Arquivo da categoria: Vida política

Soberania e Esperança em tempos de Polarização

Pertenço a uma geração que se acostumou a ver as forças armadas (assim, como instituição centralizadora das três grandes forças) desfilando publicamente nas datas pátrias. Por um lado, e no momento, nos trazia um certo orgulho de ter ditos homens dedicados à defesa do país. Por outro lado, e com uma perspectiva histórica mais apurada, soubemos entender que – por trás daquela imagem de imponência – havia sórdidos usos exagerados do poder.

Seja como for, o fato é que todos os cidadãos compartilham um mesmo carinho pela palavra “pátria”. Que se bem, por um lado é um conceito abstrato e intangível, por outro se vê clara e nitidamente em coisas concretas como solo, constituição, cultura, língua e filhos (Uma leve menção a Nietzsche – “Onde está minha pátria? Onde não sou apenas cidadão, mas também pai, pois só aí começa a pátria.” em Assim falou Zaratustra e que me toca de maneira pessoal por serem meus filhos, todos eles brasileiros…)

Seja por ter caído num sábado. Seja porque não mais cultivamos certos valores por considerar-nos “avançados demais”. Seja por termos ojeriza às demonstrações de poder bélico. O fato é que este sete de setembro passou basicamente desapercebido. Foi só mais um final de semana que – se pelo menos tivesse caído em sexta ou segunda daria para chamar de “prolongado” – em nada nos chamou a atenção.

A não ser, claro, quando consideramos o lema “Brasil Soberano” enquanto manifestações políticas polarizadas tomaram as ruas com pedidos de anistia e debates sobre democracia e justiça.

Isso reflete a tensão em que vivemos com visões diferentes sobre soberania, justiça e reconciliação nacional. Esse debate sobre anistia e o papel das instituições democráticas, expôs as feridas e desafios do nosso Brasil.

Soberania de Deus e Reconciliação Humana

A neo-ortodoxia enfatiza a soberania absoluta de Deus em meio à fragilidade das instituições humanas (Barth) e a necessidade de reconciliação genuína, tendo o amor ágape como seu maior motor ou razão existencial (Nygren)

A cidade de Filipos recebeu o nome em homenagem a Filipe II da Macedônia, pai de Alexandre o Grande. Mais tarde, porém, sua maior honra foi tornar-se colônia romana. Os que ali viviam não se orgulhavam apenas do passado conquistador de Filipe, mas sobretudo do privilégio de serem cidadãos de Roma. Não ansiavam por deixar Filipos para morar na superlotada capital; ao contrário, era justamente em Filipos que viviam plenamente sua cidadania. A cidade inteira era uma pequena Roma plantada na Macedônia, refletindo em miniatura a cultura, as leis e o prestígio da metrópole.

Em Filipenses 3:20 (carta escrita quase 40 anos após Filipos se tornar colônia romana) Paulo diz a orgulhosos herdeiros de duas grandes e históricas empresas militares: “Nossa pátria está nos céus

Assim como o cidadão filipense não precisava migrar para Roma para ser romana, os cristãos não precisam fugir deste mundo para viver como cidadãos do céu. Eles são chamados a encarnar aqui e agora os valores do Reino de Deus, sendo embaixadores em uma terra marcada pela corrupção, idolatria e divisão.

Se nos afastarmos uns minutos das coisas que nos distraem, e dedicássemos esse tempo a sermos apenas observadores do quadro brasileiro, devemos ser honestos e notar que a sociedade está polarizada, alimentando ódio mútuo.

Outra coisa que precisa destacada, é que a tentação do cristão é ou se isolar (esperando escapar do mundo) ou se alinhar cega e tribalmente a um dos polos.

Porém, o chamado é outro: ser colônia do céu no Brasil, mostrar em nossas relações, trabalho e política uma nova forma de humanidade que não é marcada pelo rancor, mas pelo serviço, amor e justiça. Aqui cabe Nygren: o motor dessa nova humanidade não é o eros da busca egoísta ou da autopreservação, mas do ágape, o amor que se doa gratuitamente, sem esperar retorno, refletindo a própria natureza de Deus

N.T.Wright (de quem extraio o paralelismo de Filipenses) destaca que a verdadeira esperança cristã não está em sistemas políticos, mas na nova criação inaugurada em Cristo.

Aplicação prática diária:

Como a Igreja (não necessariamente a instituição eclesiástica) pode ser agente de reconciliação e esperança em meio à polarização

Algumas ideias: cultivar diálogo em vez de ódio, serviço em vez de autopreservação, e esperança em vez de cinismo político.

Endividamento das Famílias Brasileiras

Dados recentes mostram que quase 80% das famílias no Brasil estão endividadas. E que as famílias brasileiras gastam 28% da renda com dívidas. Quase o triplo da média de países desenvolvidos!

O peso dos juros e o endividamento crescente geram ansiedade, desigualdade e sofrimento, afetando de forma especial os mais vulneráveis.

As teologias da libertação

Seja por puro desconhecimento ou por pérfida porfia, as teologias da libertação tentam atacar este problema desde um plano puramente humano e com uma lógica puramente marxista pintadas externamente de cristianismo.

Não que a luta deles não seja sincera, ou honesta, ou necessária. Mas que mistura dois elementos incongruentes como forma de apaziguar a consciência sem produzir os frutos que tanto dizem almejar. Ou será que, no fundo, estão perseguindo precisamente os frutos que declaram combater?.

Gramsci (que critica aspectos da aplicação prática do marxismo, não Marx em si), ao falar de hegemonia cultural, critica a ideia de transformação apenas por força bruta ou pela imposição direta da economia/política. Segundo ele, a mudança real acontece lentamente, no nível da cultura, da consciência e da moral coletiva. Ou – dito de outra forma – a revolução não viria apenas pela luta de classes armada, e sim pela conquista da cultura, da educação, da moral e da religião, complementando assim o manifesto comunista.

Libertação, Justiça e o Evangelho no Quotidiano Económico

Desprezamos a graça e o amor como forças fracas. E de fato o são, assim como a gravidade é de longe a mais fraca das quatro forças fundamentais da natureza (gravidade, força eletromagnética, força nuclear forte e força nuclear fraca) e é por ela que as coisas não andam boiando ai à baila.

A graça de Deus confronta as estruturas opressoras e chama à responsabilidade social. Teólogos da estatura de N.T.Wright ressaltam que o Evangelho é a boa notícia para os pobres e oprimidos, e que a Igreja (ou seja, não a instituição e sim o corpo de Cristo) deve ser agente de justiça e solidariedade.

Como podemos, agora sim como comunidade local de fé e prática cristã, ser instrumentos de libertação e apoio prático aos que sofrem sob o peso das dívidas? Não será que a crítica de que tratamos das coisas do além, ou da eternidade em detrimento das terrenas e temporais não tem um fundo de razão? E não será que há um pouco de escapismo em pensar em salvação apenas da alma e para a eternidade? Talvez não seja o caso de enxergarmos nas dívidas uma forma prática e urgente de libertar os oprimidos desta geração?

Ao definir seu próprio ministério, o nosso Senhor cita o profeta e diz “O Espírito do Senhor está sobre mim … para proclamar libertação aos cativos…” (Lucas 4:18-19)

Mas também vemos que era uma questão ancestral já proclamada na Lei: “Proclamem liberdade na terra a todos os seus habitantes…” (Levítico 25:10)

E sem lugar a dúvidas era uma preocupação de alguns apóstolos logo depois da assunção de Jesus: “Se um irmão ou irmã estiver necessitado…” (Tiago 2:15-17)

Se há governos interessados em manter o povo escravizado pela ignorância financeira, não deveríamos nós, como igreja, ensinar a verdadeira liberdade que inclui também o uso responsável dos bens?

