2023: ano de redenção?

As mortes recentes de personalidades mundialmente reconhecidas como Pelé e o papa Bento XIV nos relembra que há um ponto final para a existência humana. Pelo menos na vida que todos conhecemos. Seja que acreditemos ou não numa vida após morte, o certo é que o que podia e devia ser feito nessa vida, chegou ao seu fim: não há mais possibilidade de mudar de rumo ou de alterar a caminhada ou curar com palavras. Simplesmente o fim chegou.

Mas pensemos um pouco na situação política do país. Em especial na amarga divisão que toma conta de nossa sociedade. Essa divisão é alimentada por notícias falsas, por ódios, por conceitos formados previamente e pela incapacidade crônica de dialogar com o diverso.

Todavia, o meu foco nestas poucas linhas, é tentar dar um rumo aos sentimentos contraditórios que muitos dos nossos irmãos enfrentam. Me arriscarei a analisar os dois casos, então me tenha um pouco de paciência e vá treinando de forma silenciosa como dialogar com quem traz ideias diferentes. Vejamos a razão pela que entendo que 2023 pode ser o “ano da redenção”

A redenção do Bolsonaro

O primeiro caso a ser analisado é o do ex presidente Jair Bolsonaro. Não cabe analisar as razões nem as circunstâncias pelas que ele chega ao poder. Também não cabe elogiar ou apoucar a trajetória dele no executivo. Baste apenas dizer que ele não esperava ser derrotado. Isso ficou de forma bem clara na sua falta de reconhecimento da derrota e também no seu silêncio ao respeito de quaisquer assuntos, sejam estes do governo ou não nas semanas e meses que se seguiram, o que se viu coroado com uma viagem ao exterior. Coube ao vice-presidente Hamilton Mourão fazer o discurso final com o conteúdo republicano adequado e a defesa clara da democracia e suas instituições. Pelo que eu entendo, era isso que muitos esperavam do chefe do executivo. Era o que eu mesmo esperava de forma imediata à derrota. Isso teria engrandecido um pouco o próprio Bolsonaro e não tivesse criado tão grande brecha ao lado direto do espectro político. Espaço este que, obviamente, clama por um preenchimento.

É nesse contexto, que 2023 pode ser um ano de redenção para o próprio Bolsonaro e/ou para os bolsonaristas. Jair Bolsonaro pode aprender a lidar diferente com a imprensa, com a ciência, com a religião, com a questão ambiental, com os pobres em particular e com o ser humano em geral. É uma tarefa hercúlea, mas não impossível. Se ele quer ocupar o poder político novamente, deve fazer o mesmo que Lula fez no passado, isto é: se tornar “Bolsonaro paz e amor”.

Há esperança para aqueles bolsonaristas extremos. É difícil, mas não impossível. Eles podem, por exemplo, apoiar a mutação do Bolsonaro. Aprender com ele que é possível mudar e aprender. Podem se dedicarem a uma mudança profunda e de coração e abraçarem a busca da verdade. Pelo menos a verdade cientifica. A verdade filosófica e existencial pode vir logo a seguir.

Mas há esperança. Pode ser o ano da virada. Havendo conquistado quase 50% dos eleitores, o único caminho que resta é o da mudança porque o que se podia ganhar com esse modelo já foi ganho. Daí que uma mudança positiva e construtiva que busque o bem comum e não de uma parcela é que pode esconder um raio de luz de metamorfose. Então 2023 pode, sim, ser o ano da redenção.

A redenção de Lula

O segundo caso que gostaria de analisar é o da redenção de Lula. Já ficou provado que houve, sim, roubo. Um assalto aos cofres públicos; um mal uso da coisa pública; um loteamento do estado. Que por questões técnicas tenha-se invalidado o julgamento e retornado à estaca zero não diz nada sobre os fatos. Fatos estes – que é bom se relembre – pelos quais vários devolveram dinheiro e outros pagaram com cadeia.

Agora bem, ele entrou no pleito político (coisa nada boa, mas era o único páreo para enfrentar o bolsonarismo) e nesse pleito, venceu. É agora o presidente do pais e como tal, merece o nosso respeito assim como o merecia Jair Bolsonaro. O que se respeita é a figura do presidente. É esse o conceito necessário aqui. Se serve de ajuda, pense em Alexandre de Moraes (uma pessoa que tem desagradado ao longo da sua magistratura a diversas pessoas de todo o especrto político) o respeito que ele merece é o respeito que a toga impõe, isto é: a instituição.

Bem, assim como no bolsonarismo, existe uma grande parcela dos eleitores de Lula que não param para pensar. Apenas o apoiam e tudo o que vier dele estará bem. Porém, há uma parte da população que não pensa assim.

Focando apenas em nossos irmãos, tomemos alguns exemplos: estão os que têm medo de que o país seja tomado de assalto de novo. Estão também, aqueles que votaram em Lula por não terem mais opções e se sentem presos nessa situação toda. E estão aqueles que não votaram em Lula e têm medo de coisas esdruxulas como a imposição do comunismo no Brasil.

Lula tem uma longa trajetória de autorreconstrução. Aliás, se você para para pensar, tudo na vida dele é reconstruído. Obvio que não me deixo enganar pelo discurso “Lula Paz e Amor”, mas devo reconhecer que é um homem que sabe se reconstruir. (Se fosse realmente Paz e Amor não teriam havido tais assaltos ou pelo menos saberia o que estava acontecendo)

Pois bem, esta é a grande oportunidade da vida de Lula de se remir de forma definitiva perante a opinião pública. A árvore do bem e do mal está perante ele. Ele pode cair na tentação de permitir condutas erradas ou pode se revestir de uma couraça de justiça. Cabe a ele a decisão e a mais ninguém.

Decidindo por uma conduta mais licenciosa, seus votantes mais fieis continuariam a votar nele se a saúde e a própria vida lhe permitem se candidatar novamente. Votarão também no seu indicado por causa desse Messianismo que permeia nossa cultura. Nada lhes afetará. Nesse sentido, nada distingue esses eleitores dos eleitores mais ferrenhos de Bolsonaro.

Se a escolha é a licenciosidade, parte da esquerda mais séria (penso na carcaça do Partido Social Democrata Brasileiro, por exemplo) se afastarão desse modelo. Esse casamento mal-arranjado PT/PSDB só foi possível perante o tsunami de desinformação e desserviço praticado pelo PL que, por sinal, também está rachado e afundando.

