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Qual é a importância da Escola Bíblica

Em uma simples palavra: nenhuma

A escola bíblica é um daqueles projetos que são bons na origem mas quando se institucionalizam esmagam os que dele se utilizam.

Ela tem se prestado, por exemplo, para medir o grau de espiritualidade ou maturidade dos membros de uma igreja, tem servido para empoderar fracos e sustentar orgulhosos. Mas não poderíamos falar isso de qualquer outro projeto de uma igreja local?

O projeto em sua origem é bom: ensinar às crianças analfabetas da Inglaterra não apenas  a ler e escrever, mas também a ter uma vida social melhor ajustada (se bem que os desajustados – ao meu ver – era a população adulta que tinha esquecido de zelar pelos menores). Este modelo se estandardizou e se propagou por toda Europa e depois pelos Estados Unidos e foi absorvido pelas igrejas de liturgia livre e as de liturgia rígida. (Ou igrejas históricas ou não históricas, como queira chama-las). Em resumo, virou moda.

Rios de dinheiro tem sidos investidos em manter este projeto funcionando e não são poucas as pessoas que tem dedicado a vida ao mesmo. Então o que está errado?

Bom, achar que isso é igreja. Ou seja, é o mesmo que está errado com os cultos de domingo ou com as reuniões nas casas ou os jantares ou as campanhas de evangelização ou o encaminhamento formal de missionários.  Nada disso vale absolutamente nada quando nos evita de olhar para dentro de nós e ver nossa própria carência do Cristo resurreto no âmago das nossas vidas.

A estas alturas, você deve de se estar perguntando, “então, por que razão você insiste tanto na escola bíblica?. Por que não melhor fecha essa matraca e nos deixa quietos na nossa zona de conforto?”

Bem, meu querido, junte-se a nós para saber a razão. Brincadeira, basicamente é o seguinte: A Escola Bíblica (assim como qualquer outro projeto) carece de importância em si mesma. Ela é importante apenas para conectar vivências disseminando a identidade da igreja local. Sim, você leu certinho, eu assumo formalmente que a identidade de uma igreja local é construida a partir do pensar, sofrer e viver juntos. E tem mais: mais cedo ou mais tarde, se o caminho está sendo bem trilhado, esta identidade local nos deve levar – como grupo e não apenas como soma de indivíduos – à nova identidade que temos em Cristo e isso é responsabilidade de cada geração até que ele volte.

Então, chame seu encontro para ler a Bíblia e descobrir o Cristo (João 5:39-40) por qualquer e faça-o em qualquer dia, mas se não é para conhecer mais Jesus, não faça nada. Estará perdendo seu tempo enganando a si mesmo e tentando enganar aos outros.

Beijo grande no coração

Jesus e a Liberdade

Evangelho de João

Jesus e a Liberdade

João 8:1-9:41

    1. O que é a liberdade?

Para muitos tem a ver com poder fazer o que bem entender. Para outros é poder se esconder tanto ao ponto que não pode ser descoberto o dano feito ou planejado. Ou seja, a liberdade é um bem que se tem ou se compra e que cada vez fica mais caro.

Gostemos ou não, liberdade e caráter são duas faces de uma mesma moeda: faltando uma delas a outra perde valor.

Via de regra, no meio evangélico há os que gostam de misturar o conceito de liberdade com o de liberalidade e libertinagem ao passo que há os que – por falta de liberdade – gostam de vigiar a liberdade alheia.

    1. O texto

Somos cientes de que o capítulo 8 de joão (ou seja os versículos que vão do 7:53 ao 8:11) não fazem parte do texto original, mas entendemos que isso não lhe resta valor até porque o que ali está contido está em consonância com o restante do evangelho, em particular com o de João, se bem que o relato tem mais jeitão de sinótico do que joanino.1

Dito isto, precisamos observar a maravilha destas duas passagens. Há duas pessoas que haviam perdido sua liberdade. Uma por conta do pecado e outra…. bom, oras, é claro que alguém havia pecado, ninguém nasce cego porque sim. Bom, ao menos era o que a sociedade da época pensava e por isso tinha relegado este cego de nascença ao abandono e miséria social e espiritual.

Há aqui duas liberdades: 1) A liberdade de um pecado em particular 2) A liberdade dos efeitos do Pecado em geral.

