Nosso melhor desafio

Em muitos chamados bíblicos, incluindo o de Abrão, há um elemento migratório. Sempre há um movimento, uma deslocação. No entanto, esse deslocamento não é infinito; chega um momento em que o convocado deve se estabelecer e transformar a sociedade na qual se encontra. A mesma confiança exercida na saída deve agora ser colocada no afincamento, conforme expresso em Gênesis 12:2-3, onde Abrão é chamado a ser uma bênção para os outros.

Chamado Migratório na Bíblia

A Bíblia está repleta de histórias de migração, onde personagens como Abraão, Sara, Jacó e até mesmo Jesus são retratados como migrantes. Essas narrativas não apenas descrevem movimentos geográficos, mas também revelam um profundo significado teológico. A migração na Bíblia é frequentemente um chamado divino, que envolve deslocamento, estabelecimento e transformação.

O Chamado de Abraão

Um Modelo de Migração e Estabelecimento

O chamado de Abrão (depois chamado de Abraão) é um dos mais emblemáticos exemplos de migração na Bíblia. Em Gênesis 12:1-3, Deus instrui Abrão a deixar sua terra natal e sua família para ir a um lugar que Ele lhe mostrará. Essa jornada não é apenas um movimento físico, mas também um ato de fé e confiança em Deus. Abraão é chamado a ser uma bênção para todas as famílias da terra (Gn 12:3), o que implica não apenas estar em um lugar, mas ser naquele lugar, encarnando uma mensagem de esperança e salvação para o contexto local.

Abraão e Sara percorrem a terra prometida, enfrentando desafios como fome e ameaças, mas também experimentando a fidelidade de Deus (Gn 12:10-20; 13:1-4). Eles se estabelecem em diferentes locais, como Betel e Hebron, e ao longo da jornada, Deus renova suas promessas, assegurando-lhes descendência e terra (Gn 15:7; 17:1-8). A história de Abraão nos ensina que o deslocamento não é infinito; chega um momento em que o convocado deve se estabelecer e transformar a sociedade na qual se encontra.

Jesus: O Migrante Encarnado

O maior exemplo de migração e encarnação é Jesus Cristo. Ele se encarnou em um lugar que não lhe era por natureza, mas que lhe era por adoção (Lc 2:1-14). A família de Jesus foi forçada a migrar para o Egito para escapar da perseguição de Herodes, tornando-se refugiados (Mt 2:13-15). Jesus peregrinou na terra de Israel, pregando o Reino de Deus e trazendo mudanças eternas, apesar de ser rejeitado por muitos (Mt 4:17; Jo 1:11).

A encarnação de Jesus é um ato radical de migração, onde o Filho de Deus se torna humano e habita entre os seres humanos (Jo 1:14). Como o Messias, as mudanças que Ele trouxe e pelas quais passou são permanentes: repare que não existe tal coisa como “desencarnação”. Após a ressurreição, Jesus ascendeu ao céu e agora está à direita de Deus Pai (Atos 1:9-11; 2:33; Efésios 1:20; Colossenses 3:1; Hebreus 1:3; 1 Pedro 3:22). Isso indica que, em seu corpo glorificado, Jesus está em um local específico no céu. Muito embora sua natureza divina permita que Ele seja presente em todos os lugares (Mt 28:20; Jo 14:23).

É importante notar (para não assustar o leitor desavisado) que a presença de Jesus não é apenas uma questão de localização física. Ele prometeu estar conosco até o fim dos tempos (Mt 28:20), o que sugere que, apesar de estar fisicamente no céu, Ele continua presente entre os crentes através do Espírito Santo (Jo 14:16-17; 16:7). Essa presença espiritual não é limitada pelo espaço ou pelo tempo, permitindo que Jesus seja simultaneamente em um local específico no céu e operando em todas as partes do mundo através da fé dos crentes.

Isso nos lembra que a resposta ao chamado não apenas produz mudanças drásticas no destino temporário da peregrinação, mas também no que migra para sempre.

A Igreja e o Chamado Migratório

A igreja, como corpo de Cristo, é chamada a seguir esse modelo de migração e estabelecimento. Devemos nos mover com a confiança de que estamos sendo guiados por um propósito maior, e ao nos estabelecermos, devemos buscar transformar positivamente o mundo ao nosso redor. Isso significa encarnar a mensagem do Evangelho em cada contexto local, tornando-nos bênção para as comunidades nas quais estamos inseridos.

No entanto, a igreja frequentemente claudica nesse chamado. Em vez de se estabelecer e transformar, muitas vezes se contenta em apenas estar presente. A radicalidade do “experimento cristão” reside exatamente no âmago desse chamado: ser sem deixar de ser. Devemos ser capazes de nos adaptar e nos estabelecer em novos contextos sem perder nossa identidade em Cristo.

Conclusão

Em conclusão, a ideia de migrar e se estabelecer é um chamado contínuo para os cristãos. Para todos eles. Quando lemos este tipo de coisas, imaginamos que estamos falando de missões no sentido clássico (isto é com William Carey, século XVIII em diante) em que vamos para muito longe para sofrer muito.

Através das histórias de Abraão e Jesus, aprendemos que o deslocamento não é apenas um movimento físico, mas um ato de fé e confiança em Deus. Devemos nos mover com a certeza de que estamos sendo guiados por um propósito maior e, ao nos estabelecermos, buscar transformar positivamente o mundo ao nosso redor. Assim, podemos encarnar a mensagem do Evangelho e ser bênção para as comunidades nas quais estamos inseridos, como Abraão e Jesus fizeram antes de nós.

Não se trata então, para a maioria de nós, de um deslocamento em muitos quilômetros. Mas após ler estas linhas, faça um teste. Vá caminhando até uma rua perto da sua casa que você não conhece ou pela que pouco transita ou passa apenas de carro. Fale com as pessoas. Apenas fale… você vai entender.

Um perdão diferente

Somos uma espécie estranha. Precisamos do perdão para viver, mas não sabemos perdoar nem pedir perdão. Tenho a impressão que não queremos o perdão.