Porém, ele pode escolher pela redenção. O momento é o mais adequado. O país precisa de uma unificação o mais orgânica possível. As instituições (senado, deputados, supremo, polícia federal, SUS, etc.) precisam voltar ao seu curso. Umas por serem essenciais aos pesos e contrapesos de uma democracia saudável, outros por serem propostas tupiniquins bem sucedidas que precisam ser resgatadas. A economia e infraestruturas precisam continuar a ser cuidadas e estendidas para a população mais carente. Há enormes desafios na área de salubridade, educação, defesa. Reformas que beneficiam diferentes setores da população e que têm sido engavetadas, esquecidas, inadvertidamente abandonadas, gritam por uma discussão séria. Pseudos segredos de estados que são segredos pessoais e políticos precisam ser drenados como um abcesso lingual. A questão ambiental e o avanço sustentável do agro precisam estar sob os holofotes de novo. O crime organizado, em geral e as milícias em particular precisam ser identificadas e definitivamente desmanchadas. A transparência do estado e a punição dos seus excessos urgem por uma implementação que ultrapasse os limites de um governo. O cancelamento da reeleição para os cargos executivos, assim como o combate ao nepotismo e seus similares, como o apadrinhamento de certas empresas (o CNPJ pai – Brasília – ampara certos CNPJ “enteados por conveniência”). A melhor distribuição de renda pode deixar de ser mera demagogia deslavada para passar a reunir educação, segurança, alimentação e programas de autorrenda. O alinhamento das eleições dos executivos federais, estaduais e municipais (que evitaria muito “toma-lá-dá-cá”) e um longo etcetera.

Usando o jargão do próprio Lula, “nunca na história deste país se deram as condições tão amplas para um político se remir do seu passado” Um rio caudaloso de virtude pode ter sua fonte justamente no período que se inicia em 2023. A foz dessa virtuosidade é um Brasil melhor.

Uma redenção de Lula, poderia ser (para os próximo 16, 20 anos) uma coisa muito favorável para o Brasil em geral e para a esquerda em particular. Escolher o caminho da redenção, pode significar um país mais forte, plural, feliz, rico. Pode ser largamente benéfico para a democracia brasileira, se bem que, tradicionalmente, o que se vê é que quem perde fica deslocado.

Me explico: quando o PSDB foi dispensado do governo por ocasião de Lula assumir a primeira vez, ficou notória a incompreensão do PSDB como oposição ao PT. Simplesmente se perderam e demoraram muito para assumir uma tímida postura. O mesmo se vê com Bolsonaro na hora de perder para o voto popular: ele ficou muito perdido. Então, num cenário em que o Lula se remisse das ações perpetradas contra o Estado e a Sociedade Brasileira, os outros participantes da peleja política, deveriam aprender a se reposicionar perante essa situação. De outra forma, o PT continuará a governar de forma ininterrupta quatro ou cinco mandatos.

Via de rega evitamos a angústia que proponho. Essa situação em que se ele escolhe a licenciosidade é ruim, mas se escolhe a redenção pode ser pior (por mais que seja o adequado e melhor) nos pode jogar no limbo tradicional de termos que escolher “o menos pior” nas próximas eleições. Todavia, é de redenção que se trata.

Então há esperança. Uma redenção de Lula pode ser – a curto prazo – o melhor para o Brasil. Um afastamento da licenciosidade e uma aproximação da transparência na gestão da coisa pública pode lhe trazer o tão almejado acesso ao legado bom que ele pretende deixar e pelo qual tantas vezes na vida lutou. Corre o risco, então, de conseguir fazer um contraponto à grave mancha real que está na sua trajetória. De tão grande que este contraponto precisa ser (como para demover votantes da centro-direita por exemplo) é quase uma metamorfose. Difícil, mas não impossível.

A opção oposta (tanto para Bolsonaro como para Lula) de não buscar uma redenção, vai ser a morte política de quem assim escolha. E da mesma forma em que Joseph Aloisius Ratzinger chegou ao final da vida sem poder dar solução ao gravíssimo problema da pedofilia dentro dos muros católicos (apesar de ser ele o que maior impulso deu à solução disso). Ou da mesma forma em que Edson Arantes do Nascimento puxou seu último pouco de ar sem reconhecer Sandra Regina Machado como filha (por mais que o teste de DNA assim o descobriu) esses políticos de renome arriscam encerrarem sua atuação sem darem o exemplo mais digno e necessário para cada um de nós simples mortais: a mudança de rumo. Aquela que nós, cristãos, chamamos de “arrependimento” e que é a base da redenção.

A redenção do eleitor

Já ao eleitor cabe a responsabilidade de se parar de propagar noticias falsas, acompanhar as realizações dos atuais ministros, pois serão os futuros possíveis candidatos, comparar as fontes da imprensa tradicional (não ficar com apenas uma opinião porque jornalismo, sim, é opinião também), fugir de ideias e explicações simplistas, mas não se subtrair de falar de forma simples.

Ao eleitor cristão (evangélico ou não) sabe se afastar do messianismo político. Cabe a ele pensar fora da caixa de esgoto. E como perceber se está nesse messianismo? Bem, se para todos os problemas há apenas uma única solução ou um único líder, então já está errado. Se não há possibilidade de diálogo ou há uma relação dogmática com a coisa pública, então já está em areias movediças. Se um único e mesmo líder tem que se repetir eleição pós eleição, o eleitor já se encontra em grave perigo.

A maior bênção da democracia é o pluralismo de ideias. Todas as coisas que cooperam para o não pluralismo, devem ser sistemática e energicamente combatidos, chame-se extrema-esquerda ou extrema-direita. E pare de usar termos como Comunismo ou Fascismo se não sabe o conteúdo.

Uma divisão inflamável

A situação em que transitamos nos mostra que estamos vivendo em um pais mais do que dividido (se é que isso é possível). Poderíamos pensar que sempre há divisões e isso é verdade. Mas nas últimas semanas estamos assistindo ao alongamento da divisão saudável atingindo níveis de intolerância e insensatez. Vamos primeiro ao ponto bom da divisão.

O caminho é o arrependimento

Não é bom um grupo de pessoas (os cidadãos de um pais, por exemplo) terem uma única e mesma ideia sobre a sua condução. Seu futuro está comprometido desde o início. Mesmo se coincidirmos sobre algum grande valor visceral (a paz, por exemplo) não haveria uma forma saudável de todos pensarem a mesma coisa. Se todos nós fossemos pessoas pacifistas, não haveria quem defendesse as fronteiras por citar um exemplo simples. Esses que estariam defendendo as fronteiras, por mais pacíficos que sejam, devem estar completamente comprometidos e decididos a tomar as armas quando necessário. Um caso similar é o da culinária, se numa casa todos soubessem cozinhar bem, mas ninguém tivesse a facilidade necessária para administrar os bens, rapidamente teríamos uma família obesa e mendicante.

Então assim como temos duas pernas, é bom termos diferentes visões de mundo. Diferentes perspectivas e, consequentemente, anseios e planos. Isso se aplica tanto a uma família como a pequenos grupos como a um pais. Não é errado, pensarmos diferente.

Todavia, é valioso ressaltar alguns casos de exceção. Talvez as exceções à ideia expressa anteriormente sejam os exércitos e grupos de emergência em que todos os indivíduos devem rescindir de suas ideias pessoais para dar lugar às da hierarquia e agirem como se fossem uma única pessoa. Todavia, mesmo assim é desejável que alguma coisa do instinto individualista de supervivência e amor pelo próximo seja mantido. De outra forma, teríamos exércitos e grupos de emergência formados por psicopatas. Isto é, pessoas que apenas sentem alguma coisa por si e, no melhor dos casos, pelos seus íntimos. (Um psicopata não tem como sentir empatia. Ele simplesmente não tem como sentir dó ou se colocar no lugar do outro. Não que não queira: não tem como).