    1. As pessoas sendo libertadas

A mulher cometia com regularidade o adultério. Tinha-se entregado a este prazer como se um vício fosse. As primeiras vezes ninguém sabia. Depois ficou conhecida, marcada, estigmatizada e não deu mais bola ao seu próprio destino. Este pecado, no início prazeroso e motivante, a havia enjaulado. Parecia livre mas não era. Prestes a ser morta, Jesus a liberta.

Já o jovem nascido cego era vítima não de um pecado em particular. Penso eu que os editores posteriores do evangelho se viram meio como que obrigados a incluir o pedaço do capítulo 8 da mulher adúltera porque a imagem de um ser nascido em trevas e que essas trevas fossem consideradas um fruto do pecado (particular mas desconhecido no caso) pareceria repulsivo aos primeiros leitores não judeus. A inclusão da mulher adultera sendo perdoada antes do cego, por mais repulsiva que a atitude pareça à sociedade do momento (judia, grega e romana) era mais palatável do que a retorcida visão de um Deus injusto e carrasco que se comprazia em descontar nos filhos os erros dos pais.

Este jovem, muito inteligente por sinal, era um segregado social por conta de uma posição teológica correta mas parcial. Dito em termos mais longos: é verdade que toda doença e a própria morte é resultado do Pecado na vida do ser humano; mas não é certo pensar que cada doença e cada morte é fruto de um pecado específico da pessoa ou dos seus pais.

    1. O Pecado e os pecados

Fazemos então uma distinção entre aquilo que é um pecado pessoal e o que é o Pecado como força que opera em toda a criação de forma invasiva.

Esta distinção a mostramos neste escrito utilizando a letra ‘P’ – em maiúscula – ao inicio da palavra Pecado para nos referirmos a esse poder que permeia sistemicamente toda a criação de Deus em maior ou menor medida, ao passo que utilizamos a letra ‘p’ – em minusculas – para nos referir às decisões particulares e pessoais que diferem da vontade de Deus.

Então, se bem no primeiro exemplo há uma liberação de um pecado específico (e com isso uma apertura para a vida) no segundo exemplo há uma liberação da condenação improcedente que os lideres judeus mantinham sobre seu irmão. Em qualquer dos dois casos quem perdia a liberdade era a aberração religiosa à que os dois casos estavam sujeitos. Não é por acaso que os dois blocos são antepostos a diálogos e discursos que tem a ver com liberdade, cegueira, etc.

    1. O discurso de Jesus

Não é correto dizer que há um único discurso nessas duas passagens. Há vários e separados no tempo. Todavia, o discurso ou o grande assunto é o mesmo: Jesus é a Luz do Mundo. Encontramos essa afirmação logo depois do relato da mulher adultera (8:12) e no encontro com o cego de nascença (9:5).

Então, não é errado considerar tudo o que Jesus fala a respeito de si mesmo um único pronunciamento sobre o fato de que Ele é a Luz do Mundo. As outras alocuções são colocadas justamente para reafirmar este fato. No capítulo oito vemos que ele está em pé de igualdade com o criador (8:27) e que é maior que Abraão (8:53-59). Já no capítulo nove observamos que ele se coloca como quem traz a abertura dos olhos espirituais ou aquele que faz o ser humano enxergar (9:39)

Todavia, por trás disso tudo está o velho discurso filosófico da descoberta da verdade. Antes de ser tido por blasfemo (9:59 como consequência ao “EU SOU” que ecoa do 8:27 e do Gênesis) a tentativa é de tratá-lo como mentiroso. Observe por exemplo os versículos 8:13; 40; 44b-46 e 55.

É – em síntese – o grande dilema humano: a descoberta da verdade como coisa objetiva e uma vez descoberta, viver por ela. Os grupos que se antepõem a Jesus, os escribas e os fariseus, levavam a serio a vida espiritual deles. Homem nenhum em sã consciência confia sua vida em uma coisa que sabe ser errada. Ele precisa estar plenamente convicto que aquilo que ele acredita é o correto, ou seja, a verdade. De outra forma, ele passaria a tentar descobrir uma outra verdade, seja por humildade, por desconhecimento, ou por descobrir que aquilo que ele pratica não é a verdade.

Jesus se planta como a luz e – por conseguinte – o discurso dele ou é verdade ou mentira. Não há como ser morno ao respeito disso. Estamos em uma época em que as coisas são relativas e antes desta época as coisas já eram relativas mas não levavam esse nome por não ter Einsten elaborado uma teoria com esse nome. Levamos então essa relatividade subjetiva a campos em que não deveria ser levada. Tanto levamos a sério nossa própria perspectiva das coisas que nos esquecemos que somos uma brisa neste mundo e logo logo passamos.

