mas é ai que o perigo mora.

Empolgado com os “resultados” o povo e seus líderes (ninguém pode dizer ao certo quem começa) vão querer mais. Aos poucos é gestado um departamento de promoções ou -descaradamente- uma empresa de marketing é alugada. Ao final das contas, se se está na chuva é para se molhar e o fim justifica todo e qualquer meio.

Jesus e sua mensagem são colocados então de molho aguardando uma melhor oportunidade para aparecer. Como tem muito visitante, o pastor “sente” da comunidade, do vento, das estrelas ou sei lá do que mais que não pode trazer uma pregação firme ou de denuncia. Está mais para um bom vinho misturado com água do que agua pura ou vinho puro. Ou seja, é uma coisa repulsiva que agrada apenas quem de fato não deveria ser agradado: a plateia.

Me explico. O evangelho não tem a ver com democracia. A administração da igreja pode até ser (e apenas para contrabalancear o culto à personalidade ou limitar o poderio dos cowboys do evangelho ou compartilhar o peso da responsabilidade nas decisões comunitárias) mas o evangelho e sua pregação – isto é, a essência da igreja – não o são. O evangelho foi trazido por revelação divina e apenas subsiste por ser de tal natureza. O evangelho é duro e difícil (se não impossível) para os que estão de fora e a única porta de entrada é o arrependimento, isto é, o reconhecimento profundo e pessoal de ter vivido uma vida longe do Senhor e seus interesses. Suavizar isto é não pregar o evangelho. Logo, ao tentar amenizar a palavra para torná-la palatável ao gosto do ouvinte é apenas eludir a plateia pois por esse caminho vá-se a qualquer outro lugar menos para o Reino.

Então, é ou não é para usar técnicas de marketing na igreja? Bom, eu não posso responder essa pergunta para você. Isso é uma questão de liberdade de consciência. Apenas sei que não quero vir a ser encontrado pelo Cristo tentando “vender” um Cristo massificado e não um Cristo ressuscitado.