O pleito democrático tem a virtude de colocar pelo menos duas ideias uma contra a outra. Aliás, no frigir dos ovos se resume a apenas duas visões de mundo. Todas as outas formas ou visões devem passar pelo crivo da negociação previa e devem acabar se acomodando nessas únicas duas que sobram no último estágio do pleito.

Se vemos os últimos pleitos (aqueles dos que temos memória) resulta que todos eles mostram um país dividido, mas é a primeira vez (na existência da maioria dos meus leitores) que a divisão chega a beirar a proporção 50/50. Isso, obviamente, gera desconfiança e insegurança de todos os lados. Dai a importância do pleito ser liso e profundo. Mas não é disso que quero falar hoje.

Sobre o silêncio dos que deveriam estar presentes

Me preocupa a branda elasticidade do silêncio da parte derrotada. Se, como é de praxe nas democracias, o rito do reconhecimento do vencido não é cumprido ou é cumprido tardiamente, ou é cumprido de forma pífia, se começa a pensar que há nisso uma deliberada intenção de – no mínimo – confundir. É obvio que nos faltam elementos para interpretar esse silêncio ou a comunicação abruptamente espartana. Então não é um terreno que possamos entrar para elaborar qualquer coisa.

Todavia, resta a interpretação que a massa (os quase 50% da população que votou na parte rendida) faz desse silêncio: nenhuma das leituras que o povo está fazendo falam de paz. Todas elas falam de insegurança e medo no melhor dos casos ou de intolerância e desatino no pior. Conheço pessoalmente algumas pessoas que votaram na parte rendida. A sensação entre esses que conheço é de desamparo, desapontamento e desassossego. Alguns pensam com compaixão naqueles que estão nas estradas se manifestando e ficam estarrecidos pelo absoluto descaso aparente do vencido.

Tenho a impressão de que essas manifestações são convenientemente deixadas para florescer amparadas por um silêncio retumbante. Mas ao falar isso, alguns que estão a favor do silêncio presidencial se confundem e acham que eu sou a favor do outro lado. Obviamente que, por não me conhecerem, devam pensar isso. São obrigados por força do pensamento que lhes governa a pensarem de esse jeito. Resulta que não.

Sobre a democracia

Eu sou é a favor da democracia que – parafraseando Winston Churchill – “É o pior dos sistema de governo, retirando todos os outros”

Winston Churchill foi um exímio defensor da liberdade e da democracia contra o nazismo. Desde a invasão da Polônia em 1939 e até que Estados Unidos pudesse entrar em guerra em final de 1941, foi o único bastião contra o avanço nazista.

Uma vez finalizada a guerra, foi ele quem cunhou o termo “Cortina de Ferro” para se referir à ameaça comunista. Ele usou esse termo por primeira vez em uma palestra que estava ministrando nos Estados Unidos da pós-guerra.

Então, mesmo não concordando que certos candidatos façam parte do pleito (por conta do passado com a justiça por parte de alguns e por conta do completo desinteresse no povo por parte de outros) não posso negar que o rito foi seguido e satisfeito. Que é necessário revisar esse rito, eu não nego. Os pesos e contrapesos da democracia devem ser revisados de tempos em tempos. Isso, me parece, é ponto pacífico.

Sobre alguns líderes ditos evangélicos

Então, sendo defensor intransigente da democracia, me resulta terrível ver como certos líderes ditos evangélicos não se atrevem a orientar de forma definitiva e clara a multidão que votou na parte rendida. Se deixam levar por boatos. Por guerras e rumores de guerra, como se fosse o fim.

Obvio que talvez esse não seja o seu caso, meu leitor. Assim como certamente não é o meu. Tomemos o caso de alguns pastores de renome do nosso país. Eles, nos últimos quatro anos, prestaram apoio político-partidário à opção rendida. Os vimos usando palavras e títulos que apenas eram adequados para o Senhor da Igreja em uma pessoa de carne e osso.

Em lugar de reprenderem e orientarem o seu rebanho a se afastarem dessa cilada, lhes disseram que se não apoiassem o candidato por eles escolhido, seriam banidos da congregação. E muitos foram. Essa conduta, não é condizente com os valores cristãos. Sendo que não é uma conduta que o nosso Senhor aprovaria, cabe a eles o único caminho conhecido: a confissão e o arrependimento. Isto é, a mudança de caminho de forma clara.

Mas, pedir a um desses que se arrependam, é como pedir ao abacateiro que produza bananas. Aliás, pensando em frutos e em árvores, nem pedindo a um abacateiro que dê abacates ele produzirá abacates. A produção tem mais a ver com a natureza do próprio pé do que com a vontade externa. Ou dito de outra forma: de nada adianta esperar outra coisa, apenas isso é o que conseguem produzir.

Então, meu leitor, não se engane pensando que eles fizeram isso de forma inadvertida. Não pense que o fizeram sem o correto concurso da vontade. Entraram na lama para empurrar o carrinho por considerarem que se tratava de uma ótima opção para os ideais deles. Ideais estes que têm se mostrado mais empobrecedores do ponto de vista intelectual e espiritual que aqueles conhecidos da própria idade média.

Como a igreja deve fazer para sair desse atoleiro no qual se meteu?

Talvez mostrando um pouco de humildade e firmeza.

Tomando apenas um exemplo, devemos dizer que a humildade é necessária para reconhecer que – ao concordarmos que a bala era a resposta correta para a violência civil – erramos. Assim, em plural. Mesmo que talvez você, leitor, nunca tenha concordado com isso pessoalmente, por conta de respondermos solidariamente como povo de Deus, devemos nos arrepender. Isto é, darmos meia volta. A velha liturgia que ainda resiste em igrejas como a Luterana e a Presbiteriana (por citarmos apenas duas) de confessar em público, em conjunto e usando a primeira pessoa do plural, se faz muito necessária.

Ao não condenarmos em 2018 o apoio político partidário compulsório que alguns líderes denominacionais impuseram, nos tornamos cúmplices. (Sim, já estou imaginando você dizer “eu não”, mas repare que se você chegou até aqui, é porque quer uma saída. Me acompanhe então). A coragem que nos faltou naquele ano (por conta do medo que nos governava) nos deixou sem qualquer movimento bondoso possível. Parece que é mais importante sermos fieis ao erro do que ao próprio Senhor.

Contudo, falemos da firmeza. A firmeza é necessária para saber expurgar os líderes que nos meteram nessa situação. Novamente, o uso do plural aqui é importante. Talvez nem à nossa denominação pertencem esses que se sujaram com isso, mas – por outro lado – pode ser que essa segmentação denominacional nos sirva apenas para acalmar nossa consciência. Então vamos ao plural similar ao que encontramos no Gênesis quando a trindade assumiu a responsabilidade de criar o Homem.