Qual foi a última vez que na sua igreja houve alguma aula de escola bíblica ou similar sobre educação financeira?

Chamados à infância do Reino: proteger, acolher e formar

Há algo profundamente errado quando uma criança deixa de brincar cedo demais. O fenômeno da “adultização” infantil não é apenas sobre roupas inapropriadas, exposição a conteúdos violentos ou pressões escolares exageradas. É sobre uma infância sequestrada pela pressa do mundo — uma pressa que transforma filhos em miniaturas de adultos ansiosos e pais em espectadores cansados diante da avalanche de telas e discursos.

Robert Raikes
Robert Raikes – Fundador da Escola Bíblica

Antes um pouco de história.

Se tomarmos em conta a Idade Média até o início da Idade Moderna (Séculos V a XVII) observamos que a infância não era vista como uma fase diferenciada da vida. Assim que saíam da primeira infância, as crianças eram tratadas como adultos em miniatura. Ou seja, usavam roupas semelhantes às dos pais, participavam do trabalho familiar (Tarefas domésticas, oficinas, campo, etc.) e a educação formal era restrita a poucos.

Com o avanço da pedagogia nos séculos XVII-XVIII, do pensamento iluminista e mais tarde de Rousseau, surge a ideia de que a criança é um ser em desenvolvimento, com necessidades próprias. A educação passa a valorizar o ritmo infantil e a infância começa a ser vista como uma etapa específica da vida.

É justamente nesse contexto que surge a primeira escola bíblica em moldes bastante parecidos com as atuais e cujo espirito faríamos bem em resgatar. Robert Raikes (o senhor na imagem anterior. Um anglicano leigo que era jornalista e filantropo) organiza a primeira Sunday School (Escola Dominical). O objetivo era educar as crianças pobres e trabalhadoras, ensinando-as a ler e escrever a partir da Bíblia. E isso acontecia aos domingos, pois as crianças passavam a semana em fábricas. Se bem era um projeto social e missionário, estava longe de ser proselitista. (Hoje temos um problema serio com isso, somos tão mesquinhos que se a pessoa não congrega, não damos ajuda. Uma vergonha)

Se avançamos para o século XIX com a sua revolução industrial, vemos que ela trouxe (a um ritmo alarmante para a época) sérias contradições. Crianças eram exploradas em fábricas e minas, mas, ao mesmo tempo, começaram os primeiros movimentos de legislação protetiva que eram contra o trabalho infantil na Inglaterra a partir de 1833. A escola pública obrigatória (final do século XIX) reforçou a separação entre infância e vida adulta.

Foi durante esse período que o movimento se espalhou rapidamente pela Inglaterra e depois pelos Estados Unidos e outras partes do mundo. Lentamente a ênfase passou de alfabetização para instrução religiosa sistemática. A primeira escola bíblica em solo tupiniquim foi realizada em 1855 em Petrópolis/RJ organizada por Sartah Kalley, missionária escocesa da Igreja Congregacional e esposa do Dr.Robert Kalley considerado um dos pioneiros do protestantismo no Brasil.

Finalmente, no século passado, se consolida a concepção moderna da infância como tempo de proteção, educação e formação. As roupas se diferenciam nitidamente, brinquedos e literatura infantil se multiplicam e convenções internacionais (como a declaração dos direitos da criança da ONU em 1959) cristalizam a infância como categoria própria

A adultização de crianças em solo tupiniquim

Vivemos num país em que, paradoxalmente, se discute tanto a proteção da infância e, ao mesmo tempo, se normaliza a exploração dela. As redes sociais transformaram crianças em produto. A publicidade lhes rouba o encanto da descoberta. O sistema educacional, muitas vezes, lhes impõe competitividade antes de tempo. E nós, famílias e igrejas, ficamos atordoados diante de um cenário onde o “deixai vir a mim os pequeninos” (Mc 10:14) parece ecoar contra nós como acusação.

A Escritura nunca romantizou a infância. Mas Jesus a ressignificou como metáfora da entrada no Reino: dependência, confiança e vulnerabilidade. A criança não é um adulto em miniatura, nem um projeto de consumo. Ela é dom de Deus, herança preciosa (Sl 127:3), chamada a florescer sob cuidado e disciplina que não provoque à ira, mas à vida (Ef 6:4).

A neo-ortodoxia de Barth e Tillich lembraria que não se trata de um problema moral isolado, mas de um sintoma da queda: nossa tendência de instrumentalizar o outro, inclusive os mais frágeis. N.T. Wright acrescentaria que a comunidade cristã é chamada a ser sinal do novo mundo de Deus, onde os pequenos não são explorados, mas acolhidos como protagonistas da fé.

Atitudes necessárias a partir do Reino

O que fazer, então? A primeira resposta não é política pública, embora ela seja necessária. É conversão comunitária: famílias que redescobrem o tempo da escuta, igrejas que não apenas “dão espaço” às crianças, mas reconhecem nelas mestres da fé. Um espaço onde brincar não é perda de tempo, mas sinal de eternidade; onde a formação não é pressão, mas cultivo paciente.

A pressa em fazer das crianças adultos cedo demais revela, no fundo, nossa incredulidade. Não confiamos no tempo de Deus, não confiamos no Reino que cresce como semente em silêncio. Transformamos filhos em fardos ou vitrines, quando deveríamos recebê-los como parábolas vivas da graça.

Se não nos arrependermos, repetiremos o ciclo: filhos cansados, famílias esvaziadas, igrejas sem infância. Mas se ousarmos, como comunidade, recuperar a infância — não apenas a das nossas crianças, mas a nossa diante de Deus — então seremos, de fato, “pequenos” no Reino. E ali, paradoxalmente, encontraremos grandeza.

Informe Kinsey à la Tupiniquim

Um pouco de história

Alfred Kinsey e sua equipe foram responsáveis por uma mudança profunda nas pesquisas sobre sexualidade humana.

Publicado nos Estados Unidos, o primeiro volume, “Sexual Behavior in the Human Male” (1948), e o segundo, “Sexual Behavior in the Human Female” (1953), revolucionaram a compreensão pública e acadêmica sobre o comportamento sexual.

Este estudo trouxe luz sobre a realidade (em comparação com o ideário popular) sobre assuntos tão variados como Diversidade do Comportamento Sexual, Incidência de Comportamentos Homossexuais, Masturbação e Fantasias Sexuais e Infidelidade e Relações Extraconjugais.

O Informe Kinsey foi controverso e enfrentou críticas por sua metodologia e por desafiar as normas sexuais vigentes. No entanto, também foi elogiado por sua contribuição para a compreensão científica da sexualidade.

Para chegar a tais resultados tão diferentes do que era o ideário popular, Kinsey e sua equipe lançaram mão de uma metodologia rigorosa e inovadora para a época envolvendo entrevistas detalhadas e padronizadas para coletar dados sobre o comportamento sexual de milhares de americanos como entrevistas pessoais e questionários estruturados.

Kinsey também fez um esforço consciente para incluir uma amostra diversificada de pessoas de diferentes idades, gêneros, orientações sexuais, ocupações e origens geográficas. Porém, vale ressaltar que a amostra não era totalmente representativa da população geral, o que foi uma das críticas ao estudo.

Seja como for, os entrevistadores foram rigorosamente treinados para que todas as entrevistas fossem feitas de forma consistentes e sem julgamentos visando garantir a precisão e a confiabilidade dos dados coletados.

Após a coleta a equipe tabulou esses dados e usando os melhores métodos estatísticos avançados analisaram as respostas identificando padrões e tendências no comportamento sexual. Esses dados são a base de muitos estudos e também de várias políticas publicas não apenas no grande pais do norte, mas em quase todo o mundo.

O Instituto Kinsey para Pesquisa em Sexo, Gênero e Reprodução foi fundado em 1947 pelo Alfred Kinsey na Universidade de Indiana nos Estados Unidos.