Faz uns anos atrás um colega de serviço traiu a mulher (e os filhos, obvio) Como eu já tinha passado por essa experiência, me aproximei para ver se podia – de alguma forma – ajudá-lo a reverter a situação. Grande foi minha surpresa quando em lugar de ouvir “eu já pedi perdão para minha esposa” ouvi “eu já perdoei minha esposa“. Tentei sem sucesso lhe explicar que era ao contrário. Ele não conseguia entender que quem havia errado era que devia confessar, se arrepender e ser perdoado. Mas não era que ele culpasse a esposa não. Era que ele não entendia mesmo a diferença entre “pedir perdão” e “perdoar alguém“. Na cabeça dele, ele estava fazendo corretíssimo porque ele era quem tinha errado. Óbvio que era um problema de ordem semântico, mas imagina como a mulher não entendia nada do que ele falava.

Na oração modelo, Jesus nos ensina “E perdoa nossas ofensas assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido“. Ou seja, há uma relação direta entre nossa capacidade de perdoar e a medida de perdão que temos recebido.

Um livro que minha esposa gosta muito é “Um amor que vale a pena” de Max Lucado. Há vinte anos eu me neguei a ler por pura altaneria, orgulho e ignorância. A tese do livro é simples: você só pode dar aquilo que tem. Então, se nunca você foi amado, nunca vai conseguir amar. Se nunca foi perdoado, nunca vai conseguir perdoar.

A ideia vale no sentido inverso: se alguém não ama, é porque não conhece o amor. Se alguém não perdoa, é porque não tem tido acesso ao perdão.

As características de um novo pacto

A nova aliança em Jeremias 31:27-34 não é um remendo na velha, mas um ponto de ruptura. O ciclo de erros herdados termina. Antes, os filhos arcavam com as falhas dos pais, como se o pecado fosse uma dívida automática. Agora, cada um responderá por si. Deus planta e colhe indivíduos, não mais apenas um povo como bloco monolítico. A fé não se transfere por osmose, nem a justiça se delega. A Liberdade está no centro da questão.

Isso muda tudo. Não há mais desculpa. “Ah, fui criado assim”, “me ensinaram assim”, “meu avô era assim”. Jeremias anula a terceirização da culpa. Cada geração recebe uma folha em branco para escrever sua história com Deus. Cada um decide se será escravo do passado ou agente de uma nova realidade. A aliança agora se inscreve no coração. Se está dentro, não há para onde correr. Ou se assume ou se rejeita.

Na teoria da recapitulação (Irineu de Lyon, que viveu aproximadamente entre 130 d.C. e 202 d.C.), Cristo não apenas morre e ressuscita; Ele refaz a história da humanidade. Ele é o novo Adão que não falha, que obedece onde o primeiro desobedeceu. A nova aliança não joga fora o que veio antes, mas leva ao destino que a primeira não conseguiu alcançar. A lei gravada em pedra ensinou, mas não transformou. Agora ela é impressa no coração. Não se trata mais de decorar preceitos, mas de ser tomado por eles.

Paulo, em Romanos 5:12ss, desenha essa linha do tempo. O primeiro Adão trouxe condenação; o segundo traz restauração. Mas restauração não é automação. O fato de que Cristo pagou o preço não significa que todos os boletos foram automaticamente quitados. A nova aliança coloca o indivíduo diante de sua responsabilidade. Se antes havia um peso herdado, agora há uma decisão intransferível. Não adianta mais jogar a culpa no contexto, na sociedade, nos outros. Ou se nasce de novo ou se permanece na morte.

As consequências na igreja hoje.

Se a igreja de hoje entendesse isso, ela não seria um sistema fechado, mas um organismo vivo. Não existiriam mais cristãos de tabela, aqueles que apenas seguem a onda porque foram criados assim. O erro de muitos hoje é tentar viver um evangelho herdado, como se fosse possível ser genuíno por tradição. Jeremias destrói essa ilusão. A fé tem que ser escolhida, assumida, gravada no peito como um selo que não sai.

Isso também acaba com o moralismo vazio. A nova aliança não gera um povo de aparência santa, mas de santidade real. Não é mais sobre seguir regras externas, mas sobre ser transformado internamente. O problema do legalismo sempre foi tentar produzir frutos sem raiz. Jeremias resolve isso ao colocar a Lei dentro. A mudança acontece de dentro para fora, ou não acontece. Isso significa que a hipocrisia morre. Não dá mais para fingir quando a exigência não está numa placa da igreja, mas cravada no próprio ser.

Outra consequência? A missão se torna inevitável. Quando a aliança estava fora, precisava ser ensinada. Agora, “ninguém ensinará ao seu próximo, dizendo: ‘Conheça o Senhor’, porque todos me conhecerão” (Jr 31:34). Isso não significa que a evangelização acabou, mas que ela se tornou natural. Quem tem a lei dentro testemunha sem precisar fazer esforço forçado (por mais pleonasmo que pareça). A missão deixa de ser um evento para ser um transbordamento. O evangelho não é mais algo que se aprende, mas algo que se vive. Quem está cheio derrama.

Se isso fosse real hoje, não haveria igrejas frias. O evangelho teria a força de uma explosão, porque não seria imposto, mas ardente em cada coração. A fé não dependeria de líderes carismáticos ou estruturas bem organizadas. Não precisaria de “entretenimento gospel” para atrair gente. Quem tem sede não precisa de publicidade para procurar água. A igreja seria irresistível, porque não se sustentaria em marketing, mas em testemunho vivo.

E o perdão? Jeremias 31:34 é categórico: “Perdoarei sua maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados.” Esse é o corte definitivo com o passado. A nova aliança não recicla pecados; ela os elimina. A culpa não é mais uma corrente no pé, arrastada por gerações. O pecado não define mais ninguém. Quem entra na nova aliança recebe uma nova identidade.