A firmeza, então, é muito necessária, haja vista o dano que se fez ao tecido social em geral e ao meio evangélico em particular. É necessária porque há um conceito gravissimamente errado de graça em que – como não nos custou nada – achamos que tem valor nenhum. É necessário então que a igreja experimente o Deus da justiça e do amor. Justiça ao afastar os líderes que levaram o nome “evangélico” a essa situação e amor em não lhes cortar a esses líderes o convívio nem a comunhão. Doutra forma se transformaria em uma caçada às bruxas e o remédio seria pior do que a doença. A ideia é a reconciliação, a cura. E isso não é possível se promovemos o ódio ou a revolta.

O caminho, mais uma vez, é estreito, mas a igreja sabe que esse é o caminho certo.

O descaminho da “bancada evangélica”

É muito difícil ela abandonar o poder uma vez que degustou do seu sabor. Mas é esse justamente o caminho a ser seguido para nunca mais voltar. Os católicos não têm bancada, os muçulmanos não têm bancada, os cultos afros não têm bancada. Por que é que os evangélicos têm bancada? É esse descaminho o que precisa ser abandonado pelo povo. Isto é, por cada um de nós. Há uma necessidade imperiosa de escolher o caminho do silêncio, já que o diálogo para o abandono disso é impossível. É muita ânsia de poder. Muito ódio pelo ser humano transvestido de cristianismo evangélico e por isso, são incapazes de abandonar essa canoa furada. Amam a canoa. Almejam a canoa. Fornicam com a canoa.

Eu não pretendo ser um sonhador, perseguidor de sonhos e caçador de vento. O pior que pode existir é uma utopia neste sentido. Sendo, então, bem realista, entendo ser impossível certa fatia da camada evangélica ser restaurada ou regenerada. Transgrediram de forma tão contundente contra o próprio ser humano que o melhor lhes seria se calarem e se abandonarem; se deixarem apagar como o pavio final de uma candela. Quem sabe no silêncio interior conseguem conceber de alguma forma misteriosa que a Igreja de Cristo não é o lugar adequado para esses devaneios.

Se você entrou nessa furada e ainda sente a voz do seu mestre, volte. Largue os porcos e as bolotas. Na casa do pai há paz e amor verdadeiro.

Se você não ouve mais ou se nunca ouviu, não demore: suje-se ainda mais, pois não há mais esperança.

Quem é injusto, faça injustiça ainda: e quem está sujo, suje-se ainda; e quem é justo, faça justiça ainda; e quem é santo, santifique-se ainda.

Apocalipse 22:11

A urgência da escrita honesta

Escrever sem um mercado em vista

Me pediram para pensar sobre alguns parágrafos do livro “Pão para o caminho” do padre holandês Henri Nouwen.

Basicamente ele propõe a escrita não apenas como lugar para expressar o pensamento, mas também para buscar o pensamento correto. Não interessa se a escrita é acadêmica ou artística. A escrita tem esses méritos. É um lugar de encontro da identidade, mas precisa ser honesta.

Ele elenca três ideias sobre a escrita: 1) Escrever pode ser uma forma de salvar o seu dia 2) Escrever pode provocar a abertura de poços profundos e 3) Escrever é poder tornar sua vida disponível aos outros.

Evidentemente isso me levou a pensar na nossa relação como sociedade com a escrita e em particular com a comunicação veloz das “redes sociais eletrônicas” (coloco aqui “eletrônicas” para distingui-las das redes sociais que tem na biologia e no tempo-espaço sua manifestação última e podem ou não fazer uso de qualquer meio para se comunicarem ao passo que a “rede social eletrônica” visa apenas a relação à distância – mesmo que estejamos na mesma sala às vezes)

Então, lá vão minhas respostas às três ideias de Nouwen:

A sociedade dividia e cheia de ódios em que vivemos carece de uma boa leitura. Gostaria de dizer que tem sede, mas não seria verdade porque a esmagadora parte da nossa sociedade não mais sente falta de nada por estarem consumindo ódio reprocessado e amplificado pelas redes sociais.

Salvar o dia com a escrita é uma boa, mas Twitter não é uma opção. Porém, escrever se faz necessário não porque haja quem leia, mas por haver quem pensa. Se eu penso (existo) e e registro relembro da minha agonia existencial. Se isso ajuda alguém, bem-vindo seja o corolário.

Perfurar as camadas do pensar para chegar na agonia da vida é uma boa, mas Facebook não está ai para isso. Parece que nosso século tem medo do profundo. Ou talvez seja a conveniencia de alguns já que esse neo-circo da exposição da vida se junta com o neo-pão da pseudo reflexão da rede antes citada. Mas nada de profundidade. Nada que faça a pessoa pensar. Nada que nos faça pensar, chorar, sentir.

E finalmente, Instagram, com sua intenção de mostrar a vida íntima, não chega nem perto de mostrar os escuros rincones da nossa vivência. Esse exibicionismo cheio de malabarismos cênicos que alimenta um certo voyeurismo masoquista apenas aumenta o nível de desprezo, inveja e ódio. Por outro lado, escrever pode ser uma forma de se auto-revelar ao outro sem que seja essa a intenção última. Porém, se é honesto, o escritor vai encontrar talvez algum eco. Eco este que não está presente nos seguidores de plantão. Podem haver mudanças de comportamento, mas não de pensamento.

A escrita demorada, pensada, intimista pode, sim, fazer a diferença, mas apenas naqueles que tenham ainda um pouco de coragem por viver e não se contentem com o pântano raso das redes sociais

Deus sem “evangeliquês”

A construção do ser de Deus é gradativa, cumulativa e enorme no texto que nos é sagrado a cristãos.

Contudo, não é apenas na Bíblia que há uma grande construção do ser de Deus. Na realidade, seja por um arquétipo (a la Carl Gustav Jung) ou por um vazio no tamanho de Deus (como em Blaise Pascal), todos e cada um dos seres humanos tem uma ideia sobre o divino.

Essas ideias são herdadas e compartilhadas na sociedade em que o indivíduo está inserido. Muitas dessas ideias não são simples ou pobres. A maioria delas é elaborada e muito rica, geralmente com relatos de alguma forma de interação com esta sociedade.  

Por outro lado, podemos ver pessoas com ideias de índole menos pessoal como os estoicos (universo governado por uma razão universal natural) ou epicureus (se existe um deus é distante e irrelevante à vida cotidiana).

Obvio que ter esses conceitos não necessariamente ajudam na tarefa de apresentar o monoteísmo bíblico, mas é exatamente o ponto de partida que devemos buscar: em outras palavras, qual é a fé da pessoa e que formas adquire no cotidiano. Isso determina não apenas o conteúdo como a fraseologia a ser utilizada.