Uma reflexão

Entendo ser um ponto bastante comum dizer que o que é verdade nos Estados Unidos não necessariamente é verdade no resto do continente e muito menos no resto do mundo.

Isso bem pode ser verdade com aquelas coisas que são conseqüências das decisões culturais de cada povo ou nação, mas eu tenho a forte suspeita que até essas decisões são fruto de uma coisa mais profunda e viceral chamada natureza humana. Com isso não necessariamente me refiro a algo que seja completamente natural, mas sim adquirido na sociedade da qual a menor e mais importante representante é a própria família que absorve e promove certos valores ou o que elas acham serem os valores certos.

Logo, devo concluir que informes do tipo dirigido por Alfred Kinsey trazem à tona uma coisa que o teólogo já conhece: o ser humano é completamente depravado. Mas me aguarde antes de tirar suas conclusões tipo rede social. Isso aqui não é para passar por alto rapidinho.

Umas brutalidades

Dois fatos recentes têm exposto em nosso próprio solo a validade não apenas do informe Kinsey, mas de outros similares e da validade da Escritura em pleno século XXI assim como a necessidade de um aggiornamento nos nossos arraiais evangélicos (no excelente e bom sentido da palavra evangélico)

A pandemia de COVID-19 revelou várias coisas. Não apenas o perigoso desleixo com que vivemos a vida política pública representativa (que nada mais é do que isso, uma representação pública da nossa política mais viceral amarrada aos nossos medos e falências) mas também o quão enviesados somos assim como o quanto estamos longe, como famílias comuns, dos ideais que a própria sociedade promulga. Além dessas coisas, a pandemia também revelou o completo descalabro da igreja institucionalizada que demorou a usar os meios de comunicação eletrônicos e insistiu em aberrações sanitárias como a essencialidade do culto publico.

A outra coisa que a pandemia, ou melhor, o isolamento social decorrente da pandemia demonstrou é a incapacidade que temos de lidar com o diferente. Há várias fontes cientificas (isto é, que têm método mensurável por outras) que poderiam ser citadas, mas um bom resumo disso, vem da Anafe ao dizer:

Estudos demonstram que, durante o segundo ano de isolamento social decorrente da pandemia, o número de divórcios feitos em cartórios de notas do país subiu 26,9% de janeiro a maio só em 2021, em relação ao mesmo período de 2020. Se comparado a igual período de 2020, o crescimento foi de 36,35% em 12 meses.

https://anafe.org.br/divorcios-na-pandemia-que-dizem-os-dados/

Esses dados são seguros pois na conformação social em que vivemos, um divorcio formalizado impacta a criação dos filhos, mas – e isso é mais importante para muitos – as finanças do casal que se desmancha.

Então para além desses rompimentos formais, deveriam ser adicionados os informais.

Esta brutalidade da pandemia com todas suas conseqüências, e sendo um evento natural, expôs – como se o recuo das águas de um rio se tratasse – as pedras afiadas que estão no leito.

O que muito afligiu é que a igreja (em particular a ala evangélica em contraposição da fundamentalista) não deveria ter sido pega de surpresa. Ou seja, somos plenamente cientes não apenas da depravação humana (e com isso concordamos com o fundamentalismo) mas também temos acesso e aceitamos informes não ortodoxos como o de Kinsey que nos falam dos problemas e das agruras reais dos relacionamentos para lá dos ideais que pregamos. Voltaremos sobre isso.

As enchentes no Rio Grande do Sul (e é preciso falar em plural não apenas pelo fato ter se repetido mais de uma vez nos últimos anos, mas porque desta vez – em maio de 2024 – se repetiram várias vezes e de forma devastadora em um curto período de tempo) empurrou boa parte da população dos mais diversos estratos sociais a terem de viver e conviver de um modo diverso ao que estavam acostumados.

Se vendo nessa situação de mudança do seu habitat natural, o bicho ser humano manteve seus instintos mais viscerais funcionando em um numero que – espero – não é o total, mas o suficientemente alto como para alarmar. Tanto assim que o próprio governo do Estado do Rio Grande do Sul teve que disponibilizar abrigos separados para as mulheres e crianças numa volta rápida e obvia ao velho ditado de “mulheres e crianças primeiro”.

Nos inúmeros reportes televisados e “youtebizados” aos que assisti, um deles me chamou a atenção em que o repórter ou “youtuber” (não me peça para lembrar agora) mostrava uma rata escapando da agua da enchente. Triste representação gráfica do que acontece não apenas no RS mas no pais inteiro.

É redundante dizer o obvio: a população toda (ou pelo visto a grande maioria) sofre com o que está acontecendo no estado mais ao sul do nosso pais. Famílias inteiras mortas, mulheres e crianças sendo abusadas, casas sendo assaltadas e a infraestrutura tão necessária para a pronta recuperação quase que completamente destruída pelo poder da água.

Esse sofrimento – que já de por si seria terrível – se vê incrementado pela resposta irresponsável de alguns cidadãos. Algumas coisas me chocaram se bem que não mais deveriam porque eu sei que é fruto da mesma árvore e tenho visto esses frutos em repetidas ocasiões das mais diversas formas.

A mais simples dessas e aparentemente superficial é a disseminação de noticias mentirosas, ou fake news. Isso aliado com as teorias conspiratórias. Lia esses dias de que quem vive sozinho é mais propenso a crer e a disseminar teorias conspiratórias. Faz sentido. A noticia mentirosa – que muitas vezes surge como piada, sarcasmo ou informação parcial – encontra seu combustível nos vieses confirmatórios que todos nós temos. Ou seja, todos nós tendemos a aceitar e repetir informação que de alguma forma confirma ou reforça uma crença previa. Se bem ela encontra seu combustível na subjetividade individual, a via pela qual trafega atualmente é a das redes sociais onde um certo espirito de aparente anonimidade governa os usuários das mesmas as que – por sua vez – apenas lhe interessa o lucro sem lhe importar de forma séria e autônoma alguma forma de verificação de fatos. O remédio para isso? O mesmo que para a velha e conhecida fofoca: não repita se não sabe se é verdade. Se a “noticia” confirma alguma coisa que você acredita, desconfie. Se vem por uma rede social, desconfie mais ainda. Se vem apenas da família, tenha todas as reservas possíveis.

A outra coisa que me chocou e que acho cada vez mais repugnante é a falsa ideia propagada em nosso meio (falo do nosso por não ter autoridade para falar de outros, mas presumo que seja parecido) de que essas brutalidades como a tsunami na Indonésia ou a pandemia de COVID-19 ou as enchentes no Rio Grande do Sul são um castigo divino. Ou na sua expressão mais simples, desrespeitosa e carente de conhecimento tanto bíblico como social: “mereceram”ou “bem feito” ou “é castigo divino”

Há pessoas que não tem o mais mínimo temor ao falarem uma coisa dessas. Vamos primeiro pelo lado social. Conheço o povo gaucho. Viajei muito nos estados do Sul com meu pai. Se há algum lugar em que me sinto seguro é com os gaúchos. E não que não me sinta bem ou seguro em qualquer outro lugar já que sei dos anjos que o Senhor coloca em sua providência para cuidar-nos. Mas é que minha vivência com os gaúchos é de viceral confiança.