Se a igreja vivesse isso, ninguém ficaria preso ao erro de ontem. Não haveria mais a praga do rancor, das acusações, da cultura do cancelamento. O evangelho não seria uma religião de gente que se olha torto, mas de um povo que sabe o que significa ser perdoado e, por isso, perdoa.

No fim, Jeremias nos entrega uma bomba: a fé não é mais um contrato, é uma regeneração. Deus não quer um povo domesticado, mas um povo que vive a partir de uma nova natureza. E isso muda tudo. Não é mais sobre seguir Deus. É sobre ser de Deus.

Então, talvez, a derradeira pergunta (a “preocupação última” no estilo Paul Tillich) seria não se é possível ser perdoado, é se você está disposto a cortar com seu passado.

Uma “con-vocação” fragil

Quando consideramos o que aconteceu com Abrão (muitíssimo antes de ser chamado de Abraão) vemos que há paralelos com a nossa convocatória. A promessa feita de YHWH para Abrão também foi uma con-vocação: Abrão deveria fazer a si e aos “clãs agrários” o que havia sido feito a ele.


Tal parece que nosso Senhor tem uma queda por planos frágeis. Se somos parte de um grande plano conspiracionista como alguns dizem, este só cumpre com o propósito de exaltar um Deus (supostamente inventado) e rebaixar o ser humano que tão grande coisa se acha.

Esse deus que difere da pletora de deuses da antigüidade e dos atuais decide aparecer de vez em quando e todas as vezes que o faz a proposta é bastante radical. Geralmente os outros deuses demandam sacrifícios de coisas e seres alheios à própria pessoa para obter algum benefício seja comunitário ou pessoal.

Já este outro – o da suposta conspiração – está cheio de placas que apontam a rota de saída do sistema em que o vocacionado se encontra. De Noé a Filemos, a constante é o nadar contra a maré. Não há um lugar para a barganha. Assim como Adão, o chamado é para a obediência e a única opção restante é a desobediência. Claro que as consequências diferem das de Adão, mas se parecem às de Jonas ou às elencadas por Mordecai.

Bem aponta Yuval (seguindo a ideia de Frederico que “Deus está morto”) que os deuses de hoje são de cunho tecnológico e que a religião do momento – o humanismo – está sendo substituída pela veneração dos dados.

Nesse sentido, os deuses que nossa geração é chamada a abandonar são de uma penetração e presença muito mais abrangentes e o desafio do “con-vocado”, maior. Aqueles deuses da região mesopotâmica ficariam lá quando Abrão saísse da sua terra e da sua parentela. Já os atuais os carregamos em pequenos templos eletrônicos no bolso da calça e no coração.


Informe Kinsey à la Tupiniquim

Um pouco de história

Alfred Kinsey e sua equipe foram responsáveis por uma mudança profunda nas pesquisas sobre sexualidade humana.

Publicado nos Estados Unidos, o primeiro volume, “Sexual Behavior in the Human Male” (1948), e o segundo, “Sexual Behavior in the Human Female” (1953), revolucionaram a compreensão pública e acadêmica sobre o comportamento sexual.

Este estudo trouxe luz sobre a realidade (em comparação com o ideário popular) sobre assuntos tão variados como Diversidade do Comportamento Sexual, Incidência de Comportamentos Homossexuais, Masturbação e Fantasias Sexuais e Infidelidade e Relações Extraconjugais.

O Informe Kinsey foi controverso e enfrentou críticas por sua metodologia e por desafiar as normas sexuais vigentes. No entanto, também foi elogiado por sua contribuição para a compreensão científica da sexualidade.

Para chegar a tais resultados tão diferentes do que era o ideário popular, Kinsey e sua equipe lançaram mão de uma metodologia rigorosa e inovadora para a época envolvendo entrevistas detalhadas e padronizadas para coletar dados sobre o comportamento sexual de milhares de americanos como entrevistas pessoais e questionários estruturados.

Kinsey também fez um esforço consciente para incluir uma amostra diversificada de pessoas de diferentes idades, gêneros, orientações sexuais, ocupações e origens geográficas. Porém, vale ressaltar que a amostra não era totalmente representativa da população geral, o que foi uma das críticas ao estudo.

Seja como for, os entrevistadores foram rigorosamente treinados para que todas as entrevistas fossem feitas de forma consistentes e sem julgamentos visando garantir a precisão e a confiabilidade dos dados coletados.

Após a coleta a equipe tabulou esses dados e usando os melhores métodos estatísticos avançados analisaram as respostas identificando padrões e tendências no comportamento sexual. Esses dados são a base de muitos estudos e também de várias políticas publicas não apenas no grande pais do norte, mas em quase todo o mundo.

O Instituto Kinsey para Pesquisa em Sexo, Gênero e Reprodução foi fundado em 1947 pelo Alfred Kinsey na Universidade de Indiana nos Estados Unidos.


Uma reflexão

Entendo ser um ponto bastante comum dizer que o que é verdade nos Estados Unidos não necessariamente é verdade no resto do continente e muito menos no resto do mundo.

Isso bem pode ser verdade com aquelas coisas que são conseqüências das decisões culturais de cada povo ou nação, mas eu tenho a forte suspeita que até essas decisões são fruto de uma coisa mais profunda e viceral chamada natureza humana. Com isso não necessariamente me refiro a algo que seja completamente natural, mas sim adquirido na sociedade da qual a menor e mais importante representante é a própria família que absorve e promove certos valores ou o que elas acham serem os valores certos.

Logo, devo concluir que informes do tipo dirigido por Alfred Kinsey trazem à tona uma coisa que o teólogo já conhece: o ser humano é completamente depravado. Mas me aguarde antes de tirar suas conclusões tipo rede social. Isso aqui não é para passar por alto rapidinho.