A partir de ai, o esforço deve se focar em mostrar Jesus, seu ensino e sua vida. É onde entra o tal de “testemunho”, isto é, uma vida de serviço aos nossos irmãos de raça. Jesus é simultaneamente, a forma mais completa e a mais simples de apresentar o Criador à criatura. Descobrir a linguagem específica, pode levar uma vida.

“Pregue o evangelho em todo tempo. Se necessário for, use palavras”

São Francisco de assis

A república do século XXI

Sobre as relações viscerais do Exercito Brasileiro e a formação da república; de como isso o impede de subverter a ordem na atual conjuntura; e de qual deva ser sua conduta como cristão na situação que vivemos nesta transição democrática.

Em 15 de novembro de 1889, a república foi proclamada. Nela se misturam quatro situações de grande magnitude que tinham se acumulado ao longo dos anos: militares insatisfeitos com o soldo, a carreira e a proibição de manifestar suas posições políticas; civis desgostosos com a monarquia; descontentamento entre as elites emergentes por se verem sub-representados na vida política da monarquia; grupos que desejavam uma maior participação pelo voto; e claro, a questão abolicionista. Essa é, em resumo, a receita da proclamação da república.

O Manifesto Republicano

Não por um acaso o movimento republicano começa em 1870 logo depois da Guerra do Paraguai, dando início a uma separação entre os interesses da população e a capacidade da monarquia de atender aos mesmos. Esse movimento é formalizado pelo Manifesto Republicano que em suas linhas finais diz assim:

Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monárquica que não inspira simpatia nem provoca adesão. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, aonde o instinto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a onipotência do soberano. Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos, e em solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte.

O Exército

Podemos afirmar, sem medo a errar, que na nascente desse torrentoso rio chamado república encontra-se o desejo visceral de fazer parte dos povos americanos e não apenas uma extensão de um reino além do oceano que não mais atendia (se é que alguma vez o fez) os interesses do ser brasileiro.

A profissionalização da corporação militar está diretamente relacionada com esse desassossego dos militares com a situação. Entendiam que lhes faltava o reconhecimento devido pelos serviços prestados na guerra do Paraguai. Por outro lado, eles se entendiam como os tutores do Estado brasileiro. Sob essa ótica, nada mais obvio do que almejar que suas opiniões politicas pudessem ser ouvidos. Na monarquia, eles eram proibidos de se manifestarem tanto dentro da corporação como em veículos públicos.

Insuflados pelo positivismo (que acreditava no progresso continuo da humanidade) eles entendiam que esse processo deveria ser conduzido por um governante e que se necessário for, este poderia se afastar do desejo da população. Traduzido: um governo republicano ditatorial.

Nada mais natural para uma instituição fortemente alicerçada em uma cadeia de poder. Sem essa cadeia, não é possível coordenar toda a tropa na hora da crise. É aquela mistura estranha de ideias em que uma instituição dedicada a conservar a ordem deseja impor sua visão de ordem.

Seja como for, é inegável que o Exército Brasileiro em toda sua extensão fez parte do movimento republicano, negociando aqui e acolá o restante da ideia, como corresponde a qualquer democracia.

Além disso, e como consequência da influência do positivismo na tropa, a instituição era a favor da laicidade do estado em contraposição a um estado católico.

Em resumo, a formação da república muito deve ao esforço ciente do Exército.

Das outras forças

Sem a presença do exército, as outras forças dificilmente poderiam pensar em reverter a situação a curto prazo. Desde o manifesto republicano até o desfecho vão quase 20 anos. Sem a participação (o descontento) do exército dificilmente a população poderia se levantar.

As capitanias e posteriores províncias estavam constituídas de tal forma que era virtualmente impossível que se levantassem com força e coordenação suficiente como para subverter a ordem vigente.

Era necessário que essas forças se combinassem de uma tal forma para que a monarquia fosse inviável, que sem o exército isso seria improvável. Ele era, em certo sentido, o fator de força comum a todos os outros movimentos e com a capilaridade suficiente como para poder catalisar isso tudo.

Porém, mesmo assim, leva quase 20 anos em banho-maria até a formalização de um novo projeto de nação.

Que não se enganem os observadores ocasionais: o Exército Brasileiro tem um compromisso institucional com a nação brasileira e seu projeto republicano.

O golpe de 1964

Muito se discute se o que aconteceu em 1964 foi um golpe ou uma intervenção militar. Há ainda os que dizem que se tratou de uma resposta ao clamor popular e que por isso foi um movimento legítimo.

Uma intervenção militar interna, acontece quando os poderes institucionais convocam as forças armadas a defender a ordem pública, a paz social, a estabilidade institucional ou uma mistura dessas três.

Não foi isso o que aconteceu em 1964. Não havendo nenhum pedido formal (por parte do Congresso Nacional) que validasse qualquer uma das marchas das duas frentes militares que se mobilizaram em 31 de março, pode-se concluir que não se tratou de uma “intervenção militar” nos moldes da constituição de 1946.

Foi uma derrocada do poder escolhido democraticamente pelo uso da força sob o ponto de vista de uma parte da população. Ou, como definido por Gabriel Naudé: um golpe de estado. Parte funcional do estado se levantando contra outra parte do próprio estado.

A situação daqueles anos

As ações dos generais Costa e Silva no Rio de Janeiro e Olímio Mourão Filho em Minas Gerais são compreendidas em virtude do estado de coisas que vigoravam na primeira metade dos anos 1960.

Jango com suas “reformas de base” conquistava a desagradável posição de ser indesejado pela classe média urbana, pelas elites, pela igreja, pelo exército e pela imprensa. Era visto como conivente com o comunismo, a desordem social e a desarticulação da ordem na hierarquia militar.

Além disso, as relações com os Estados Unidos (hábil articulador de vários golpes de estado ao longo da America Latina e sua infame “Escola das Américas”) estavam deteriorando-se com as consequências inevitáveis no mercado.

Parte do povo se manifestava a favor de uma intervenção militar com a “Marcha da família com Deus pela liberdade”, por exemplo. O sentimento que havia nesse movimento era o do medo a um possível golpe militar comunista. Em 18 de março de 1964 o manifesto de conclamação foi publicado pela Folha de São Paulo que era assinado por 34 entidades, vários grupos anticomunistas e grupos cristãos (católicos e protestantes).

Se calcula que 800 mil pessoas compareceram ao ato em 18 de março na praça da Sé em São Paulo.

Esse movimento era uma resposta ao comício convocado pelo presidente em 13 de março que – buscando alianças com o Partido Comunista do Brasil, os mais radicais do PTB e os movimento sindical rural e urbano para viabilizar suas reformas – e ao que compareceram 350 mil pessoas.

Ejército Guerrillero del Pueblo. Salta, Argentina

A revolução em Cuba já estava bem arredondada quando Ernesto Che Guevara envia um grupo guerrilheiro (treinado extensamente em Cuba) ao seu pais natal: Argentina. Mais especificamente na província de Salta. Era o “Ejercito Guerillero del Pueblo” cuja função era instaurar a revolução no pais mais ao sul do nosso continente, formando assim uma pinça norte-sul.