Nesse ponto então, nossa sociedade pouco se distingue dos fariseus e os escribas. Temos plena convicção das nossas próprias verdades e, como a morte única seguida da ressurreição não podem ser comprovadas cientificamente, acreditamos em qualquer coisa contraria a estas porque – ao final das contas – se não pode ser provado, achamos que é mentira.

É fácil julgar os escribas e fariseus. Difícil é encarar que somos tão cegos e guias de cegos quanto eles. Mas cegos do que? O que é que os fariseus, escribas e pessoas comuns não enxergavam? O que é que a sociedade religiosa e o homem de a pé de hoje não conseguem ver?

    1. Falsas Liberdades e Falsas Prisões

Um outro elo que vemos entre os dois relatos é o da ideia de que um ser humano é livre na medida que peca ao passo que outro que se preserva, está aprisionado. A mulher adultera levada uma vida que por muitos poderia ser invejada. Já a cegueira do homem, não era invejada por ninguém. Nada prendia à mulher, tudo era uma limitação para o cego.

Por outro lado, da mulher nada mais sabemos2. Ela simplesmente some após as palavras de Jesus “Vá embora e não peques mais” Já o cego de nascença se mostrou quase que arrogante quando foi interrogado pelos líderes judeus e humilde ao se ajoelhar perante Jesus. Estava o cego na sua aparente prisão aguardando pelo seu libertador? Poderia a mulher em algum momento da sua aparente liberdade ter tido tempo para pensar em algum libertador?

    1. Falsa visão

Dizem que um bom mestre não é aquele que da as respostas mas sim o que é capaz de provocar mais perguntas. Não é à toa que chamamos Jesus de Mestre. Numa das passagens mais lindas e enigmáticas da escritura ele diz assim “Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece”

Os fariseus que estavam acompanhando Jesus, se sentem atingidos pela colocação “e os que vêm sejam cegos” pois eles achavam que viam e que podiam conduzir os outros. Todavia, externam a opção contraria para que Jesus os inclua na que eles queriam estar. Ou seja, não queriam estar entre aqueles que viam porque segundo as palavras de Jesus se tornariam cegos por conta do seu juízo.

É claro que eles achavam de si mesmos que eram guias de cegos, luz dos que estavam em trevas3. Talvez o camuflavam se fazendo de humildes, mas, no fundo, no fundo, eles achavam que eram os melhores. A sociedade seria pior sem eles. As pessoas se perderiam sem a luz deles.

Jesus conhecia o que havia no coração deles (2:24-25) e por essa razão não entra no joguinho deles e sintetiza todo o problema com a mesma firmeza que os tinha tratado de mentirosos em versículos anteriores: Se vocês fossem cegos, não seriam culpados de pecado; mas agora que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece. Simplesmente fascinante.

    1. Prisão, cegueira, liberdade

A verdadeira prisão do homem é o Pecado. A cegueira é uma consequência do próprio Pecado que se manifesta em aparente liberdade e saber das coisas divinas. Esse sistema de duas partes, torna o homem preso numa ilusão de liberdade que nem ele mesmo consegue enxergar4.

Torna-se, então, necessário um libertador; alguém que puxe o ser humano (cada indivíduo, na realidade) desse calabouço em que ele vive. Mas como?

Se o indivíduo diz que não enxerga, é mentiroso. Se diz que vê o pecado permanece. É o equivalente teológico de se ficar o bicho come, se correr o bicho pega.

Jesus dá a solução, mas não é um remédio agradável para quem vê de fora. Trata-se de uma rendição incondicional. Diz João 8:31 “Se permanecerem firmes, … serão meus discípulos” e acrescenta “e conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” Há um processo ali que inicia com uma mudança de cabeça ao crer em Jesus (8:30) mas a liberdade só é alcançada por quem permanece firme na palavra passando pelo estágio de ser discípulo.

O caminho de Cristo não se trata de um caminho de autoconhecimento. Nem sequer é o caminho de descoberta de valores, verdades ou práticas ocultas para os não iniciados. Tampouco é um caminho comunitário em que o objetivo da liberdade se consegue em conjunto.

O caminho de Cristo tem a ver com rendição incondicional e morte espiritual.