Umas brutalidades

Dois fatos recentes têm exposto em nosso próprio solo a validade não apenas do informe Kinsey, mas de outros similares e da validade da Escritura em pleno século XXI assim como a necessidade de um aggiornamento nos nossos arraiais evangélicos (no excelente e bom sentido da palavra evangélico)

A pandemia de COVID-19 revelou várias coisas. Não apenas o perigoso desleixo com que vivemos a vida política pública representativa (que nada mais é do que isso, uma representação pública da nossa política mais viceral amarrada aos nossos medos e falências) mas também o quão enviesados somos assim como o quanto estamos longe, como famílias comuns, dos ideais que a própria sociedade promulga. Além dessas coisas, a pandemia também revelou o completo descalabro da igreja institucionalizada que demorou a usar os meios de comunicação eletrônicos e insistiu em aberrações sanitárias como a essencialidade do culto publico.

A outra coisa que a pandemia, ou melhor, o isolamento social decorrente da pandemia demonstrou é a incapacidade que temos de lidar com o diferente. Há várias fontes cientificas (isto é, que têm método mensurável por outras) que poderiam ser citadas, mas um bom resumo disso, vem da Anafe ao dizer:

Estudos demonstram que, durante o segundo ano de isolamento social decorrente da pandemia, o número de divórcios feitos em cartórios de notas do país subiu 26,9% de janeiro a maio só em 2021, em relação ao mesmo período de 2020. Se comparado a igual período de 2020, o crescimento foi de 36,35% em 12 meses.

https://anafe.org.br/divorcios-na-pandemia-que-dizem-os-dados/

Esses dados são seguros pois na conformação social em que vivemos, um divorcio formalizado impacta a criação dos filhos, mas – e isso é mais importante para muitos – as finanças do casal que se desmancha.

Então para além desses rompimentos formais, deveriam ser adicionados os informais.

Esta brutalidade da pandemia com todas suas conseqüências, e sendo um evento natural, expôs – como se o recuo das águas de um rio se tratasse – as pedras afiadas que estão no leito.

O que muito afligiu é que a igreja (em particular a ala evangélica em contraposição da fundamentalista) não deveria ter sido pega de surpresa. Ou seja, somos plenamente cientes não apenas da depravação humana (e com isso concordamos com o fundamentalismo) mas também temos acesso e aceitamos informes não ortodoxos como o de Kinsey que nos falam dos problemas e das agruras reais dos relacionamentos para lá dos ideais que pregamos. Voltaremos sobre isso.

As enchentes no Rio Grande do Sul (e é preciso falar em plural não apenas pelo fato ter se repetido mais de uma vez nos últimos anos, mas porque desta vez – em maio de 2024 – se repetiram várias vezes e de forma devastadora em um curto período de tempo) empurrou boa parte da população dos mais diversos estratos sociais a terem de viver e conviver de um modo diverso ao que estavam acostumados.

Se vendo nessa situação de mudança do seu habitat natural, o bicho ser humano manteve seus instintos mais viscerais funcionando em um numero que – espero – não é o total, mas o suficientemente alto como para alarmar. Tanto assim que o próprio governo do Estado do Rio Grande do Sul teve que disponibilizar abrigos separados para as mulheres e crianças numa volta rápida e obvia ao velho ditado de “mulheres e crianças primeiro”.

Nos inúmeros reportes televisados e “youtebizados” aos que assisti, um deles me chamou a atenção em que o repórter ou “youtuber” (não me peça para lembrar agora) mostrava uma rata escapando da agua da enchente. Triste representação gráfica do que acontece não apenas no RS mas no pais inteiro.

É redundante dizer o obvio: a população toda (ou pelo visto a grande maioria) sofre com o que está acontecendo no estado mais ao sul do nosso pais. Famílias inteiras mortas, mulheres e crianças sendo abusadas, casas sendo assaltadas e a infraestrutura tão necessária para a pronta recuperação quase que completamente destruída pelo poder da água.

Esse sofrimento – que já de por si seria terrível – se vê incrementado pela resposta irresponsável de alguns cidadãos. Algumas coisas me chocaram se bem que não mais deveriam porque eu sei que é fruto da mesma árvore e tenho visto esses frutos em repetidas ocasiões das mais diversas formas.

A mais simples dessas e aparentemente superficial é a disseminação de noticias mentirosas, ou fake news. Isso aliado com as teorias conspiratórias. Lia esses dias de que quem vive sozinho é mais propenso a crer e a disseminar teorias conspiratórias. Faz sentido. A noticia mentirosa – que muitas vezes surge como piada, sarcasmo ou informação parcial – encontra seu combustível nos vieses confirmatórios que todos nós temos. Ou seja, todos nós tendemos a aceitar e repetir informação que de alguma forma confirma ou reforça uma crença previa. Se bem ela encontra seu combustível na subjetividade individual, a via pela qual trafega atualmente é a das redes sociais onde um certo espirito de aparente anonimidade governa os usuários das mesmas as que – por sua vez – apenas lhe interessa o lucro sem lhe importar de forma séria e autônoma alguma forma de verificação de fatos. O remédio para isso? O mesmo que para a velha e conhecida fofoca: não repita se não sabe se é verdade. Se a “noticia” confirma alguma coisa que você acredita, desconfie. Se vem por uma rede social, desconfie mais ainda. Se vem apenas da família, tenha todas as reservas possíveis.

A outra coisa que me chocou e que acho cada vez mais repugnante é a falsa ideia propagada em nosso meio (falo do nosso por não ter autoridade para falar de outros, mas presumo que seja parecido) de que essas brutalidades como a tsunami na Indonésia ou a pandemia de COVID-19 ou as enchentes no Rio Grande do Sul são um castigo divino. Ou na sua expressão mais simples, desrespeitosa e carente de conhecimento tanto bíblico como social: “mereceram”ou “bem feito” ou “é castigo divino”

Há pessoas que não tem o mais mínimo temor ao falarem uma coisa dessas. Vamos primeiro pelo lado social. Conheço o povo gaucho. Viajei muito nos estados do Sul com meu pai. Se há algum lugar em que me sinto seguro é com os gaúchos. E não que não me sinta bem ou seguro em qualquer outro lugar já que sei dos anjos que o Senhor coloca em sua providência para cuidar-nos. Mas é que minha vivência com os gaúchos é de viceral confiança.