Tão revoltoso era el Che (organizando e promovendo a guerrilha em America Latina) que muitos partidos comunistas de América Latina não aprovavam sua estratégia de luta armada generalizada que ele propunha.

Com Fidel em Cuba, o argentino Ernesto Che Guevara promovendo a “guerilla” em Salta (Argentina) durante 1963 e sabendo que o propósito comunista era elevar o proletariado por qualquer meio (o fim justifica os meios) nada mais fácil que compreender do que o medo beirando o pavor que se respirava na sociedade brasileira de 1964.

O sentir era de que em lugar do Hino Nacional Brasileiro, pronto deveríamos cantar o hino da Internacional Socialista, tal a visceralidade do movimento comunista internacional na época.

Como disse, dá para entender a Costa e Silva e a Olímio Mourão Filho, mas não dá para justifica-los. O que se deu posteriormente com o cerceamento de vários direitos básicos e o assoreamento das instituições legais em virtude da batalha contra os insurgentes é simplesmente uma mancha (que muitos consideram necessária) na história das Forças Armadas em geral e do Exército Brasileiro em particular.

E nós?

Estamos vivendo em um pais ideológicamente dividido. Essa divisão permeia a sociedade sem observar limites, sejam eles quais forem.

Essa mesma divisão é observada ao longo do continente americano, mas também na Europa (uma extrema-direita ascendente já governa Itália), na ásia (lembram do assassinato do ex primeiro-ministro japonês em julho de 2022) e na África (Nigéria, Quênia e Angola que são potencias regionais tiveram eleições apertadas)

É muito difícil falar da situação de nosso pais já que há muitas emoções envolvidas e onde entra a emoção, a razão pula pela janela. Então, numa tentativa de metáfora, olhemos para fora.

O pior exemplo vem dos Estados Unidos da mão do ex presidente Donald Trump na sua cruzada particular de dilapidação das instituições do grande pais do norte. A violência (arma do comunismo dos anos 1960) é a moeda comum e corrente destes neo-conservadores. Se coloca em dúvida o método eleitoral (que por lá ainda é impresso)

A partir dessa situação vergonhosa podemos olhar melhor para a nossa e encarar os descaminhos do ex deputado Roberto Jefferson e sua recepção a bala da polícia federal recentemente. Tal parece que – para ele – as instituições do nosso pais não funcionam e por isso pode atirar e jogar granadas nos representantes do estado.

Ele, assim como outras figuras públicas ou como um pai com seus filhos, educa pelo exemplo muitíssimo mais do que pelas palavras. É normal que se espere dos líderes uma liderança e é bom que se espere uma boa liderança.

Mesmo que se chegue à situação em que metade mais um da população brasileira gritasse por uma intervenção militar, ela não acontecerá. O Exército Brasileiro já se sujou as mãos uma vez e não o fará desta, até porque as condições não se dão.

Não corremos risco de uma invasão comunista até porque os próprios comunistas pensantes já optaram por outros caminhos. Todavia, como em todo crime, resta saber porque algumas pessoas assustam outros com este medo que era bem fundamentado em 1964, mas que carece de alicerce em 2022.

Não é a direita ou a esquerda que devem ser evitadas, é o pânico. O pânico bloqueia a capacidade de pensarmos e de agirmos. Nos incapacita de forma profunda e instantânea. E para piorar, é contagioso e se transmite pela fala (seja esta impressa, de corpo presente ou distante). NOTE: Não disse que não é para evitar o comunismo. Este, assim como o nazismo, devem ser evitados e combatidos. Todavia, numa simplificação a-la Hitler, se nomeia comunismo a tudo aquilo que cheira não-conservador.

O que deve ser evitado é o conluio com o poder público. A noiva (isto é, a Igreja) deve preservar-se pura para o seu noivo (isto é, Cristo). De nada serve dizer que confiamos em Deus, mas morremos de pavor de supostos poderes terrenos. De nada serve dizer que ele é nossa esperança se esquecemos da nossa história de salvação e corremos rapidamente aos quarteis para achar oportuno socorro no tempo da angústia. De nada serve dizer que amamos nosso próximo se o odiamos visceralmente por ele não pensar como nós. De nada serve dizer que confiamos em nosso Senhor para o futuro se nem consideramos a história, mas sim os contos que nos chegam pelo WhatsApp.

Há muito para ser reconstruído (ou redimido se assim o preferir). O Reino já foi instaurado. É nossa responsabilidade agir de acordo com os princípios desse Reino com o qual nem a extrema esquerda, nem a extrema direita, nem o extremo liberal têm alguma coisa a ver.

Como cristãos, voltemos ao básico: Jesus é Rei, o ser humano é reflexo dele e como tal precisa ser respeitado; cremos na liberdade de culto, de consciência e de credo; cremos na laicidade do estado; cremos na separação de Igreja/Estado.

O Reino de Deus está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ou dito de outra forma: não tem filiação política.

Como nação brasileira: voltemos a querer ser apenas brasileiros: sul-americanos plenamente envolvidos com nossos irmãos continentais em sintonia com o Manifesto Republicano de 1889. Muitos países de America Latina carecem de um bom exemplo republicano.

Transformando o mundo, uma vida por vez

Recentemente estava numa igreja em que o assunto era o discipulado. É obvio que devemos voltar ao simples, mas não pelas razões erradas. Sua vida e/ou da sua congregação já é a de discipulado, você deve voltar ao básico. E se sua vida ou da sua congregação não é de discipulado, deve, então, voltar ao básico.

Numa época lotada de “seguidores” e “influencers” definir o discipulado como âmago do Reino de Deus se torna de vital importância. Nos últimos anos temos assistido ao inchaço de pessoas que se deixam influenciar por outras pessoas sem que por isso haja alguma forma de relacionamento mais profundo. Com isso, há uma escalada no “cancelamento” que nada mais é do que – a partir de um fato isolado, como pode ser um recorte em um vídeo ou áudio feito público, com, ou sem autorização do interessado – a pessoa é jogada na fogueira da opinião pública para ser escarnecida. O número de seguidores parece ser a justa medida de aprovação de uma ideia ou de uma visão de mundo, ou – pior – a vida íntima alheia.

Qual é a nossa resposta? Devemos inventar alguma coisa nova?

O discipulado é a resposta adequada e universal a esse veneno. No discipulado, você compromete sua vida com outra vida para seguirem juntos os ensinamentos e condutas do mestre, Jesus.

Não se trata de uma corrente de seguidores. Alguém poderia dizer que o importante é seguir a alguém, que segue alguém, que segue alguém….. que segue Jesus. Mas a proposta que surge da Bíblia é a de seguirmos junto Jesus em uma relação direta com o mestre.

A sedução dos números

O número, a multidão, a manada, não é o método de Deus na escritura. Se observarmos com cuidado, desde o Antigo Testamento, vemos que ele escolhe uma pessoa e sua família; forma um povo; trabalha com uma tribo em particular; afunila até chegarmos na figura de Jesus.