Lembro de que quando minha primogênita tinha alguns meses a levamos para que minha família a conhece-se. Era julho de 1996. Fomos de Corcel II movido a álcool numa viagem de 1700KM aproximadamente. Chegamos no Chuí, RS no horário limite para poder encontrar um lugar onde deixar o carro e pegar o ônibus para atravessar a fronteira até a casa dos meus pais. Não haviam serviços de internet como agora que pudéssemos ir abreviando tempo. Tinha que ser face a face. Dei uma olhada naquela noite escura e fui num posto de combustíveis que costumava ir com meu pai de pequeno. Fazia uns doze anos que não passava pela cidade. Enquanto orava, olhei para os frentistas e escolhi um. Chamavam ele de “alemão” por razões notórias. Falei “Boa noite, você mora aqui no Chuí, correto?”. Ele me respondeu “sim”. Ai afirmei “Você tem lugar onde eu deixar minha ximbica (já declarando que não morava em RS pois ximbica é carro velho em SP). Quanto me cobra para deixar ele vinte dias?”. Ele olhou assombrado para os lados atrás de mim e atrás dele e falou “Mas você me conhece?”. “Nem um pouco” – lhe disse – “mas conheço quem te conheçe”. Ele terminou de abastecer e me levou até a casa onde larguei o carro após desconectar a bateria e fui correndo para o terminal rodoviário. Quando voltei lá estava meu breguinha azul-calcinha completinho esperando por mim. Bateria conectada e duas partidas depois ele estava em marcha… a álcool e em pleno inverno gaucho.

Se alguém te diz que é merecido por causa do caráter deles, pergunta de imediato pela experiência que eles tem com tal povo. Pode ser que seja superficial, parcial, inexistente ou apenas está repetindo um ódio que recebeu de alguém. Agora, mesmo que alguns se comportem de um jeito inapropriado, é isso motivo de assegurar que é um merecimento para a população em geral?

Me é necessário atacar finalmente o problema do “castigo divino”. Não porque negue o castigo divino, mas porque nego a falta de seriedade e temor com que essa frase é dita. Há uma passagem de simples compreensão na escritura que deveria selar nossos lábios para dizer uma barbaridade dessas:

1 E, naquele mesmo tempo, estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. 2 E, respondendo Jesus, disse-lhes: Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? 3 Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis. 4 E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram mais culpados do que todos quantos homens habitam em Jerusalém? 5 Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis.

Lucas 13:1-5 (ARC2009)

Esse é meu problema. No fundo da expressão “Deus os castigou” está o pensamento de que eles são piores que os outros. Não, os gaúchos são iguais aos nordestinos, aos paulistas, aos paraenses, enfim… No sentido de culpabilidade perante o juiz eterno, somos iguais.

E pensamos assim, ao respeito de tudo, governo, família, opção sexual, religião, etc… Quando acontece uma desgraça nos apressuramos a dizer “E também, com a conduta que têm, o que você esperava?. Merecido foi.” Não apenas ao respeito de uma catástrofe natural, ou do estado do Sul, de tudo e todos. Nos parecemos ao fariseu da parábola:

11O fariseu, em pé, orava em seu íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: roubadores, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este cobrador de impostos. 12 Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’.

Lucas 18:11-12 (KJA)

A patética condição humana

Foi a pandemia chegar ou as aguas subirem que se colocaram em funcionamento duas coisas: pessoas realmente interessadas em ajudar o próximo e os aproveitadores de plantão.

Sobre o primeiro grupo, não tenho nada a falar a não ser que nunca é de menos e de que – mesmo a própria tarefa sendo ingrata ou incômoda – o resultado final é muitíssimo bom e agradável. Vale a pena.

Já sobre os outros, gostaria de me distanciar dos pensamentos de segregação como se eles fossem outra coisa que não seres humanos. Precisam sim serem tratados de forma diferenciada porque seus atos (alguns deles bestiais) demonstram o quão baixo caíram e o convívio com o restante da população é impossível. Esse é um desafio constante para a sociedade mas é bem simples de resolver se aceitamos que há inocentes ou que – de fato – há pessoas mais vulneráveis que outras. O velho adagio de “mulheres e crianças primeiro” deveria ter aparecido antes nessa equação.

Agora, o que estes seres de conduta réproba colocam em claro é que a raça humana está degradada. Há os que escondem melhor que os outros. Há alguns que nunca serão tido como pessoas de baixo calão ou de alma imunda. Pelo menos não deste lado da eternidade. E há os outros que – quase como animais – mantêm suas práticas privadas em ambientes de convívio público emergencial. (Como a grande maioria faz nas redes sociais)

Em lugar de assustarmos e apontarmos o dedo, devemos de aceitar que sob a camada idealizada de uma sociedade composta por famílias que funcionam de acordo com um determinado padrão, há uma realidade obscena, suja, violenta que insiste em se manter com vida.

Não que os ideais não estejam corretos. Os ideais estão certos. Mudar os ideais por ideias mais simples é apenas baixar a barra. Diminuir o ideal apenas contribui para descobrirmos novas formas de violência talvez mais sutis e sorrateiras.

Agora, declararmos que vivemos em dissonância com o ideal proposto com a Bíblia, ajuda grandemente na resolução dessa equação. Aliás é apenas o primeiro ponto para uma possível solução. São coisas que devem ser ventiladas em nossas Escolas Bíblicas, nos nossos cultos e nos nossos estudos bíblicos nas casas. Não se trata de abandonar o ideal, se trata de reconhecer que acreditar num ideal não é de forma alguma uma garantia de que nossa construção social está em consonância com ele.

Em algum sentido o ideal bíblico é uma utopia. Ou seja, é um lugar que não existe. Uma fantasia, um devaneio, um sonho. Ou dito de outra maneira: não existem famílias perfeitas. Ficou mais fácil assim? Então, a formula fácil esconde a dificuldade. A utopia nos propõe um local para além da realidade. Ou seja, um ponto no infinito para ser o alvo pelo qual caminhar nesta vida. Alvo este que – sabemos desde o início – não será alcançado em 100%, mas o mais perto que cheguemos do alvo é melhor do que trazer o alvo para níveis mais palatáveis ou “menos utópicos”

As enchentes no Sul, assim como o informe Kinsey, nos escracha uma realidade patética da nossa sociedade que tentei expor brevemente aqui. É uma forma brutal de expor a realidade. O apelo deste pequeno escrito é a lidar com essa realidade sabendo que – assim como o informe Kinsey tem se comprovado na observação de outras sociedades distintas da estadounidense – essa mesma realidade está presente em nossa sociedade em geral e em nossa igreja em particular. Viver em negação além de não ajudar em nada a não ser piorar as coisas, é uma vergonha e perca de tempo.

Inclusão cristã

No movimento de Jesus, a mensagem de liberdade e inclusão era uma das características centrais. Jesus desafiou as normas sociais de sua época, acolhendo e convidando todas as pessoas a segui-lo, independentemente de sua origem étnica, status social, gênero ou histórico de vida. Sua ênfase na amorosa inclusão ecoou nas palavras e ações dos primeiros seguidores de Jesus.

No contexto cristão dos dias de hoje, no entanto, ainda podemos identificar movimentos e teologias que, infelizmente, excluem certas pessoas da comunhão dos seguidores de Jesus. Às vezes essa exclusão é feita com base em doutrinas rígidas, diferenças sociais ou culturais, e orientação sexual ou identidade de gênero.

Isso demanda de nós um exercício bem eclético que nos leva para longe do assim chamado fundamentalismo cristão. Fundamentalismo aqui nada mais é do que tirar sempre as mesmas conclusões sem nada haver de novo ou que nos cutuque na leitura e interpretação da escritura.

Todavia, esse movimento não pode ser confundido com liberalismo mesmo requerendo liberalidade amorosa. É aquilo de se arriscar no acantilado para resgatar a ovelha.

Vivemos numa sociedade mimada que confunde o amor com liberdade irresponsável. Por outro lado, observamos que a igreja se vê acuada diante de tanta pressão social que – convenhamos – é uma pressão espiritual. Como se amar não fosse também almejar mudanças! Que o digam os pais que amam seus filhos. (Há aqueles que os detestam e também os que praticam alienação parental. Esses servem como exemplo de como não proceder)

Desde a Torá nos seus lembretes de amar a Deus por cima de todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo que a mesma ideia se vem repetindo uma e outra vez: não deixe que seu próximo vá para a morte. Ou dito de outra forma, Jesus faz menção aos textos do antigo testamento e no contexto de Levitico 19 encontramos o seguinte:

Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa dele.  