Lembro de que quando minha primogênita tinha alguns meses a levamos para que minha família a conhece-se. Era julho de 1996. Fomos de Corcel II movido a álcool numa viagem de 1700KM aproximadamente. Chegamos no Chuí, RS no horário limite para poder encontrar um lugar onde deixar o carro e pegar o ônibus para atravessar a fronteira até a casa dos meus pais. Não haviam serviços de internet como agora que pudéssemos ir abreviando tempo. Tinha que ser face a face. Dei uma olhada naquela noite escura e fui num posto de combustíveis que costumava ir com meu pai de pequeno. Fazia uns doze anos que não passava pela cidade. Enquanto orava, olhei para os frentistas e escolhi um. Chamavam ele de “alemão” por razões notórias. Falei “Boa noite, você mora aqui no Chuí, correto?”. Ele me respondeu “sim”. Ai afirmei “Você tem lugar onde eu deixar minha ximbica (já declarando que não morava em RS pois ximbica é carro velho em SP). Quanto me cobra para deixar ele vinte dias?”. Ele olhou assombrado para os lados atrás de mim e atrás dele e falou “Mas você me conhece?”. “Nem um pouco” – lhe disse – “mas conheço quem te conheçe”. Ele terminou de abastecer e me levou até a casa onde larguei o carro após desconectar a bateria e fui correndo para o terminal rodoviário. Quando voltei lá estava meu breguinha azul-calcinha completinho esperando por mim. Bateria conectada e duas partidas depois ele estava em marcha… a álcool e em pleno inverno gaucho.

Se alguém te diz que é merecido por causa do caráter deles, pergunta de imediato pela experiência que eles tem com tal povo. Pode ser que seja superficial, parcial, inexistente ou apenas está repetindo um ódio que recebeu de alguém. Agora, mesmo que alguns se comportem de um jeito inapropriado, é isso motivo de assegurar que é um merecimento para a população em geral?

Me é necessário atacar finalmente o problema do “castigo divino”. Não porque negue o castigo divino, mas porque nego a falta de seriedade e temor com que essa frase é dita. Há uma passagem de simples compreensão na escritura que deveria selar nossos lábios para dizer uma barbaridade dessas:

1 E, naquele mesmo tempo, estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. 2 E, respondendo Jesus, disse-lhes: Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? 3 Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis. 4 E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram mais culpados do que todos quantos homens habitam em Jerusalém? 5 Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis.

Lucas 13:1-5 (ARC2009)

Esse é meu problema. No fundo da expressão “Deus os castigou” está o pensamento de que eles são piores que os outros. Não, os gaúchos são iguais aos nordestinos, aos paulistas, aos paraenses, enfim… No sentido de culpabilidade perante o juiz eterno, somos iguais.

E pensamos assim, ao respeito de tudo, governo, família, opção sexual, religião, etc… Quando acontece uma desgraça nos apressuramos a dizer “E também, com a conduta que têm, o que você esperava?. Merecido foi.” Não apenas ao respeito de uma catástrofe natural, ou do estado do Sul, de tudo e todos. Nos parecemos ao fariseu da parábola:

11O fariseu, em pé, orava em seu íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: roubadores, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este cobrador de impostos. 12 Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’.

Lucas 18:11-12 (KJA)

A patética condição humana

Foi a pandemia chegar ou as aguas subirem que se colocaram em funcionamento duas coisas: pessoas realmente interessadas em ajudar o próximo e os aproveitadores de plantão.

Sobre o primeiro grupo, não tenho nada a falar a não ser que nunca é de menos e de que – mesmo a própria tarefa sendo ingrata ou incômoda – o resultado final é muitíssimo bom e agradável. Vale a pena.

Já sobre os outros, gostaria de me distanciar dos pensamentos de segregação como se eles fossem outra coisa que não seres humanos. Precisam sim serem tratados de forma diferenciada porque seus atos (alguns deles bestiais) demonstram o quão baixo caíram e o convívio com o restante da população é impossível. Esse é um desafio constante para a sociedade mas é bem simples de resolver se aceitamos que há inocentes ou que – de fato – há pessoas mais vulneráveis que outras. O velho adagio de “mulheres e crianças primeiro” deveria ter aparecido antes nessa equação.

Agora, o que estes seres de conduta réproba colocam em claro é que a raça humana está degradada. Há os que escondem melhor que os outros. Há alguns que nunca serão tido como pessoas de baixo calão ou de alma imunda. Pelo menos não deste lado da eternidade. E há os outros que – quase como animais – mantêm suas práticas privadas em ambientes de convívio público emergencial. (Como a grande maioria faz nas redes sociais)

Em lugar de assustarmos e apontarmos o dedo, devemos de aceitar que sob a camada idealizada de uma sociedade composta por famílias que funcionam de acordo com um determinado padrão, há uma realidade obscena, suja, violenta que insiste em se manter com vida.

Não que os ideais não estejam corretos. Os ideais estão certos. Mudar os ideais por ideias mais simples é apenas baixar a barra. Diminuir o ideal apenas contribui para descobrirmos novas formas de violência talvez mais sutis e sorrateiras.

Agora, declararmos que vivemos em dissonância com o ideal proposto com a Bíblia, ajuda grandemente na resolução dessa equação. Aliás é apenas o primeiro ponto para uma possível solução. São coisas que devem ser ventiladas em nossas Escolas Bíblicas, nos nossos cultos e nos nossos estudos bíblicos nas casas. Não se trata de abandonar o ideal, se trata de reconhecer que acreditar num ideal não é de forma alguma uma garantia de que nossa construção social está em consonância com ele.

