
As mortes recentes de personalidades mundialmente reconhecidas como Pelé e o papa Bento XIV nos relembra que há um ponto final para a existência humana. Pelo menos na vida que todos conhecemos. Seja que acreditemos ou não numa vida após morte, o certo é que o que podia e devia ser feito nessa vida, chegou ao seu fim: não há mais possibilidade de mudar de rumo ou de alterar a caminhada ou curar com palavras. Simplesmente o fim chegou.
Mas pensemos um pouco na situação política do país. Em especial na amarga divisão que toma conta de nossa sociedade. Essa divisão é alimentada por notícias falsas, por ódios, por conceitos formados previamente e pela incapacidade crônica de dialogar com o diverso.
Todavia, o meu foco nestas poucas linhas, é tentar dar um rumo aos sentimentos contraditórios que muitos dos nossos irmãos enfrentam. Me arriscarei a analisar os dois casos, então me tenha um pouco de paciência e vá treinando de forma silenciosa como dialogar com quem traz ideias diferentes. Vejamos a razão pela que entendo que 2023 pode ser o “ano da redenção”
A redenção do Bolsonaro
O primeiro caso a ser analisado é o do ex presidente Jair Bolsonaro. Não cabe analisar as razões nem as circunstâncias pelas que ele chega ao poder. Também não cabe elogiar ou apoucar a trajetória dele no executivo. Baste apenas dizer que ele não esperava ser derrotado. Isso ficou de forma bem clara na sua falta de reconhecimento da derrota e também no seu silêncio ao respeito de quaisquer assuntos, sejam estes do governo ou não nas semanas e meses que se seguiram, o que se viu coroado com uma viagem ao exterior. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão fazer o discurso final com o conteúdo republicano adequado e a defesa clara da democracia e suas instituições. Pelo que eu entendo, era isso que muitos esperavam do chefe do executivo. Era o que eu mesmo esperava de forma imediata à derrota. Isso teria engrandecido um pouco o próprio Bolsonaro e não tivesse criado tão grande brecha ao lado direto do espectro político. Espaço este que, obviamente, clama por um preenchimento.
É nesse contexto, que 2023 pode ser um ano de redenção para o próprio Bolsonaro e/ou para os bolsonaristas. Jair Bolsonaro pode aprender a lidar diferente com a imprensa, com a ciência, com a religião, com a questão ambiental, com os pobres em particular e com o ser humano em geral. É uma tarefa hercúlea, mas não impossível. Se ele quer ocupar o poder político novamente, deve fazer o mesmo que Lula fez no passado, isto é: se tornar “Bolsonaro paz e amor”.
Há esperança para aqueles bolsonaristas extremos. É difícil, mas não impossível. Eles podem, por exemplo, apoiar a mutação do Bolsonaro. Aprender com ele que é possível mudar e aprender. Podem se dedicarem a uma mudança profunda e de coração e abraçarem a busca da verdade. Pelo menos a verdade cientifica. A verdade filosófica e existencial pode vir logo a seguir.
Mas há esperança. Pode ser o ano da virada. Havendo conquistado quase 50% dos eleitores, o único caminho que resta é o da mudança porque o que se podia ganhar com esse modelo já foi ganho. Daí que uma mudança positiva e construtiva que busque o bem comum e não de uma parcela é que pode esconder um raio de luz de metamorfose. Então 2023 pode, sim, ser o ano da redenção.
A redenção de Lula
O segundo caso que gostaria de analisar é o da redenção de Lula. Já ficou provado que houve, sim, roubo. Um assalto aos cofres públicos; um mal uso da coisa pública; um loteamento do estado. Que por questões técnicas tenha-se invalidado o julgamento e retornado à estaca zero não diz nada sobre os fatos. Fatos estes – que é bom se relembre – pelos quais vários devolveram dinheiro e outros pagaram com cadeia.