Quer ser livre? Renda-se.

1A colocação do 7:53 “Jesus foi para o monte das oliveiras. De madrugada ele voltou ao pátio do Templo” parece se encaixar melhor logo após Lucas 21:38

2Algumas tradições cristãs a identificam com Maria Madalena, mas isso é mera conjectura podendo esta ideia tanto ser aceita como rejeitada

3Romanos 2:17-23

4Recomendo assistir o Show de Truman e Matrix para uma melhor compreensão da ideia de prisão maravilhosa.

Jesus e Pilatos

Evangelho de João

Jesus e Pilatos

João 18:1-19:42

É evidente que esta passagem não trata só de Pilatos e Jesus. Inclui também Pedro, Judas, Malco, João, Maria, Caifás, Anás, os Sacerdotes, Judas, os soldados na cruz, José de Arimateia e Nicodemos entre outros. Todavia, se é para escolhermos as personagens centrais, é de Pilatos e Jesus que se trata.

Num esforço consciente de resgatar certo brilho original ao texto, me é necessário analisar Pilatos não sob o holofote tradicionalmente aceito quase que limitando ele só a um carrasco destinado a satisfazer os desejos e sentenças capitais do sinédrio. Existem, claro, várias formas válidas de conjecturar sobre este assunto, mas o exercício proposto tem por propósito assumir um outro ponto de vista para poder – talvez – resgatar o antes mencionado brilho.

Temos a tendência de condenar todo e qualquer tipo de império. Isso é claro em especial em américa latina por esse complexo de inferioridade social e sempre nos sentirmos menos que o grande país do norte, o assim chamado, império americano. O certo é que se morássemos ao norte do Rio Colorado (divisa dos Estados Unidos com México) pensaríamos diferente.

Brincadeiras à parte, o apelo é para desvencilhar-nos do olhar negativo e pessimista para com o império. A verdade é que o império uma vez estabelecido, ele precisa ter um sistema legal coerente e confiável para que seus súditos (velhos e novos) continuem a produzir e o império ou bem cresça ou pelo menos não encolha. Isso é uma coisa que – se bem não pode ser observada pelo perdedor ou conquistado – é claramente observável em todo e qualquer império. Chega um momento em que certa estabilidade legal é necessária. E é isso que temos no tempo de Jesus.

Roma era nessa época um império jovem. Tinha uma longa tradição como República (509 A.C a 27A.C.) que por sua vez tinha como pano de fundo uma monarquia que se tinha estendido de 753 A.C. até o 509 A.C.

Como império jovem herdeiro de uma república e com um senado ainda forte era mister aos procuradores, governadores e outros representantes oficiais do império se comportarem à altura das circunstâncias que por sinal eram cada vez mais decadentes. Diferente de outros impérios, o romano tinha claro que era mister manter as comunidades em paz (se bem que talvez hoje não chamaríamos de paz o que eles chamavam de paz). Fora delitos que não dissessem respeito ao próprio império e a esta almejada paz, não era do interesse do mesmo se meter em problemas menores. Ai que está a chave necessária para ir formando uma imagem um pouco mais justa do próprio Pilatos.

Quando digo justa, não quero dizer com isso que o próprio Poncio Pilatos fosse justo ou algum ser perfeito ou um governante de caráter ilibado. Historiadores como Filo de Alexandria, Josefo e Tácito o descrevem como alguém que não respeitava limites, brutal, cruel, corrupto, violento, inflexível, duro, sem consideração, enfim, não é a imagem de um governador benevolente nem muito menos.

O início de Pôncio Pilatos em Judeia esteve marcado de provocações, ameaças, ressentimentos e desconfianças por parte do sinédrio em particular e os judeus em geral. Ele chegou à noite e fez os soldados colocarem estandartes com a imagem do imperador de frente para o complexo do templo. Isso afrontava diretamente a crença dos judeus sobre idolatria. Por conta disso eles foram protestar em Cesareia. Durante cinco dias se mantiveram debatendo. Mesmo sob ameaça os representantes do sinédrio não se dobraram. Pilatos só recuou por conta do alto custo político já que estava lá apenas um mês e meio. O restante da permanência dele na região se viu marcado por eventos similares tanto em Judeia como na Samaria que encharcaram de sangue, corrupção e roubalheira sua permanência lá.

Então o que há para resgatar? A pessoa.