Em algum sentido o ideal bíblico é uma utopia. Ou seja, é um lugar que não existe. Uma fantasia, um devaneio, um sonho. Ou dito de outra maneira: não existem famílias perfeitas. Ficou mais fácil assim? Então, a formula fácil esconde a dificuldade. A utopia nos propõe um local para além da realidade. Ou seja, um ponto no infinito para ser o alvo pelo qual caminhar nesta vida. Alvo este que – sabemos desde o início – não será alcançado em 100%, mas o mais perto que cheguemos do alvo é melhor do que trazer o alvo para níveis mais palatáveis ou “menos utópicos”

As enchentes no Sul, assim como o informe Kinsey, nos escracha uma realidade patética da nossa sociedade que tentei expor brevemente aqui. É uma forma brutal de expor a realidade. O apelo deste pequeno escrito é a lidar com essa realidade sabendo que – assim como o informe Kinsey tem se comprovado na observação de outras sociedades distintas da estadounidense – essa mesma realidade está presente em nossa sociedade em geral e em nossa igreja em particular. Viver em negação além de não ajudar em nada a não ser piorar as coisas, é uma vergonha e perca de tempo.

Derretimento, fluidez, desassossego

Em geral, as pessoas estão fluindo à busca de uma identidade pessoal e de uma religião que se encaixe nessa identidade. Não ao contrário.

O fenômeno pode ser explicado pelas transformações que ocorreram na sociedade e na religião atualmente à medida que a sociedade se torna mais diversa e plural.

A busca por maior autonomia e liberdade religiosa é um dos principais motivos para o desenvolvimento de novas experiências religiosas ou religiosidades não convencionais. Em vez de se vincular exclusivamente com instituições religiosas estabelecidas, as pessoas estão mais inclinadas a explorar diferentes tradições religiosas, práticas espirituais alternativas e formas personalizadas de religião formando assim seu próprio cardápio. Como se deu grande Subway espiritual se trata-se.

Além disso, ideias e práticas religiosas não convencionais têm se espalhado devido a mudanças nas dinâmicas sociais, como a urbanização, a globalização e o impacto da mídia. As tecnologias modernas também ajudaram muito, permitindo acesso a várias opções religiosas e informações.

É importante lembrar que as tradições religiosas cristãs no Brasil continuam existindo, o que mostra que essas mudanças não anulam a importância e o impacto duradouro das religiões tradicionais na sociedade. Mas não é esse meu ponto.

Meu ponto é com aqueles que estão na busca. Essa busca tem seu tempo de validade. Em algum momento você vai envelhecer e descobrir que sim há valores eternos e que sim há “certo” e “errado”. Isso está gravado a fogo no próprio ser humano e não tem como fugir disso.

Nesse ponto, não interessa se é homem, mulher; rico ou pobre; opressor ou oprimido; gay ou hétero; político ou pagador de impostos: todos têm essa lei talhada no próprio coração e não há necessidade que ninguém lhe explique nada. É apenas uma questão de tempo.

Porque todos os que sem lei pecaram, sem lei também perecerão; e todos os que sob a lei pecaram, pela lei serão julgados.
Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.
Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei;
Os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os;
No dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho.

Romanos 2:12-16

Intolerância religiosa

Escrevo desde um ponto de vista que não é neutro, obviamente. Sou cristão, evangélico e batista. Mas talvez seja essa formação a que melhor me qualifica para almejar tolerância religiosa, pois somos – em certo sentido – frutos da mesma na Inglaterra de 1689.

Não é à toa que a separação igreja-estado é um dos nossos pilares ao ponto que se pode dizer que alguém que se intitula batista não é tal se não luta por esse pilar. A tolerância religiosa está no âmago do estado laico e vivemos, pelo menos nominalmente, num estado laico.

Não que este estado tenha sido formado como laico. A laicidade no Brasil é uma construção recente e justamente por isso desperta em alguns certos temores e anseios por um estado teocrático ou coisa que se lhe assemelhe, mas de preferência uma teocracia cristã ou coisa assim.

Como o mal que não quero para mim não desejo para os outros, me conto entre aqueles que desprezam qualquer tentativa de teocracia. Mesmo as assim chamadas cristãs. Ao meu ver, uma teocracia não passa de uma forma de ditadura e tenho aversão a qualquer forma de ditadura, seja esta de esquerda quanto de direita, ou religiosa.

Então como lidar com isso? Qual a contribuição que como cristãos plenamente identificados podemos dar à tolerância religiosa e por consequência ao estado laico?

Como combater a intolerância religiosa?

CAPÍTULO I Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso
Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

Artigo 208 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940

Mesmo sendo a religião um assunto de cunho íntimo, a realidade é que ela acaba se manifestando no espaço comum. Espaço este que muitas vezes lhe queremos negar ao outro, ao diferentes, ao diverso quando nos parece tremendamente essencial a nós mesmos e nossos similares. Então para combater estereótipos e preconceitos uma abordagem abrangente e multifacetada deve ser adotada.

Me limitarei então a pontoar algumas ideias que podem servir para incentivar algum diálogo no seu ambiente. Isto é, em casa, na igreja, no ônibus. Enfim, não quero que concorde comigo, quero que pense.

  1. É essencial aumentar a conscientização e a educação sobre a diversidade religiosa nas escolas e na sociedade em geral. Se não gostamos que as religiões de matriz africana sejam ensinadas nas escolas, então que não se ensine cristianismo também.
  2. É fundamental fortalecer a legislação que combate a intolerância religiosa, protegendo os direitos das vítimas e punindo os agressores. Além disso, para promover o respeito e a compreensão mútua, é fundamental investir em programas de sensibilização e diálogo inter-religioso. Isso nada tem a ver com ecumenismo, mas sim com o fato de compartilharmos o mesmo espaço civil/social.
  3. O outro aspecto importante é o envolvimento das lideranças religiosas, das organizações da sociedade civil e dos meios de comunicação na promoção da tolerância e no combate aos discursos de ódio. Sem os líderes engajados, os liderados irão naturalmente para o lado do ódio. Ou não é isso que entendemos quando falamos de “depravação total do Homem”?
  4. Por último, mas não menos importante, o que ajuda a construir uma sociedade mais tolerante e inclusiva é encorajar a população a participar da defesa da liberdade religiosa e na denúncia de incidentes de intolerância mesmo que no seja “de nosso parquinho”

Sociologia da religião: virtudes e mazelas

E agora, Garibaldi?