LEVÍTICO 19:17

Então, e antes que diluamos o poder do evangelho em afetos puramente terrenos e agendas antropocentristas, é urgente salientar que essa aceitação do Novo Testamento não é uma inoperante ou ineficiente, mas sim aquela que sacia a alma e transforma a totalidade do ser humano.

Talvez seja tempo de resgatar a velha ideia da theosis a partir do novo Adão que teólogos antigos como Irineu promoviam. Não para uma salvação apenas espiritual da alma no além, mas para uma vida enriquecedora e significativa agora.

Então Jesus pôs-se em pé e perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?”

“Ninguém, Senhor”, disse ela.
Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado“.

João 8:10-11

O povo que andava em trevas…

Engraçada a vida de um político qualquer, digamos, dos que lhes cabe ocupar a presidência.

Há alguns anos, o atual ex-presidente era tido por um Messias. Ele se pensava como o paladino da justiça; o defensor de valores morais; o arauto da verdade; o mensageiro da liberdade verdadeira e por aí vai.

Agora chega o atual presidente e se julga no direito de dizer que “saímos das trevas” (CNN 19/jan/23 – 14:44). Para onde vamos ao sair das trevas? Bem, para a luz, obvio. Parece ser uma fixação dele usar certas falas que não lhe pertencem. Ele (ao ser preso justamente em 2018) já tentou dizer que tinha virado uma ideia… que deixava de ser um homem para ser uma ideia.

Essas coisas que tem o poder, né? Coisas bem toscas e absurdas como tentar substituir o Cristo na vida prática das pessoas.

É verdade (e a verdade não se lhe nega a ninguém) que se viveu um obscurantismo nos últimos quatro anos. Negar isso, faz parte de um esquema Olavista de pensar em que tudo é uma grande conspiração e que é melhor negar tudo, até os fatos (quanto mais as ideias). Então concordamos com o presidente nisso, mas querer sugerir que a luz vem de mão dada de um político. Senhores….


Em terras distantes há um ditado que diz “A culpa, não é do porco se sim de quem lhe coça as costas” significando que se você tem um porco dentro de casa fazendo o que lhe corresponde por natureza, não se lhe pode atribuir culpa ao procedimento, já que ele se encontra ali, na sala da casa, a convite do proprietário. Então se temos os presidentes que temos tido, é por pura irresponsabilidade nossa e a única forma de reverter isso, é o de dia após dia lembrar que os olhos devem estar fixos em Jesus e seus princípios. Políticos são e devem ser trocados como as fraldas (e pelos mesmos motivos) parafraseando a Eça de Queiroz (talvez)

Assim como no governo anterior muitos foram enganados e levados lenta e piamente a acreditar ser o “enviado”, o “escolhido”, o “separado”, assim também hoje podemos ser levados a crer coisas similares e se não cortamos rente e desde o início, depois é tarde.

Tanto aquele que se achava o Messias, como este outro que se acha a luz, ou a ideia, só tem uma pretensão: substituir a missão e função do Cristo (escolhido em grego) no coração das pessoas.

É missão da igreja lutar ferrenhamente contra isso. Era o que Paulo fazia. Segundo ele em Colossenses 1:13 não era o imperador o que nos resgatava de um poder e nos colocava sob outro, e sim Jesus: Cristo e Logos.

Não interessa se o governo é de esquerda ou de direita, a função da igreja é a de se manter alerta contra essa mimetização muito bem pensada do próprio Cristo.

Pense nisso… rápido

A república do século XXI

Sobre as relações viscerais do Exercito Brasileiro e a formação da república; de como isso o impede de subverter a ordem na atual conjuntura; e de qual deva ser sua conduta como cristão na situação que vivemos nesta transição democrática.

Em 15 de novembro de 1889, a república foi proclamada. Nela se misturam quatro situações de grande magnitude que tinham se acumulado ao longo dos anos: militares insatisfeitos com o soldo, a carreira e a proibição de manifestar suas posições políticas; civis desgostosos com a monarquia; descontentamento entre as elites emergentes por se verem sub-representados na vida política da monarquia; grupos que desejavam uma maior participação pelo voto; e claro, a questão abolicionista. Essa é, em resumo, a receita da proclamação da república.

O Manifesto Republicano

Não por um acaso o movimento republicano começa em 1870 logo depois da Guerra do Paraguai, dando início a uma separação entre os interesses da população e a capacidade da monarquia de atender aos mesmos. Esse movimento é formalizado pelo Manifesto Republicano que em suas linhas finais diz assim:

Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monárquica que não inspira simpatia nem provoca adesão. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, aonde o instinto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a onipotência do soberano. Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos, e em solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte.

O Exército

Podemos afirmar, sem medo a errar, que na nascente desse torrentoso rio chamado república encontra-se o desejo visceral de fazer parte dos povos americanos e não apenas uma extensão de um reino além do oceano que não mais atendia (se é que alguma vez o fez) os interesses do ser brasileiro.

A profissionalização da corporação militar está diretamente relacionada com esse desassossego dos militares com a situação. Entendiam que lhes faltava o reconhecimento devido pelos serviços prestados na guerra do Paraguai. Por outro lado, eles se entendiam como os tutores do Estado brasileiro. Sob essa ótica, nada mais obvio do que almejar que suas opiniões politicas pudessem ser ouvidos. Na monarquia, eles eram proibidos de se manifestarem tanto dentro da corporação como em veículos públicos.

Insuflados pelo positivismo (que acreditava no progresso continuo da humanidade) eles entendiam que esse processo deveria ser conduzido por um governante e que se necessário for, este poderia se afastar do desejo da população. Traduzido: um governo republicano ditatorial.

Nada mais natural para uma instituição fortemente alicerçada em uma cadeia de poder. Sem essa cadeia, não é possível coordenar toda a tropa na hora da crise. É aquela mistura estranha de ideias em que uma instituição dedicada a conservar a ordem deseja impor sua visão de ordem.

Seja como for, é inegável que o Exército Brasileiro em toda sua extensão fez parte do movimento republicano, negociando aqui e acolá o restante da ideia, como corresponde a qualquer democracia.

Além disso, e como consequência da influência do positivismo na tropa, a instituição era a favor da laicidade do estado em contraposição a um estado católico.

Em resumo, a formação da república muito deve ao esforço ciente do Exército.

Das outras forças

Sem a presença do exército, as outras forças dificilmente poderiam pensar em reverter a situação a curto prazo. Desde o manifesto republicano até o desfecho vão quase 20 anos. Sem a participação (o descontento) do exército dificilmente a população poderia se levantar.

As capitanias e posteriores províncias estavam constituídas de tal forma que era virtualmente impossível que se levantassem com força e coordenação suficiente como para subverter a ordem vigente.

Era necessário que essas forças se combinassem de uma tal forma para que a monarquia fosse inviável, que sem o exército isso seria improvável. Ele era, em certo sentido, o fator de força comum a todos os outros movimentos e com a capilaridade suficiente como para poder catalisar isso tudo.

Porém, mesmo assim, leva quase 20 anos em banho-maria até a formalização de um novo projeto de nação.

Que não se enganem os observadores ocasionais: o Exército Brasileiro tem um compromisso institucional com a nação brasileira e seu projeto republicano.

O golpe de 1964

Muito se discute se o que aconteceu em 1964 foi um golpe ou uma intervenção militar. Há ainda os que dizem que se tratou de uma resposta ao clamor popular e que por isso foi um movimento legítimo.

