Todos nós amadurecemos com o tempo. Da mesma maneira acontece com a fé que um dia recebemos do alto, do Pai das luzes. Não a recebemos pronta, madura e, também, nesta vida, não a tornaremos completa, inabalável e plena dentro de nós. A caminha, ou melhor, a longa caminhada ao Eterno é um misto de abalo e fortaleza dessa fé. Uma certeza tenho sobre ela: veio do alto e cumprirá juntamente em nós o propósito para que foi enviada.
Sobre ela, a fé e caminhada cristã, quero refletir utilizando uma analogia:
Nós, como num ciclo, vivemos as estações da vida. Assim como as estações do ano surgem saudando as etapas, na nossa existência e fé acontece igualmente. Doce é o sabor do princípio da caminhada cristã. Muitos a identificam como a primavera, a primeira fase do período quente do ano, ou primeiro verão. É nessa estação de temperatura e humidade moderadas que normalmente somos atingidos pela experiência do profundo amor de Deus e, reconhecemos nossa profunda necessidade do Eterno. É nesse primeiro momento, onde a fé infundida começa a mudar nossa cosmovisão, é que começamos a crescer e a trilhar um novo caminho, com os mesmo pés em uma nova estrada, mas com um novo destino.
Quase que concomitantemente (dependendo da experiência com a primeira estação), somos levados à segunda fase dessa nova vida, ou seja, a segunda fase quente: o verão. Seu significado diz tudo, pois é o tempo da frutificação. Frutificar do que? Da primeira estação da vida, dos primeiros passos no novo e vivo caminho; das percepções e paradigmas convertidos. Essa é a fase do ver as obras das nossas mãos, ou do ver para crer que o resultado é favorável. Deve ser, principalmente, o “segundo início” na caminhada, o de enxergar o próprio crescimento rumo à maturidade ainda não alcançada. A crescente “evolução” da fé é vista nesta etapa, onde já nos é legitima e dela nos apropriamos e a vestimos.
Talvez passemos bom tempo, bons anos nessa estação. Penso que seja a estação mais favorável e cômoda ao cristão. O problema é que, como num ciclo, precisamos prosseguir enfrente. Pararmos uma etapa ou, conscientemente, nos estagnarmos nela é regredir no caminho de fé. Digo isso porque viver do “leitinho” eternamente e não progredir é regredir em vista do que nos espera: a maturidade. Poucos, hoje, são os que buscam mais, anseiam por mais. Os que negam ir além, na maioria das vezes, são os que, movidos por ventos de doutrinas, perderam o foco do evangelho no caminho e, como consequência, desviam os olhares dos outros; fazem nesta estação uma tenda e ali permanecem até morrer (espiritual e fisicamente).
Aos que entenderam a proposta da peregrinação da fé, a estes surge uma nova estação, a primeira do período frio: o outono. Também começa, a partir daí, o tempo do ocaso. Nesse período algumas coisas que nos eram inteligíveis tornar-se ininteligível. É aqui que o sol começa a se pôr e não mais vemos para crer ou cremos porque estamos vendo. É nessa fase que o amor de Deus parece ficar distante e Sua presença sempre presente parece não ser mais palpável. É aqui que começamos a enxergar momentos de escuridão. Por quê? Entendo que é o momento onde, gradualmente, começa a prova da fé que um dia foi nos dada. É o tempo das dúvidas constantes, do descaso sempre presente, das indisciplinas espirituais e dos descompromissos na caminhada. É o momento das frequentes perguntas: Onde está Deus? Por que estou assim? Ou sentindo isso? O que aconteceu?
Geralmente nós – consciente ou inconsciente – buscamos dar os passos para a maturidade da fé. Seja por meio dos estudos, de envolvimento mais profundo com as pessoas, ou por vontade de encarar o tal “chamado de Deus”, ou até por querer deixar o caminho. Desse tempo de ocaso sempre surgem feridas profundas, desapontamentos, desesperança, descrença, descrédito (…), e não vemos mais um rumo melhor a nossa frente. No entanto, no ocaso, antes da total escuridão da noite e seu frio impetuoso, reluz um vago momento de crepúsculo. São instantes espetaculares do amor de Deus. Esse amor não se manifesta como na nossa infância da fé (primavera); ele simplesmente “é”, e sendo, dá provas de que estará sempre conosco, em direção ao longo caminho que ainda há por vir. É daí que juntamos forças para continuar prosseguindo.
Inicia-se, então, o segundo período de frio. Esse, mais intenso que o primeiro. Entramos no inverno da vida cristã; a estação mais fria e sem produtividade. Não sei como muitos interpretam essa peregrinação, mas entendo que aqueles que aqui chegam nunca mais saem (explicarei no final esse pensamento). Esse é o tempo, inicialmente, de reflexão consciente da fé, dos confrontos com a religiosidade adquirida e impregnada de toda uma vida vulnerável aos atalhos que tomamos nas estações precedentes. Também é o momento da frieza do ser, do tornar agudo toda voz que achamos ser Deus. Perdemo-nos da espiritualidade que pensávamos ser sadia e não mais temos o acalentar da espiritualidade mística outrora viva no coração e nas sensações. Ficamos sem o cobertor e, então, devemos escolher entre enfrentar ou enfrentar o frio do inverno. Ah como dói!!! Ah como somos enrijecidos pelo inverno!!! Nosso choro é de fraqueza e solidão.
Entretanto, existe um segundo momento do inverno: o enfrentamento do frio e o prosseguir adiante. No enfrentamento do frio, que se estendeu sobre a caminhada de fé, reconhecemos a liberdade de ser cristão. Não mais dependemos das experiências de fé da primavera e nem dos frutos tão deliciosos do verão – pois isso não aviva mais o interior; chegamos ao ponto onde toda a caminhada tendia a nos levar em direção a maior prova da fé: a solidão. Não falo de uma solidão sem pessoas. Mas de uma solidão onde tudo o que nos tornamos como cristãos será experimentado no “a sós” com o Eterno e, então, o caminho (primavera), a verdade (verão), a vida (outono) serão mostrados como a jornada rumo àquele que enfrentou o maior inverno durante sua existência na terra. O inverno se torna a nova caminhada, a nova consciência, aquilo que poderíamos chamar de “caminho da cruz”.
Ao olhamos para Jesus, quando esse se tornou consciente de Sua jornada e missão, peregrinou sempre rumo a cruz. Ele logo entendeu que Sua vida era trilhar em meio ao “inverno”. Por isso acredito que para quem o inverno chegou, só sairá de lá na ressurreição. O inverno, por mais frio e infrutífero que seja, é o encontro com Aquele que pode fazer do nosso caminho uma jornada frutífera e milagrosa a partir do inverno. Ele, o dono da fé que opera em nós, espera que nos encontremos com Ele lá, na estação do inverno, onde não mais temos controle do que somos, do que queremos e do que podemos. Lá, rendidos à liberdade e a autoridade de quem passou pelo inverno da vida e se entregou à morte por nós (substitutiva), ali encontramos o verdadeiro sentido da caminhada de fé (participacionista).
RCampos…