O posto que Pôncio Pilatos ocupava era por indicação política. Ou seja, Pilatos estava lá por puro interesse material e para satisfazer os interesses daqueles que lhe haviam indicado para o posto. A paz local era nada mais do que um mal necessário para a manutenção do seu posto. Havia a necessidade de agradar o Sinédrio para dessa forma continuar a poder surrupiar as bens do povo.

Eu tenho, então, algumas perguntas:

  • Por que um homem destes reluta em condenar mais um judeu revoltoso à cruz?

  • Por que ele entra e sai quatro vezes do seu aposento interno onde levou Jesus?

  • Por que ele – segundo a versão de mateus1 – lava as mãos publicamente?

  • O que é essa colocação de “O que é a verdade”?

  • Por que ele fica “com mais medo ainda” quando os judeus com uma religião inferior a seus olhos lhe informam que Jesus se faz igual ao Criador?

Eu tenho uma pergunta que é a síntese dessas: Não era mais fácil simplesmente acatar a decisão do sinédrio, crucificar Jesus agradando dessa forma os líderes judeus? Outras vezes ele tinha afrontado o sinédrio a troco de nada. Por que não simplesmente agradá-lo e boa?

Eu acho que há mais coisas aqui daquilo que temos visto tradicionalmente. E também acho que João é mais refrescante na sua versão do que Mateus, Marcos e Lucas. Penso que isso é assim porque – como o próprio relato nos revela – João tinha acesso de primeira mão à casa do sumo sacerdote2 e ele nos deixa entrever alguns enredos que não vemos nos outros evangelhos por mais que seja justo no relato do juízo, condenação, morte e ressurreição de Jesus em que João mais coincide com o restante dos autores. Parece-me então que João está querendo mostrar – como faz no restante do seu livro – a pessoa de Pôncio Pilatos perante a pessoa de Jesus o Cristo.

    1. Os acontecimentos prévios ao encontro

Local: João coloca o início dos acontecimentos que precipitam a morte de Jesus num horto além do ribeiro de Cedrom3. Esse lugar era conhecido por Judas que após ter recebido a coorte e oficiais de justiça os conduz ali.

Judas e seu estilo de vida: Me provoca a imaginação isso de “após ter recebido” o detalhe é enriquecedor pois nos esquecemos que você só pode receber os outros em algum lugar que é seu. De outro jeito, você se encontra. Com isso podemos conjecturar a vida que o próprio Judas levava. Sabemos de alguns discípulos que abandonaram tudo para seguir Jesus. Dele mesmo sabemos que não tinha lugar onde encostar a cabeça.

A prisão de Jesus: A presença criadora de Jesus se deixa entrever na expressão “eu sou”. Ao dizer isso os guardas (e Judas que estava junto) caíram por terra. “Eu Sou” remete – claramente – à resposta que o criador deu a Moisés no monte Horeb (Êxodo 3:14). A queda dos que o rodeavam pode sim representar alguma coisa desse poder sendo manifestado, mas me parece pairar no ar um certo temor pelo que estava acontecendo. Ao final das contas, eles iam prender um homem muito popular entre o povo, era a páscoa, e os captores bem provavelmente nutriam algum tipo de fé ou admiração por este que não tinha problema nenhum em se encontrar com seus captores.

A reação de Pedro: Malco perde uma orelha (que logo lhe é restituída) no afã de Pedro por defender seu mestre. A imperícia deste marinheiro de primeira viagem no uso da espada, a adrenalina do momento, a escuridão quebrada pelas tochas ou simplesmente uma mistura disso tudo faz com que ele acerte apenas a orelha do servo do sumo sacerdote. Este artigo definido ai dizendo “o servo do sumo sacerdote” bem pode se referir ao único dos servos do sumo sacerdote presentes naquela busca, ou – mais provavelmente – ao servo pessoal do sumo sacerdote que estava ali para cuidar diretamente dos interesses do seu senhor. Seja como for, tanto a notícia da decepação da orelha como sua posterior restituição iam chegar rapidamente ao sumo sacerdote e há uma diferença enorme entre milagres contados por ouvidas de terceiros ou quartos do que por diretamente vinculados.

Anás e Caifás: Ser sacerdote era um negocio de família. Sempre tinha sido e na época de Jesus não era diferente. Caifás que era o sumo sacerdote aquele ano provavelmente não era forte o suficiente como o era seu sogro Anás ou talvez era prudente demais e não convinha ao restante dos lideres que se queriam desfazer de Jesus. Seja como for, mesmo sendo Caifás o responsável, Jesus é levado perante Anás.