Uma intervenção militar interna, acontece quando os poderes institucionais convocam as forças armadas a defender a ordem pública, a paz social, a estabilidade institucional ou uma mistura dessas três.

Não foi isso o que aconteceu em 1964. Não havendo nenhum pedido formal (por parte do Congresso Nacional) que validasse qualquer uma das marchas das duas frentes militares que se mobilizaram em 31 de março, pode-se concluir que não se tratou de uma “intervenção militar” nos moldes da constituição de 1946.

Foi uma derrocada do poder escolhido democraticamente pelo uso da força sob o ponto de vista de uma parte da população. Ou, como definido por Gabriel Naudé: um golpe de estado. Parte funcional do estado se levantando contra outra parte do próprio estado.

A situação daqueles anos

As ações dos generais Costa e Silva no Rio de Janeiro e Olímio Mourão Filho em Minas Gerais são compreendidas em virtude do estado de coisas que vigoravam na primeira metade dos anos 1960.

Jango com suas “reformas de base” conquistava a desagradável posição de ser indesejado pela classe média urbana, pelas elites, pela igreja, pelo exército e pela imprensa. Era visto como conivente com o comunismo, a desordem social e a desarticulação da ordem na hierarquia militar.

Além disso, as relações com os Estados Unidos (hábil articulador de vários golpes de estado ao longo da America Latina e sua infame “Escola das Américas”) estavam deteriorando-se com as consequências inevitáveis no mercado.

Parte do povo se manifestava a favor de uma intervenção militar com a “Marcha da família com Deus pela liberdade”, por exemplo. O sentimento que havia nesse movimento era o do medo a um possível golpe militar comunista. Em 18 de março de 1964 o manifesto de conclamação foi publicado pela Folha de São Paulo que era assinado por 34 entidades, vários grupos anticomunistas e grupos cristãos (católicos e protestantes).

Se calcula que 800 mil pessoas compareceram ao ato em 18 de março na praça da Sé em São Paulo.

Esse movimento era uma resposta ao comício convocado pelo presidente em 13 de março que – buscando alianças com o Partido Comunista do Brasil, os mais radicais do PTB e os movimento sindical rural e urbano para viabilizar suas reformas – e ao que compareceram 350 mil pessoas.

Ejército Guerrillero del Pueblo. Salta, Argentina

A revolução em Cuba já estava bem arredondada quando Ernesto Che Guevara envia um grupo guerrilheiro (treinado extensamente em Cuba) ao seu pais natal: Argentina. Mais especificamente na província de Salta. Era o “Ejercito Guerillero del Pueblo” cuja função era instaurar a revolução no pais mais ao sul do nosso continente, formando assim uma pinça norte-sul.

Tão revoltoso era el Che (organizando e promovendo a guerrilha em America Latina) que muitos partidos comunistas de América Latina não aprovavam sua estratégia de luta armada generalizada que ele propunha.

Com Fidel em Cuba, o argentino Ernesto Che Guevara promovendo a “guerilla” em Salta (Argentina) durante 1963 e sabendo que o propósito comunista era elevar o proletariado por qualquer meio (o fim justifica os meios) nada mais fácil que compreender do que o medo beirando o pavor que se respirava na sociedade brasileira de 1964.

O sentir era de que em lugar do Hino Nacional Brasileiro, pronto deveríamos cantar o hino da Internacional Socialista, tal a visceralidade do movimento comunista internacional na época.

Como disse, dá para entender a Costa e Silva e a Olímio Mourão Filho, mas não dá para justifica-los. O que se deu posteriormente com o cerceamento de vários direitos básicos e o assoreamento das instituições legais em virtude da batalha contra os insurgentes é simplesmente uma mancha (que muitos consideram necessária) na história das Forças Armadas em geral e do Exército Brasileiro em particular.

E nós?

Estamos vivendo em um pais ideológicamente dividido. Essa divisão permeia a sociedade sem observar limites, sejam eles quais forem.

Essa mesma divisão é observada ao longo do continente americano, mas também na Europa (uma extrema-direita ascendente já governa Itália), na ásia (lembram do assassinato do ex primeiro-ministro japonês em julho de 2022) e na África (Nigéria, Quênia e Angola que são potencias regionais tiveram eleições apertadas)

É muito difícil falar da situação de nosso pais já que há muitas emoções envolvidas e onde entra a emoção, a razão pula pela janela. Então, numa tentativa de metáfora, olhemos para fora.

O pior exemplo vem dos Estados Unidos da mão do ex presidente Donald Trump na sua cruzada particular de dilapidação das instituições do grande pais do norte. A violência (arma do comunismo dos anos 1960) é a moeda comum e corrente destes neo-conservadores. Se coloca em dúvida o método eleitoral (que por lá ainda é impresso)

A partir dessa situação vergonhosa podemos olhar melhor para a nossa e encarar os descaminhos do ex deputado Roberto Jefferson e sua recepção a bala da polícia federal recentemente. Tal parece que – para ele – as instituições do nosso pais não funcionam e por isso pode atirar e jogar granadas nos representantes do estado.

Ele, assim como outras figuras públicas ou como um pai com seus filhos, educa pelo exemplo muitíssimo mais do que pelas palavras. É normal que se espere dos líderes uma liderança e é bom que se espere uma boa liderança.

Mesmo que se chegue à situação em que metade mais um da população brasileira gritasse por uma intervenção militar, ela não acontecerá. O Exército Brasileiro já se sujou as mãos uma vez e não o fará desta, até porque as condições não se dão.

Não corremos risco de uma invasão comunista até porque os próprios comunistas pensantes já optaram por outros caminhos. Todavia, como em todo crime, resta saber porque algumas pessoas assustam outros com este medo que era bem fundamentado em 1964, mas que carece de alicerce em 2022.

Não é a direita ou a esquerda que devem ser evitadas, é o pânico. O pânico bloqueia a capacidade de pensarmos e de agirmos. Nos incapacita de forma profunda e instantânea. E para piorar, é contagioso e se transmite pela fala (seja esta impressa, de corpo presente ou distante). NOTE: Não disse que não é para evitar o comunismo. Este, assim como o nazismo, devem ser evitados e combatidos. Todavia, numa simplificação a-la Hitler, se nomeia comunismo a tudo aquilo que cheira não-conservador.

O que deve ser evitado é o conluio com o poder público. A noiva (isto é, a Igreja) deve preservar-se pura para o seu noivo (isto é, Cristo). De nada serve dizer que confiamos em Deus, mas morremos de pavor de supostos poderes terrenos. De nada serve dizer que ele é nossa esperança se esquecemos da nossa história de salvação e corremos rapidamente aos quarteis para achar oportuno socorro no tempo da angústia. De nada serve dizer que amamos nosso próximo se o odiamos visceralmente por ele não pensar como nós. De nada serve dizer que confiamos em nosso Senhor para o futuro se nem consideramos a história, mas sim os contos que nos chegam pelo WhatsApp.

Há muito para ser reconstruído (ou redimido se assim o preferir). O Reino já foi instaurado. É nossa responsabilidade agir de acordo com os princípios desse Reino com o qual nem a extrema esquerda, nem a extrema direita, nem o extremo liberal têm alguma coisa a ver.

Como cristãos, voltemos ao básico: Jesus é Rei, o ser humano é reflexo dele e como tal precisa ser respeitado; cremos na liberdade de culto, de consciência e de credo; cremos na laicidade do estado; cremos na separação de Igreja/Estado.

O Reino de Deus está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ou dito de outra forma: não tem filiação política.

Como nação brasileira: voltemos a querer ser apenas brasileiros: sul-americanos plenamente envolvidos com nossos irmãos continentais em sintonia com o Manifesto Republicano de 1889. Muitos países de America Latina carecem de um bom exemplo republicano.