Agora bem, ele entrou no pleito político (coisa nada boa, mas era o único páreo para enfrentar o bolsonarismo) e nesse pleito, venceu. É agora o presidente do pais e como tal, merece o nosso respeito assim como o merecia Jair Bolsonaro. O que se respeita é a figura do presidente. É esse o conceito necessário aqui. Se serve de ajuda, pense em Alexandre de Moraes (uma pessoa que tem desagradado ao longo da sua magistratura a diversas pessoas de todo o especrto político) o respeito que ele merece é o respeito que a toga impõe, isto é: a instituição.
Bem, assim como no bolsonarismo, existe uma grande parcela dos eleitores de Lula que não param para pensar. Apenas o apoiam e tudo o que vier dele estará bem. Porém, há uma parte da população que não pensa assim.
Focando apenas em nossos irmãos, tomemos alguns exemplos: estão os que têm medo de que o país seja tomado de assalto de novo. Estão também, aqueles que votaram em Lula por não terem mais opções e se sentem presos nessa situação toda. E estão aqueles que não votaram em Lula e têm medo de coisas esdruxulas como a imposição do comunismo no Brasil.
Lula tem uma longa trajetória de autorreconstrução. Aliás, se você para para pensar, tudo na vida dele é reconstruído. Obvio que não me deixo enganar pelo discurso “Lula Paz e Amor”, mas devo reconhecer que é um homem que sabe se reconstruir. (Se fosse realmente Paz e Amor não teriam havido tais assaltos ou pelo menos saberia o que estava acontecendo)
Pois bem, esta é a grande oportunidade da vida de Lula de se remir de forma definitiva perante a opinião pública. A árvore do bem e do mal está perante ele. Ele pode cair na tentação de permitir condutas erradas ou pode se revestir de uma couraça de justiça. Cabe a ele a decisão e a mais ninguém.
Decidindo por uma conduta mais licenciosa, seus votantes mais fieis continuariam a votar nele se a saúde e a própria vida lhe permitem se candidatar novamente. Votarão também no seu indicado por causa desse Messianismo que permeia nossa cultura. Nada lhes afetará. Nesse sentido, nada distingue esses eleitores dos eleitores mais ferrenhos de Bolsonaro.
Se a escolha é a licenciosidade, parte da esquerda mais séria (penso na carcaça do Partido Social Democrata Brasileiro, por exemplo) se afastarão desse modelo. Esse casamento mal-arranjado PT/PSDB só foi possível perante o tsunami de desinformação e desserviço praticado pelo PL que, por sinal, também está rachado e afundando.
Porém, ele pode escolher pela redenção. O momento é o mais adequado. O país precisa de uma unificação o mais orgânica possível. As instituições (senado, deputados, supremo, polícia federal, SUS, etc.) precisam voltar ao seu curso. Umas por serem essenciais aos pesos e contrapesos de uma democracia saudável, outros por serem propostas tupiniquins bem sucedidas que precisam ser resgatadas. A economia e infraestruturas precisam continuar a ser cuidadas e estendidas para a população mais carente. Há enormes desafios na área de salubridade, educação, defesa. Reformas que beneficiam diferentes setores da população e que têm sido engavetadas, esquecidas, inadvertidamente abandonadas, gritam por uma discussão séria. Pseudos segredos de estados que são segredos pessoais e políticos precisam ser drenados como um abcesso lingual. A questão ambiental e o avanço sustentável do agro precisam estar sob os holofotes de novo. O crime organizado, em geral e as milícias em particular precisam ser identificadas e definitivamente desmanchadas. A transparência do estado e a punição dos seus excessos urgem por uma implementação que ultrapasse os limites de um governo. O cancelamento da reeleição para os cargos executivos, assim como o combate ao nepotismo e seus similares, como o apadrinhamento de certas empresas (o CNPJ pai – Brasília – ampara certos CNPJ “enteados por conveniência”). A melhor distribuição de renda pode deixar de ser mera demagogia deslavada para passar a reunir educação, segurança, alimentação e programas de autorrenda. O alinhamento das eleições dos executivos federais, estaduais e municipais (que evitaria muito “toma-lá-dá-cá”) e um longo etcetera.