João e Pedro: Esta dupla aparece (junto com Tiago) em vários relatos do evangelho. Eles pareciam se identificar, gostar da companhia um do outro e compartilharem algumas das experiências mais bonitas do ministério terreno de Jesus. Nesta ocasião, apenas João e Pedro aparecem. João é o rapaz bem conectado. Ele era conhecido do sumo sacerdote e é por essa razão que os dois conseguem entrar. Reluto em criticar Pedro e sua negação. João era bem conhecido da casa, os outros discípulos tinham caído fora, sobrou para o pescador de sotaque carregado explicar – sob o medo de também correr o mesmo fim do seu mestre – o relacionamento dele com o preso.

1Mateus 27:24

2João 18:16

3http://biblia.com.br/dicionario-biblico/c/cedrom/

O Poder de uma Igreja fraca (II): Igreja como a âncora do céu

3A metáfora da “âncora” é uma bela forma para pensarmos como a igreja está ligada ao céu de Deus. Basicamente, uma âncora serve para “estacionar”, fixar o navio em um ponto específico no trajeto em que este está fazendo. Vista de modo simbólico, a âncora pode representar inúmeros significados: firmeza, tranquilidade, força, fidelidade e esperança; para alguns representa atraso ou barreira.

Certa feita ouvi uma história que não sei se é verídica. Os cristãos do primeiro e segundo século utilizavam o símbolo da âncora para se comunicarem em meio à perseguição advinda do império romano. Aquilo que se tornou a “cruz da escora” era simbolizada por um semicírculo (vida ou mundo espiritual) e pela cruz (realidade ou vida terrena). O semicírculo era visto como a coroa da cruz, a glória divina sob a glória terrena. Era, para aqueles primeiros cristãos, símbolo de esperança.

Para os navegadores, a âncora fala de refúgio, esperança em meio à tempestade e simboliza um conflito entre o sólido (a terra) e o líquido (a água). Simbolicamente, conflitam para que possa existir, em sua fecundação, a tão sonhada harmonia.

Mas o que isso tem a ver com a igreja, com a gente?

A igreja, nós representamos na terra aquilo que bem foi dito acima: a igreja é a glória de Deus em Cristo na terra; é também a fecundação do espiritual com o terreno, do céu com a terra, da verdadeira vida com a morte, da esperança com a desesperança. Dito de outra maneira, ela é a infraestrutura invisível de Deus manifestada na superestrutura visível da terra, ou seja, em nós. Ainda de outra forma, a igreja é a expressão imiscuída do céu (representada pelo Reino de Deus) com a terra (propagação do evangelho depositada em vasos de barro e dos sinais do Reino).

Utilizando essa metáfora – a igreja como a âncora do céu – podemos refletir sobre a importância e a missão de uma igreja fraca que se faz forte no poder da cruz. Para isso, minha primeira afirmação é que a cruz por si só não manifesta nenhum poder, apenas revela a morte. A cruz de Cristo, vista apenas de um ângulo, revela a morte de um homem que dizia ser Deus encarnado; sozinha, a cruz é o “fim da linha” para o proclamador das boas-novas de libertação e salvação.

Existe muito mais nas palavras biográficas dos evangelistas que simplesmente a morte de um judeu propagador de uma suposta nova teologia judaica. Existe muito mais que apenas o sentimento de dor pelo fim da vida; mais que somente o sentimento de desesperança – essa que arrebatou os corações frágeis e ansiosos pela libertação dos opressores, quando viram o suposto messias sucumbir pelas mãos romanas. Tem que existir mais, pois existiu para aqueles cristãos em perseguição e precisa existir para nós, cristãos pós-modernos.

Aqui entra minha segunda afirmação: através da cruz – o símbolo de morte e maldição, símbolo de desesperança e perca da vida e de propósito de vida – rompe-se a maior prerrogativa de esperança: a ressurreição dentre os mortos; o ressurgir do mundo dos mortos, do esquecimento – “sheol/hades”.