A agonia da espera

Ontem, por ocasião do falecimento da esposa de um amigo, tive que fazer uma pequena viagem passando por várias pequenas cidades. Todas elas tinham uma manifestação política. Ou a favor de Bolsonaro, ou a favor de Lula.

Em duas das ocasiões tive, por uma questão de trajeto, que participar na precisão: uma vez com os partidários de Lula e outra com os partidários de Bolsonaro. Tive então a esplendida oportunidade de desfrutar de primeira mão do sentimento das pessoas dentro da fila de carros como os que se encontravam à beira do caminho. Nos dois grupos vi a mesma coisa: uma felicidade indescritível de estar manifestando sua preferência política.

Se pensamos, isso era impossível há apenas algumas décadas. Aqueles que são favoráveis aos governos totalitários, esquecem do valor inegável da democracia. Aqueles que pleiteam por apenas um “estado de direto” em lugar de um “estado democrático de direito” esquecem não apenas a diferença, como nossa história e o que nos custou até chegar a colocar essa pequena frase na própria constituição.

Mas o que quero chamar a atenção sua hoje, domingo 2 de outubro de 2022 logo antes de fechar a eleição, é sobre como tem sido o trânsito da igreja (como instituição e como organismo vivo) nos últimos anos.

Seja como for – e seja qual for sua preferência política – é inegável que nestas horas finais da votação e antes de sabermos o resultado da primeira contagem, deve haver uma certa angustia nessa espera. Com um pais dividido politicamente como temos, é quase impossível ficar apático nesta conjuntura.

Então quero usar essa agonia circunstancial e temporária para lhe voltar a apelar ao pensamento crítico. Mas maiormente ao pensamento auto-crítico. Ou seja, uma reflexão sobre o último quinquénio.

Tenho a impressão de que a igreja (institucional ou orgânica) tem se digladiado por apoiar especificamente uma ou outra linha de pensamento político. Não que não haja necessidade das pessoas se posicionarem mas sim denunciar que a igreja (em suas duas dimensões) tem sucumbido perante os poderes terrenos. Como se a salvação viesse de alguma pessoa em particular ou de alguma linha política especifica.

Então, nessa angustia enquanto espera pelo resultado, pense se não é o caso de fazermos um quinquênio diferente em que o Senhor da Igreja seja de fato o único Senhor e Ungido em todas as esferas da vida.

A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

Filipenses 3:20

Acolhida transformadora

A liberdade com o conteúdo que o seu criador quer

“COMO é possível que ele queira ser policial!?” bradou Ernesto, “Olha só o passado que ele tem”.

Ele se estava referindo ao relato que estava sendo transmitido em que uma policial rodoviária federal contava sobre a vida de alguém chamado Biel. 

Ela tinha conhecido Biel numa abordagem por roubo. Assaltante a mão armada, violento, nada na vida do Biel parecia indicar que havia um bom caráter ou alguma coisa assim que condissesse com a ideia persistente  ” quero ser policial”

Certo dia esta policial chamada Pamela encontra o Biel num carro que – obviamente – tinha sido roubado. – “Não fui eu que roubei” disse Biel  à policial. Ela cumpriu com seu dever e o levou para a delegacia para atua-lo. Não foi pouca a surpresa dela quando reparou que ele era bem conhecido naquela delegacia. O coração dela (ou como ela mesmo disse: “o coração de mãe“) se abalou. Como era possível que alguém de tão curta idade já fosse tão conhecido numa delegacia?

Sob a premissa de “alguma coisa devo fazer por ele” começou a buscar um jeito de ajudar o Biel a se endireitar. Pensou em adoção até ou quem sabe uma interdição. Entrou em contato com vários policiais de diversas guarnições que ela conhecia: civil, militar, federal, rodoviária. Falou com assistentes sociais, promotor, juiz. Ela tinha que fazer alguma coisa.

Havia uma razão muito forte para Biel viver nessa contradição existencial: ele tinha sido estuprado quando pequeno. Quem sofre este tipo de violencia podem reagir de diversas formas: ostracismo, rebeldia, ódio, pavor, e outro sem fim que fogem ao propósito desta análise. Biel tinha ficado cheio de ódio pelo momento de impotência e submissão forçada. Mesmo tendo bons desejos, mesmo sabendo qual era um bom caminho para ele, não encontrara outra forma de expressão do que esse ódio mortal numa forma de devolutiva visceral para a sociedade que não o soube cuidar.

Na busca por proteger o Biel, Pamela junto com o promotor, a assistente social e o juiz chegaram à conclusão de que uma interdição poderia ser o apropriado. Com a papelada pronta para a interdição e em mãos a policial foi à procura do Biel.

Tarde demais. Biel tinha sido morto de forma violentíssima. Tinha apenas onze anos.


A atitude da Pamela é, sem lugar a dúvidas, aquela que mais faz falta na sociedade. A sociedade que nos tocou viver, está rapidamente se degradando para o ódio e a polarização. A incompreensão do outro – em plena época da hiper comunicação assistida por computador – roda solta amparada por um falso anonimato e uma pseudo-impunidade.

A coisa mais simples e legalmente correta a ser feita seria o de deixar o Biel crescer desse jeito entrando e saindo de diversas instituições até que o próprio crime tomasse conta dele ou se tornasse civilmente adulto para responder por algum crime e, então, trancafiar ele pelo maior tempo possível.

Só que Pamela, contrariando a ditadura do ódio, vá ao encontro do desvalido. Consegue perceber atrás dessa couraça de ódio e ressentimento um menininho carente, solitário, machucado com uma ânsia louca pela vida e com bons ideais mas apavorado, em pânico.

A estas alturas, os partidários de “bandido bom é bandido morto” já devem de me estar crucificando pois “uma vez bandido, bandido para sempre”. Vão me dizer que estou vitimizando o agressor mas isso não passa de uma simplificação absurda que apenas serve para alimentar mais a roda do ódio em que vivemos.

Por outro lado, a turma do “a culpa é da sociedade” já deve estar achando que eu penso desse jeito e culpo aos pais, à sociedade, ao governo, ao estado a Deus ao diabo por tudo o que de ruim acontece com a humanidade. Não se vista tão rápido que com certeza não vai querer me acompanhar no restante da viagem.


Algumas práticas que anteriormente eram crimes, hoje já não são mais e outras estão indo caminho a deixarem de ser crimes. A sociedade (por ser em maior números que os defensores da lei e da ordem) acaba se impondo mesmo que a escolha dela não seja a melhor ou a mais adequada a longo prazo. 

Veja o caso de uso de Cannabis. O porte para uso pessoal é uma evasão à regra de que todo tráfico de entorpecentes é crime. Há uma suavização perigosa em que se deixam as famílias lutando sozinhas com tão grande flagelo. E não me estou referindo ao uso medicinal ou ao uso recreativo após 24 anos. Me refiro ao uso desenfreado em crianças de todas as idades.

Um outro caso que deixou de ser crime e vá em vias de deixar de ser chamado de pecado é o adultério. Independente das razões que possam impelir uma pessoa a pular a cerca, antes era um crime passível de morte, de cadeia, de multa e agora não é nem sequer infração. Já já vai surgir alguém falando que é uma “virtude libertadora” ou coisa assim.

Ainda conservamos um pouco de decência nos assassinatos. Mas isso é porque pode afetar a qualquer um e a qualquer hora. Não é porque queremos – como sociedade organizada – seguir algum mandamento divino ou sequer porque desejemos construir coisas boas e virtuosas. Trata-se apenas de medo. É fácil descaracterizar o aborto como crime, ou o adultério como crime, ou o uso de entorpecentes como crime pois a chance de que isso passe sob o teto do legislador é bem baixa e se acontece, não é tão grave como a morte, já que ela vem para ficar permanentemente ao passo que os outros sempre cabe a chance esdrúxulamente hipotética de desfazer o mal perpetrado.