A sociologia da religião desempenha um papel fundamental na compreensão da presença e do papel das religiões na sociedade contemporânea. Ao adotar uma perspectiva sociológica, é possível analisar as religiões além dos limites mencionados, oferecendo uma visão mais abrangente e contextualizada.

Em primeiro lugar, a sociologia permite examinar as religiões como instituições sociais que desempenham funções específicas na sociedade. Ela nos ajuda a entender como as religiões se organizam, mantêm valores e crenças, estabelecem relações com outras instituições e influenciam as estruturas sociais.

Além disso, a sociologia proporciona percepções sobre as mudanças na religiosidade contemporânea. Por meio do estudo sociológico, podemos compreender as transformações nas práticas religiosas, nos comportamentos dos fiéis e nas dinâmicas das comunidades religiosas. Isso nos permite refletir sobre as razões por trás dessas mudanças, como a secularização, a diversificação religiosa, o individualismo espiritual e as novas formas de engajamento religioso.

Entendo que a sociologia da religião desmantela um pouco o misticismo que às vezes se aplica à igreja. Obvio que alguns acham isso como sacrílego, mas me parece que acham isso porque lhes convêm o manto de sacramentalidade.

Contudo, tenho vivenciado recentemente, e da mão de colegas amigos, uma releitura social na que, visando um suposto “aggiornamento” do evangelho, destituem este último da sua capacidade de transformar o ser humano. Logo, as ferramentas fornecidas pela sociologia da religião deveriam ser usadas como tais e não como armas nem como boias salva-vidas emergenciais.

Em questões pessoais, ela me serve para entender o próximo quanto ser religioso. Os anseios e buscas são – em última análise – da raça humana (ou das raças humanas a depender do gosto do autor). E é bem humano substituir essa busca última por buscas preliminares.

É ali (na superficialidade da substituição inconsciente do prioritário pelo supérfluo, do último pelo preliminar) que faremos bem em estudar para entender e aproximar; entender o humano na sua ânsia de ser e aproximar o Deus-homem na jornada da nova criação (Rom. 5:12 ss) sem tirar nem pôr no evangelho, que continua sendo o “poder” (e não a energia) de Deus para salvação daquele que crê.

Inclusão cristã

No movimento de Jesus, a mensagem de liberdade e inclusão era uma das características centrais. Jesus desafiou as normas sociais de sua época, acolhendo e convidando todas as pessoas a segui-lo, independentemente de sua origem étnica, status social, gênero ou histórico de vida. Sua ênfase na amorosa inclusão ecoou nas palavras e ações dos primeiros seguidores de Jesus.

No contexto cristão dos dias de hoje, no entanto, ainda podemos identificar movimentos e teologias que, infelizmente, excluem certas pessoas da comunhão dos seguidores de Jesus. Às vezes essa exclusão é feita com base em doutrinas rígidas, diferenças sociais ou culturais, e orientação sexual ou identidade de gênero.

Isso demanda de nós um exercício bem eclético que nos leva para longe do assim chamado fundamentalismo cristão. Fundamentalismo aqui nada mais é do que tirar sempre as mesmas conclusões sem nada haver de novo ou que nos cutuque na leitura e interpretação da escritura.

Todavia, esse movimento não pode ser confundido com liberalismo mesmo requerendo liberalidade amorosa. É aquilo de se arriscar no acantilado para resgatar a ovelha.

Vivemos numa sociedade mimada que confunde o amor com liberdade irresponsável. Por outro lado, observamos que a igreja se vê acuada diante de tanta pressão social que – convenhamos – é uma pressão espiritual. Como se amar não fosse também almejar mudanças! Que o digam os pais que amam seus filhos. (Há aqueles que os detestam e também os que praticam alienação parental. Esses servem como exemplo de como não proceder)

Desde a Torá nos seus lembretes de amar a Deus por cima de todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo que a mesma ideia se vem repetindo uma e outra vez: não deixe que seu próximo vá para a morte. Ou dito de outra forma, Jesus faz menção aos textos do antigo testamento e no contexto de Levitico 19 encontramos o seguinte:

Não odiarás a teu irmão no teu coração; não deixarás de repreender o teu próximo, e não levarás sobre ti pecado por causa dele.  

LEVÍTICO 19:17

Então, e antes que diluamos o poder do evangelho em afetos puramente terrenos e agendas antropocentristas, é urgente salientar que essa aceitação do Novo Testamento não é uma inoperante ou ineficiente, mas sim aquela que sacia a alma e transforma a totalidade do ser humano.

Talvez seja tempo de resgatar a velha ideia da theosis a partir do novo Adão que teólogos antigos como Irineu promoviam. Não para uma salvação apenas espiritual da alma no além, mas para uma vida enriquecedora e significativa agora.

Então Jesus pôs-se em pé e perguntou-lhe: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?”

“Ninguém, Senhor”, disse ela.
Declarou Jesus: “Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado“.

João 8:10-11

A culpa é do Cabral (ou do Pinzón?)

Aqueles que nascemos em berço Evangélico dificilmente entenderemos como o nosso louvor publico e privado não expressa a nossa cultura. Nos sentimos bem cantando Lutero e Wesley e quem se acha avançado, sente que louva bem com Hillsong.

Aliás, essa é nossa cultura. Uma subcultura de conserva ou uma redoma cultural se assim preferirem. As muitas tentativas de se promover um louvor mais autóctone acaba revelando um retorno frio no melhor dos casos.

Isso tem lá sua razão de ser e também tem suas consequências, sendo a pior delas (tanto razão como consequência) o isolamento em compartimentos separados hermeticamente da vida cultual com a vida secular, quando é impossível separar ambas as coisas, já que Deus não o é apenas da vida cúltica ou da vida pública, ou apenas da vida privada.