Outro exemplo válido é o dos cinco mil que foram alimentados: apenas um grupo pequeno eram seus discípulos. Mesmo entre os discípulos, apenas 12 são chamados de apóstolos. Enfim, exemplos não faltam.

Só com isso, já deveríamos olhar de forma estranha os modelos que incentivam o acumulo de pessoas como se fossem coisas. Apenas “seguidores” de Instagram ou qualquer outra rede social das que estão de moda não devem ser o modelo de “mudança do mundo”. Mas você pode me perguntar: Não somos chamados a levar o evangelho ao mundo?  Não devemos usar todos os meios que estão ao nosso alcance? Minha resposta é sim para as duas, mas meu alerta, é que temos desistido ao canto da sereia e substituído a pregação, e alcance a meros “seguidores”e é aí onde mora o perigo.

Nessas redes sociais, o verbo “incentivar” pode ser facilmente por “instigar” e isso vai exatamente na contramão do que Jesus parece ter querido construir durante seu ministério terreno. Imagino, que você e eu podemos coincidir que se João o Batista disse que “O Reino de Deus é chegado” (Mt 3:2) e ele estava se referindo necessariamente à vinda de Jesus o Cristo e se depois o próprio Jesus repete a frase (Mt 4:17), logo, o melhor modelo do Reino é a própria vida de Jesus e não algum outro tipo de devaneio.

“Sede imitadores de mim”

Usamos com frequência e com razão o texto de 1Cor.11:1 para falarmos de discipulados: “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo.” Precisamos expandir o conceito para sentirmos completamente bem e seguros sobre o uso desse texto para o discipulado.

Como o propósito desta postagem não é se adentrar na tarefa hermenêutica ou exegética, basta apenas umas poucas pinceladas para o leitor interessado possa se aprofundar posteriormente. Se você não estiver interessado nessa questão hermenêutica/exegética agora, pode pular os próximos cinco parágrafos lembrando, porém, que o que se busca é justamente que você pense e elabore suas ideias.

Se ele fala do discipulado e se em 11:2 Paulo começa com outro assunto, ele – necessariamente – deve ter uma interpretação adequada nesse contexto de transição entre o que vinha sendo dito no capítulo 10 e no que vai ser colocado no restante do 11.

De imediato vemos que o assunto, não parece ser o discipulado como tal o se costuma definir: alguém ensina e outro aprende. Se bem essa questão pedagógica está embutida no conceito de discipulado, não esgota o mesmo. Discipulado, sim, tem a ver com ensino, mas tem mais a ver com imitação do andar. Dai que usemos a palavra “seguidor” como sinônimo de “discípulo” enquanto nos distanciamos do conceito do “seguidor de manada” como nas redes sociais.

O que Paulo nos coloca sobre este assunto da ceia (10:16-11:34 que por sua vez está inserido em um assunto maior que é a analogia do Êxodo judeu e do Êxodo da igreja 10:1-11:34) é que devemos considerar as crenças e emoções de nosso companheiro de caminhada. (O contexto maior, do culto, o deixarei de lado apenas para mantermos o foco)

Vemos isso intensamente no exemplo que ele coloca (10:23-1:33) sobre a tensão entre a liberdade pessoal, o sacrificado aos ídolos e a consciência alheia. É nesse contexto que Paulo coloca a frase tão mencionada de “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo

Ouço muitas pessoas falando da liberdade cristã como se fosse sinônimo de libertinagem ou anarquia. Incrivelmente o conceito de liberdade que Paulo propõe tem a ver não com o abandono dos limites (libertinagem) nem com o abandono das leis (anarquia). Tem a ver com o cuidado da consciência alheia não para nos tornarmos mais fracos em conjuntos, mas para que haja mais amor do verdadeiro.

“Suplico-lhes que sejam meus imitadores”

Se já pegou a ideia sobre 1Cor 11:1, então é válido dar uma olhada rápida em 1Cor 4:16 “Portanto, suplico-lhes que sejam meus imitadores.” Essa pérola, Paulo a coloca após ter demonstrado que de entre muitos mestres, eles tinham apenas um tutor. Obvio que alguém poderia querer usar para dizer que Paulo constituía alguma espécie de “cobertura” espiritual e eles estavam fora. Como este artigo não é apologético, não merece maior atenção do que a seguinte: não se trata disso, trata-se de pregadores com um evangelho estranho terem entrado na congregação e por isso Paulo estava socorrendo os irmãos.

Como Paulo socorria os irmãos? Como ele fazia para que as pessoas se voltassem para o que de fato era o cerne do evangelho?

Bem, uma das formas era escrevendo, como de fato estava fazendo. Mas outra das formas era enviando pessoas que estavam convivendo com ele e que podiam lembrar para os coríntios, como era a “maneira de viver em Cristo Jesus” que Paulo seguia. Vemos isso de forma lindíssima em 1 Cor 4:17ss

Pessoas, vivendo como pessoas, cominicandosse com pessoas, lembrando como as pessoas novas em Cristo se comportam. É isso.

A arrogância tinha tomado conta da igreja (4:18-20) e Paulo faz o básico: relembra eles como é o viver cristão. Não se trata daquilo que mostramos aos domingos no templo. Na realidade não tem nada a ver com isso. O viver cristão tem a ver com tudo o que acontece fora do templo, tanto em lugares públicos como no espaço privado e particular.

Interessante que o efeito da explosão das redes sociais, não é o amparo do próximo, mas sim a arrogância: A petulante imposição da imbecilidade individual sobre qualquer proposta de amor ao próximo.

Voltemos ao básico. Voltemos a viver de forma discipular. Antes de sermos abandonados e outros tomem nosso lugar.

Dúvida, Fé e angustias

Geralmente a dúvida é tida como contrária à fé, já que esta é definida como a certeza de aquilo que não se vê. Todavia, a dúvida é parceira da fé no sentido que estabelece os limites dela e a fortalece.

Uma dúvida simples entre o rebanho é se Deus responde ou não determinadas orações. A simplificação da dúvida reduzindo ela a uma falta de fé por parte e quem ora, não resolve a dúvida nem tira a angústia. Então a dúvida, existe e é comum.

Estabelecido o ponto da dúvida existir, e vendo que a supressão da mesma por uma resposta simplista não enxuga a questão, sobra apenas bendizer a dúvida como parte do processo em que “a prova da vossa fé, mais preciosa do que o ouro” forja um caráter cristão de melhor qualidade.

Resta então analisar a razão de fugirmos à dúvida. Suponho que fugimos da angústia que a dúvida traz. Logo, não seria mais a fé a que nos traria certeza, mas a falta de dúvida, de onde concluo que não é possível uma fé significativa sem uma dúvida angustiante.

Sistematizar a dúvida é estar ciente do processo de amadurecimento da fé.