Pamela queria acolher o pequeno criminoso. Os atos que ele praticara não se qualificam como atividades extracurriculares do ensino fundamental ou tarefa de casa da escola bíblica da igreja local. Todavia, enxergar alí outra coisa do que um microcosmos da realidade humana é de uma brutalidade e desconhecimento terríveis. 

Há em cada um de nós três necessidades básicas: Aprovação, Aceitação, Apreço. (Coloquei as três com A para facilitar a memorização). Em condições ideais, uma família (e por extensão a sociedade à que pertence) irá entregar essas três coisas para seus participantes em especial os mais novos.

É importante mencionarmos isso, porque a palavra acolhida para muitas pessoas acaba soando como se fosse sinônimo de uma das três ou das três quando se trata de outro termo que precisa ser explorado.

Se bem as três características estão amarradas, não são equivalentes nem uma substitui a outra. Por exemplo, uma filha que sempre foi aprovada por ter notas altas na escola e que é aceita devido às amizades que tem, mas que nunca recebe um sinal de apreço do pai, cresce com uma ideia bem distorcida de si e – por conseguinte – da relação com os outros, em especial os homens. É uma forma complexa de dizer para a menina: “Você serve apenas para produção. Não para ser amada”

Pamela escolheu o caminho difícil: acolher o pequeno apesar e por causa da sua vida de criminoso. A turma do “bandido bom é bandido morto” não consegue enxergar o individuo com suas mazelas. Me parece que é uma opção por medo e não por razão. Já a turma do “a culpa é da sociedade” também não consegue enxergar o individuo com suas responsabilidades. A vergonha da própria incapacidade de decidir pelo certo torna este grupo num alvo fácil do “divide e vencerás” ou de “nivelar pelo mais baixo”.

Pamela escolheu o caminho complicado da acolhida que não tem a ver com aprovação, não tem a ver com aceitação não tem a ver com apreço mas tem muito a ver com o amor sacrificial esperançoso. É uma forma bem prática de reconhecer algumas coisas: 1) Sim, a sociedade na sua forma mais básica (a familia) falhou em te proteger, Biel. 2) Sim, você tem um propósito bom, Biel. 3) Sim, do jeito que você está fazendo vai continuar a se machucar e machucar os outros, Biel. 4) Sim, a vida pode ser terrivelmente dura mas estou aqui para te ajudar, Biel.

Pamela não estava aceitando os crimes do Biel, estava aceitando o Biel.

Pamela não estava aprovando as decisões do Biel, estava aprovando os sonhos e futuras decisões do Biel.

Pamela não estava apreciando esse Biel que machucava os outros mas sim aquele que fora machucado no seu ser mais íntimo e fraco.


A acolhida cristã deve ter esses componentes em que se permita a um individuo fitar os olhos em Cristo – apesar de suas decisões e desejos errados – e o fortaleça nessa caminhada. 

A acolhida cristã estabelece um padrão elevado e responsável de conduta pessoal sem deixar de observar que “o pecado que tão fortemente nos assedia” faz um estrago tremendo na imagem do ser humano. Há um delicado equilíbrio entre o “fui tentado” e “reconheço que cedi”. Isso é assim desde o Eden e não vai mudar até a finalização do estabelecimento do Reino.

A acolhida cristã não reduz o nível da vara para facilitar a entrada do pecador empedernido. Também não alarga a porta para que o camelo possa passar com toda sua carga. A acolhida cristã transita o estreito caminho que desvia o pecador da larga estrada que ele está levando elevando o nível da sua consciência e levando-o a um patamar até então desconhecido.

A acolhida cristã não se espelha na acolhida mundana em que não se chama mais o pecado de pecado por não ter a sociedade qualquer forma de solução para dito problema. A acolhida cristã passa pelo modelo de Jesus o Messias em que – por amor a esta sua criação – se aproxima dela em forma humana bem definida e de lá resgata os seus para poder levar “cativa o cativeiro” (Ef 4:8)

Finalmente, é necessário lembrar que todo pecado nada mais é do que uma expressão dos desejos mais viscerais do indivíduo. Isso se aplica à prática do adultério, à prática do assassinato, à prática da homossexualidade, à prática do estupro, à prática do roubo, à prática do abandono da congregação mas também se aplica ao que anda no coração do indivíduo sem por isso chegar alguma vez a ser praticado e é ali onde se desmancha toda a ideia de uma acolhida para continuar a prática do pecado sem peso na consciência, pois é lá – no fundo do mais recôndito da nossa identidade – que Jesus, o Cristo quer ser Rei.  Fazer qualquer outra coisa e continuar a chamar de “cristianismo” é um deboche da fé cristã já que na fé cristã o alvo maior é a restauração do plano original e é para lá que nós vamos.

Junte-se a nós: Acolha para transformar.

Vencemos!

Uma visão pesimista sobre o fim da pandemia

Aviso aos navegantes: esta é uma obra ficcional escrita durante a pandemia do COVID19. Ainda estamos em isolamento social e – talvez – indo para lockdown.

Esteban d. dortta – Maio 15 2020

Por fim vencemos!

Após meses de luta, de reclusão e ao custo de várias vidas conseguimos vencer o vírus que tão terrivelmente assolou a humanidade durante mais de um ano. Parece mentira que possamos andar livremente de novo pelas ruas, respirar o ar fresco, tomar um café na padaria, reencontrar os amigos.

Aos poucos a sociedade se recompõe da sua forçada letargia que lhe foi imposta para poder sobreviver. É verdade sim que muitos empregos foram perdidos e vários deles para sempre. Mas também é verdade que algumas coisas que antes fazíamos de um jeito as passamos a fazer de outro.

Para trás fica o tempo de medo e pavor que este vírus provocou na gente. Junto com o medo, foram-se a ansiedade, a incerteza, o desassossego por não saber qual dos nossos em que canto do mundo o vírus ia pegar.

A falsa sensação se segurança que a rotina dá, placidamente começou a tomar conta dos nossos corações. Assim como o sol morno de uma manhã outono nos esquenta as costas, aos poucos fomo-nos aquecendo e esquecendo do terror do isolamento. Para trás ficam a calamitosa dependência de amigos de verdade, família, Deus. Ao final das contas, quem – de fato- precisa de algum deles agora que estamos bem?

Não mais frases de alento ou de aconchego, não mais dicas de como amar o próximo em situação de convívio forçado, não mais orações comunitárias nem expressões de saudades. Quem precisa de meu esforço e dedicação, quem realmente merece toda minha atenção é a profissão, o trabalho, o serviço, … o dinheiro. Ao final das contas, quem vive sem ele?

Os poucos vamos mentindo e enganado os outros dizendo que aprendemos muitas coisas durante a pandemia. Mas o que é que de fato aprendemos se assim que podemos voltamos a fazer as mesmas coisas que fazíamos antes?

No que hoje – em meados de 2021 – somos melhores do que éramos em final de 2019? Nos tornamos mais honestos em nossos negócios? Temos mais misericórdia com o próximo? Somos mais amorosos com nossos filhos? Damos mais tempo para nosso cônjuge? Deixamos um tempo livre apenas para estar sozinhos e pensar?

Não, óbvio que não! Isso ai é para fracos! Para tolos que não entendem que o que realmente interessa é correr dia após dia. Isso é apenas para aqueles que se interessam com coisas que pareceram ser importantes durante um tempo, mas o que realmente interessa está lá fora e longe de mim: as coisas que não tenho, os amores que não me deram, os viagens que não realizei e outras coisas semelhantes a estas.

Mas não posso dizer isso, “pega mal”. É por isso que mentimos e dizemos que aprendemos, que somos diferentes, que a sociedade está melhor. E é por essa mesma razão que minto que estou mentindo e falo a mim mesmo e repito até o convencimento “saímos melhor do que estávamos, vencemos!”