Olhando para outros aspectos, a forma em que a invasão europeia se deu (isto é, aliada à invasão religiosa e cultural) perpassa nossa realidade até hoje: vindo de fora, é melhor; o produzido dentro, é pior que produto chinês. Nisso, a portuguesa e a espanhola se distinguem fortemente da expansão grega, em que Alexandre o Grande levava pessoas não apenas para conquistar (incluindo sim cultura e religião) mas também para aprender.

O que a espada espanhola trouxe junto? A inquisição. Entre invasores, indígenas, negros, mulatos, caboclos e mestiços em geral, a única forma de crença autorizada era a que havia sido formatada por Torquemada (1420-1498) e seus sequazes, absorvida pelo movimento de contrarreforma católico e colocado em prática em terras latino-americanas pelos Jesuítas. Tudo o que escapava a isso era uma mera negociação local para evitar rebeliões.

O grande fator que distingue Brasil do restante de America Latina é a forma em que a igreja católica portuguesa, assim como o reino, organizou-se em terras tupiniquins. Em lugar de fragmentar, como fez Espanha, amalgamou. Só que não homogeneizou. Os vice-reinados espanhóis se dividiram, ao passo que o vice-reinado português se manteve único para mais tarde (fugindo de Napoleão) o próprio reinado migrar para o que nalgum momento fora chamado de “Terra Brasilis”.

Claro, é digno de nota dizer que a visão cultural do imperador era muito avançada para sua época. Alguém que foge com família e livros, não é comum. Mais adiante, quando seu herdeiro deve fugir do Brasil, é França quem acolhe ele. Mas nem Portugal, nem França, nem o Brasil são mais o que eram.

Mas há um fator que se escapa a isso tudo: a autodepreciação. A frase que mais me desaponta na boca do brasileiro é “Isso só acontece no Brasil“. Essa fortíssima baixa autoestima permeia, com diferentes impactos, todas as camadas sociais. Desde a família Orleans e Bragança até os “Da Silva”, “Da Costa” passando pelos “Garcia”, “Rodrigues” e também os “Pereira”, “Oliveira”, etc.. Alguns com amarga saudade, outros com inveterada desvergonha e outros com impassível desconhecimento da própria história e potencial; todos eles padecem do mesmo mal: “Isso só se dá aqui”

Nessa questão da autodepreciação, há um espaço enorme para acreditar que tudo o que veio da Espanha, de Portugal e dos Jesuítas é ruim. Mas também há espaço para dizer que apenas o que veio de lá é bom. E é disso que se trata. Com o fim do período da colónia, dever-se-ia separar o joio do trigo, o amargo do doce. Por não ser feito (no dia a dia) me parece que é conveniente à psiquê brasileira comum pensar de forma penosa de si e atribuir todos seus males às suas origens. Conveniência essa pela qual pagam as gerações seguintes.

Não é de se estranhar, então, que tal conjunto de fatores confronte a igreja real com grandes desafios. A única solução que me vem à mente é abraçar as diferenças e focar em curar (por meio do modelo de Ser Humano certo, isto é: Jesus) esse abismo interior que cada brasileiro carrega, levando cativo todo pensamento a Cristo e não aos devaneios que estiverem na moda.

O povo que andava em trevas…

Engraçada a vida de um político qualquer, digamos, dos que lhes cabe ocupar a presidência.

Há alguns anos, o atual ex-presidente era tido por um Messias. Ele se pensava como o paladino da justiça; o defensor de valores morais; o arauto da verdade; o mensageiro da liberdade verdadeira e por aí vai.

Agora chega o atual presidente e se julga no direito de dizer que “saímos das trevas” (CNN 19/jan/23 – 14:44). Para onde vamos ao sair das trevas? Bem, para a luz, obvio. Parece ser uma fixação dele usar certas falas que não lhe pertencem. Ele (ao ser preso justamente em 2018) já tentou dizer que tinha virado uma ideia… que deixava de ser um homem para ser uma ideia.

Essas coisas que tem o poder, né? Coisas bem toscas e absurdas como tentar substituir o Cristo na vida prática das pessoas.

É verdade (e a verdade não se lhe nega a ninguém) que se viveu um obscurantismo nos últimos quatro anos. Negar isso, faz parte de um esquema Olavista de pensar em que tudo é uma grande conspiração e que é melhor negar tudo, até os fatos (quanto mais as ideias). Então concordamos com o presidente nisso, mas querer sugerir que a luz vem de mão dada de um político. Senhores….


Em terras distantes há um ditado que diz “A culpa, não é do porco se sim de quem lhe coça as costas” significando que se você tem um porco dentro de casa fazendo o que lhe corresponde por natureza, não se lhe pode atribuir culpa ao procedimento, já que ele se encontra ali, na sala da casa, a convite do proprietário. Então se temos os presidentes que temos tido, é por pura irresponsabilidade nossa e a única forma de reverter isso, é o de dia após dia lembrar que os olhos devem estar fixos em Jesus e seus princípios. Políticos são e devem ser trocados como as fraldas (e pelos mesmos motivos) parafraseando a Eça de Queiroz (talvez)

Assim como no governo anterior muitos foram enganados e levados lenta e piamente a acreditar ser o “enviado”, o “escolhido”, o “separado”, assim também hoje podemos ser levados a crer coisas similares e se não cortamos rente e desde o início, depois é tarde.

Tanto aquele que se achava o Messias, como este outro que se acha a luz, ou a ideia, só tem uma pretensão: substituir a missão e função do Cristo (escolhido em grego) no coração das pessoas.

É missão da igreja lutar ferrenhamente contra isso. Era o que Paulo fazia. Segundo ele em Colossenses 1:13 não era o imperador o que nos resgatava de um poder e nos colocava sob outro, e sim Jesus: Cristo e Logos.

Não interessa se o governo é de esquerda ou de direita, a função da igreja é a de se manter alerta contra essa mimetização muito bem pensada do próprio Cristo.

Pense nisso… rápido