Quando observamos aqueles que estavam ao redor da cruz chorando pela cruel morte de Jesus, o olhar é de espanto e de tristeza pelo fim de três anos de acumulo de uma esperança que não era terrena. Jesus, nessa terra, se mostrou como a manifestação e o cumprimento das alianças, promessas e dos mandamentos figurados dia após dia pela nação judaica. Jesus era a “máxima expressão” de YHWH vivo, entre os mortais e pisando nesse lamaçal de injustiça, de toda sorte de pobreza e maldição. Ele era a esperança dos homens, a luz brilhando em meio às trevas. Mediante as ações de milagres e poder, ele protestava contra o mal; através da proclamação do Reino de Deus, ele disponibilizava a oportunidade de arrependimento a todos quanto o quisessem. Aqueles ao seu redor, na cruz, no pior momento de suas vidas – pois estavam diante da morte física da esperança encarnada – não podiam lembrar-se de suas palavras quando disse: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (João 11, 25-26).

Os discípulos e algumas mulheres que estavam em frente ao mestre que sofria numa cruz, viam um homem abatido, perdendo as forças minuto após minuto e se rendendo a toda aquela crueldade advinda sobre ele. Acho que ninguém veria aquela dura pena como “meio divino” histórico de redenção. Não há esperança na morte! (Lembrando que uma parte dos judeus criam na ressurreição, mas aquela que aconteceria “no último dia”, no fim da história da humanidade). Portanto, o que torna a cruz “fantástica” (no sentido teológico), é que ela foi/é a porta para Deus resgatar a sua criação e toda a humanidade de seus pecados e da condenação eterna.

Voltando a segunda afirmação – sobre o ressurgir dos mortos – os judeus criam que a morte e o hades eram o fim da vida de louvor a Deus. Criam, a partir do aculturamento e imaginário greco-romano, na punição que havia neste lugar indefinido das almas quando não cumpriam a justiça em vida. Criam em muitas coisas, assim como nós hoje. No entanto, a cruz e a morte de Jesus revelaram aos discípulos e a toda a igreja nascente que a esperança que Jesus trouxe não estava em que Deus os levaria a uma vitória sobre o império de Roma e nem em uma aniquilação dos gentios e miseráveis. A esperança também não estava em tornar Israel num povo único e poderoso sobre a face da terra, um povo único regendo as nações pagãs e impondo sobre elas seu judaísmo. A esperança estava, certamente, na ressurreição de Jesus e sua vitória sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte.

A cruz, vista pelo ângulo divino, sugeria a ressurreição de Cristo como o primogênito da igreja (comunidade do cordeiro). A esperança, a partir dessa faceta, cumpre a expectativa reconciliadora entre Deus e toda sua criação; entre a humanidade e a nova humanidade; entre a nova humanidade criada e a antiga criação. A esperança satisfaz em justiça a justiça de Deus proporcionando a paz entre Deus e os homens de bem. Deus, em Jesus, agracia toda a criação e chama a nova criação (a igreja, pessoas reunidas em torno da santa Trindade; pessoas a quem Deus amou na cruz; pessoas que de inúmeras maneiras refletem o Cristo vivo, etc.;) a sua mesma missão: reconciliação, resgate, recriação a partir da cruz e ressurreição.

A igreja como âncora sugere uma comunidade em harmonia, fecundada e alimentada pelo “corpo e sangue” de Cristo (lembrando-me da “água e terra” na simbologia dos navegadores, acima). Uma comunidade que age e reage aqui na terra como Deus age e reage no céu. Uma comunidade que experimenta historicamente o futuro de esperança dado por Deus através da pessoa histórica de Jesus, o Cristo: uma comunidade de ressurreição aqui e agora!

Assim, nosso poder como igreja de Jesus nessa terra vai além de alimentarmos e sermos alimentados. Vai bem além de cumprirmos a justiça e a uma vida de santidade. Está além de vivermos “igrejados” ou “desigrejados” institucionalmente; vai além de sermos bons cristãos e de vivermos eticamente as moralidades sugeridas. Vai além!

Posso estar falando utopias, mas utilizar a palavra “esperança” em meio à pós-modernidade já é um erro para muitos. Mas dela me valho para desafiar aqueles que se consideram e vivem como comunidade onde Cristo habita, na força do seu pessoal Espírito regenerador, para a glória de Deus Pai, a viverem como Jesus e enxergarem como Jesus; a amarem como Jesus e suportarem como Jesus suportou; a pisarem no lamaçal como ele pisou e agiu em resgate de muitos; a experimentarem a esperança no amor que cura toda dor, no amor que foi capaz de entregar a vida para que o mundo soubesse que existe um Deus que ama o que criou. Boas-obras, santidade, justiça, ética e moral serão frutos de quem caminha e age no amor, pelo amor, com o amor do Cristo.