Usando o jargão do próprio Lula, “nunca na história deste país se deram as condições tão amplas para um político se remir do seu passado” Um rio caudaloso de virtude pode ter sua fonte justamente no período que se inicia em 2023. A foz dessa virtuosidade é um Brasil melhor.
Uma redenção de Lula, poderia ser (para os próximo 16, 20 anos) uma coisa muito favorável para o Brasil em geral e para a esquerda em particular. Escolher o caminho da redenção, pode significar um país mais forte, plural, feliz, rico. Pode ser largamente benéfico para a democracia brasileira, se bem que, tradicionalmente, o que se vê é que quem perde fica deslocado.
Me explico: quando o PSDB foi dispensado do governo por ocasião de Lula assumir a primeira vez, ficou notória a incompreensão do PSDB como oposição ao PT. Simplesmente se perderam e demoraram muito para assumir uma tímida postura. O mesmo se vê com Bolsonaro na hora de perder para o voto popular: ele ficou muito perdido. Então, num cenário em que o Lula se remisse das ações perpetradas contra o Estado e a Sociedade Brasileira, os outros participantes da peleja política, deveriam aprender a se reposicionar perante essa situação. De outra forma, o PT continuará a governar de forma ininterrupta quatro ou cinco mandatos.
Via de rega evitamos a angústia que proponho. Essa situação em que se ele escolhe a licenciosidade é ruim, mas se escolhe a redenção pode ser pior (por mais que seja o adequado e melhor) nos pode jogar no limbo tradicional de termos que escolher “o menos pior” nas próximas eleições. Todavia, é de redenção que se trata.
Então há esperança. Uma redenção de Lula pode ser – a curto prazo – o melhor para o Brasil. Um afastamento da licenciosidade e uma aproximação da transparência na gestão da coisa pública pode lhe trazer o tão almejado acesso ao legado bom que ele pretende deixar e pelo qual tantas vezes na vida lutou. Corre o risco, então, de conseguir fazer um contraponto à grave mancha real que está na sua trajetória. De tão grande que este contraponto precisa ser (como para demover votantes da centro-direita por exemplo) é quase uma metamorfose. Difícil, mas não impossível.
A opção oposta (tanto para Bolsonaro como para Lula) de não buscar uma redenção, vai ser a morte política de quem assim escolha. E da mesma forma em que Joseph Aloisius Ratzinger chegou ao final da vida sem poder dar solução ao gravíssimo problema da pedofilia dentro dos muros católicos (apesar de ser ele o que maior impulso deu à solução disso). Ou da mesma forma em que Edson Arantes do Nascimento puxou seu último pouco de ar sem reconhecer Sandra Regina Machado como filha (por mais que o teste de DNA assim o descobriu) esses políticos de renome arriscam encerrarem sua atuação sem darem o exemplo mais digno e necessário para cada um de nós simples mortais: a mudança de rumo. Aquela que nós, cristãos, chamamos de “arrependimento” e que é a base da redenção.
A redenção do eleitor
Já ao eleitor cabe a responsabilidade de se parar de propagar noticias falsas, acompanhar as realizações dos atuais ministros, pois serão os futuros possíveis candidatos, comparar as fontes da imprensa tradicional (não ficar com apenas uma opinião porque jornalismo, sim, é opinião também), fugir de ideias e explicações simplistas, mas não se subtrair de falar de forma simples.
Ao eleitor cristão (evangélico ou não) sabe se afastar do messianismo político. Cabe a ele pensar fora da caixa de esgoto. E como perceber se está nesse messianismo? Bem, se para todos os problemas há apenas uma única solução ou um único líder, então já está errado. Se não há possibilidade de diálogo ou há uma relação dogmática com a coisa pública, então já está em areias movediças. Se um único e mesmo líder tem que se repetir eleição pós eleição, o eleitor já se encontra em grave perigo.
A maior bênção da democracia é o pluralismo de ideias. Todas as coisas que cooperam para o não pluralismo, devem ser sistemática e energicamente combatidos, chame-se extrema-esquerda ou extrema-direita. E pare de usar termos como Comunismo ou Fascismo se não sabe o conteúdo.