A agonia da espera

Ontem, por ocasião do falecimento da esposa de um amigo, tive que fazer uma pequena viagem passando por várias pequenas cidades. Todas elas tinham uma manifestação política. Ou a favor de Bolsonaro, ou a favor de Lula.

Em duas das ocasiões tive, por uma questão de trajeto, que participar na precisão: uma vez com os partidários de Lula e outra com os partidários de Bolsonaro. Tive então a esplendida oportunidade de desfrutar de primeira mão do sentimento das pessoas dentro da fila de carros como os que se encontravam à beira do caminho. Nos dois grupos vi a mesma coisa: uma felicidade indescritível de estar manifestando sua preferência política.

Se pensamos, isso era impossível há apenas algumas décadas. Aqueles que são favoráveis aos governos totalitários, esquecem do valor inegável da democracia. Aqueles que pleiteam por apenas um “estado de direto” em lugar de um “estado democrático de direito” esquecem não apenas a diferença, como nossa história e o que nos custou até chegar a colocar essa pequena frase na própria constituição.

Mas o que quero chamar a atenção sua hoje, domingo 2 de outubro de 2022 logo antes de fechar a eleição, é sobre como tem sido o trânsito da igreja (como instituição e como organismo vivo) nos últimos anos.

Seja como for – e seja qual for sua preferência política – é inegável que nestas horas finais da votação e antes de sabermos o resultado da primeira contagem, deve haver uma certa angustia nessa espera. Com um pais dividido politicamente como temos, é quase impossível ficar apático nesta conjuntura.

Então quero usar essa agonia circunstancial e temporária para lhe voltar a apelar ao pensamento crítico. Mas maiormente ao pensamento auto-crítico. Ou seja, uma reflexão sobre o último quinquénio.

Tenho a impressão de que a igreja (institucional ou orgânica) tem se digladiado por apoiar especificamente uma ou outra linha de pensamento político. Não que não haja necessidade das pessoas se posicionarem mas sim denunciar que a igreja (em suas duas dimensões) tem sucumbido perante os poderes terrenos. Como se a salvação viesse de alguma pessoa em particular ou de alguma linha política especifica.

Então, nessa angustia enquanto espera pelo resultado, pense se não é o caso de fazermos um quinquênio diferente em que o Senhor da Igreja seja de fato o único Senhor e Ungido em todas as esferas da vida.

A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

Filipenses 3:20

Liturgia livre ou estrita?

Durante alguns anos, enquanto uma igreja de uma denominação diferente da minha cuidava da minha restauração, participei de uma comunidade com uma liturgia estrita. Foi muito chocante e instrutivo. As celebrações, as leituras, as cores. Tudo tinha um propósito pedagógico e trazia um certo ritmo e segurança à comunidade. 

Me parecia isso tudo bastante parado, repetitivo, previsível. Porém, me é necessário reconhecer de que as festas não eram nada previsíveis. A impressão que me passaram era de um povo que conseguia celebrar não apenas as do calendário litúrgico, mas as extraordinárias ou aquelas em que a igreja – como entidade – participava na sociedade ou os jantares informais. Havia um sadio equilíbrio, a meu ver, entre o ritualístico e o comunitário ou entre o sacro e o profano, como alguns gostam de ver. 

Anos depois participei de outras três comunidades de liturgia livre. Se bem os cultos me pareciam mais dinâmicos e festivos, as celebrações (no sentido de festas) eram apenas aquelas organizadas dentro da própria comunidade eclesiástica, não havendo um ponto sequer de contato com a sociedade em que a igreja deveria estar inserida. Era como se fosse apenas um equilíbrio interno, imaginando-se existir um espaço apenas para o sagrado.

Essa falta de trânsito entre o que chamamos de sagrado e o que chamamos de profano fala muito do que pensamos sobre nós mesmos, nossa identidade, nosso propósito e nossa escatologia.

O modelo de Jesus, o Messias, inclui congregação, leitura, oração, reflexão, denuncia, pregação e ação. Tentar limitar isso a um culto de domingo à noite ou pior, a assistir uma mensagem por alguma rede social ou ler um artigo como este sem a comunhão com outros que seguem o mesmo caminho e sem a inserção significativa na sociedade em que vivemos, coloca todo o modelo apenas como isso: um modelo distante e idealizado; uma utopia.

Só faltam fogos de artifício

Repare na forma em que disponibilizamos as pessoas no evento do culto público. Pense um pouco em como isso se dá na sua congregação. E no ambiente. Já pensou no ambiente?

Não interessa se é um grupo enorme ou um grupo muito pequeno. Quase sem distinção há um espaço reservado para os que cultuam e outro para os que “assistem ao culto” e o alvo parece ser reter quando não conquistar novos adeptos a essa miragem artificial.

Sim, o culto contemporâneo é uma miscelânea de espetáculos buscando o maior número de assistentes ou a assimilação dos mesmos. Obvio que isso é uma generalização brutal, mas se pararmos para observar se tratam apenas de teatralizações adquiridas da sociedade. Seja a do século XVI ou a do século XX. Já já veremos a adquisição do modelo do S.XXI

O rito de pessoas especiais mostradas e vistas na frente do local de atividade cultual nos remete aos ritos da idade média em que os reis e os clérigos estavam em posição de destaque e – talvez por uma questão meramente de organização acústica – deviam ser ouvidos. Essa distribuição física acaba representando de forma aproximadamente perene a ideia de que o povo é uma coisa e os que cultuam é outra. Isso se observa facilmente nas igrejas reformadas e nas históricas. Sejam episcopais ou congregacionais, nelas todas há um lugar especial para os escolhidos e outro para o povo. Teologicamente afirmamos que somos igreja e cultuamos juntos, mas na hora de pôr isso por palavras dizemos “vamos à igreja a assistir ao culto”

Uma inovação visível nesse modelo, é a adoção de outro modelo, não já do teatro ou da corte do século XVI mas da televisão e outros espetáculos do século XX. Todo tipo de efeito especial é aceito e encorajado: desde música de fundo, passando por iluminação especial, chegando a aparições fantásticas. Um verdadeiro desastre.

A teatralização de um Deus distante e inatingível (que era a forma correta sobre a qual o tabernáculo e depois o templo foram erigidos) é a figura mais incorreta a ser transmitida para o povo, para a pessoa comum, o homem de a pé. Essa pessoa comum e silvestre precisa entender que Deus se aproximou ao homem por pura graça e por um genuíno interesse divino em redimir a sua criação toda (e não apenas a alma do homem na visão platonista do ser humano). O Deus expresso no Novo Testamento é aquele que toca no leproso e não o que mora de forma distante e inatingível.

De um jeito ou de outro, à moda do S.XVI ou do S.XX, tudo isso só confunde quem de fato está em busca da verdade e o afasta da mensagem central de fazer justiça, misericórdia e ser humilde perante Deus (Mq.7:8) ou também ajudar o oprimido, fazer justiça ao órfão e tratar da causa das viúvas (Is.1:10-17)

Ou dito de forma mais brutal: é apenas um entretenimento; uma perda de tempo.