Eis a esperança trazida por Cristo na ressurreição, o poder de uma igreja fraca atuante como âncora do céu na terra na esperança da ressurreição.

O Poder de uma Igreja fraca (I)

Penso que todos nós sabemos o que é a Igreja a partir de Cristo (kaleo, qahal, hb. / ekklesia, gr.):3 uma grande/pequena congregação convocada a se reunir em prol de uma finalidade em comum, a adoração à santa Trindade. Seu ajuntamento dá-se numa missão nesta Terra, aonde houver “dois ou três reunidos”. Os discípulos de Jesus são conclamados por Ele a fim de escutá-lo e agir por Ele; a assembleia dos santos onde a igualdade (isonomia) e liberdade (eleutheria) são as marcas e os direitos de todos que são convocados pelo próprio Deus. Essa talvez seja uma definição coerente visto que muitas coexistem.

Na visão individual – e ainda múltipla – principalmente no olhar paulino da carta aos Coríntios (I Co. 12), temos uma grande novidade acerca da “Igreja de Deus” (I Co. 2.1; II Co. 1.1), da “Igreja Universal” (I Co. 10.32; 12.28), da “Igreja local específica” (I Co. 1.2), ou a “reunião propriamente dita” (I Co. 11.18; 14.19; 14.23). Paulo gostava de metáforas e, em um crescente – quase que apostando nas palavras para encontrar a mais coerente – o apóstolo dos gentios revela uma metáfora preciosa, a metáfora que me apoiarei nesse escrito e para esse tema: o corpo de Cristo e seus membros.

Antes de entrarmos mais a fundo em “O Poder de uma Igreja fraca”, uma informação deve ficar esclarecida e, me apoio nos estudos do teólogo/exegeta Willian Barclay que diz: “[…] em todo o N.T. a palavra Igreja nunca é usada para descrever uma construção. Sempre descreve um grupo de homens e mulheres que entregam a Deus seu coração”. Portanto, igreja não são cadeiras novas (ou velhas) bem dispostas num ambiente; não é o púlpito; não são os instrumentos musicais; não é o conjunto disso tudo reunido num salão amplo disponível para os fins de semana.

II

O teólogo Phillip Yancey, escrevendo sobre a igreja, trabalha as metáforas usadas por Paulo. Assim como Paulo utiliza as palavras “lavoura e edifício” (I Co. 3.9) referindo-se a “nós” (os irmãos da igreja de Corinto), ele afirma a preciosa metáfora que nos identifica como igreja: nós como “membro” do corpo de Cristo que contém muitos membros; e nós como o próprio corpo de Cristo (ler I Co. 12).

Um versículo desse texto me chama atenção. Em I Co. 12.22 temos: “Antes, os membros do corpo que parecem ser mais fracos, são necessários […]”. Associado a esse versículo, quero trazer um texto posterior de Paulo escrito em II Co. 12.9, onde se narra sobre o espinho na carne: “Mas ele me disse: A minha graça te basta, pois o meu poder se aperfeiçoa/perfaz na fraqueza. Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo”.

Tenho para mim que Paulo sabia em que se baseava “o poder de uma igreja fraca”. Nós, como membros participantes juntamente com outros membros do único corpo, a saber, o de Cristo, podemos ser os fracos. Ouso dizer que devemos ser os fracos se quisermos parecer com Cristo. Por quê? Paulo afirma aos coríntios “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (I Co. 11.1; ver tb. Ef. 5.1; Fl. 3.17; I Tm. 1.6).

Não só por essa afirmação, mas por tantas outras estonteantes que enaltecem a fraqueza. Aos Coríntios, ele eleva a fraqueza num patamar tão superior que a igreja contemporânea parece estar longe desse “alvo”. Podemos ler: “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (I Co. 1.25); escrevendo sobre o caráter de sua pregação: “E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor” (I Co. 2.3); escrevendo sobre a grandiosa ressurreição: “Semeia-se em ignominia, é ressuscitado em glória. Semeia-se em fraqueza, é ressuscitado em poder” (I Co. 15.43); escrevendo sobre seu sofrimento por amor ao evangelho: “Se é preciso gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza” (II Co. 11.30); e escrevendo suas últimas palavras de advertência aos Coríntios: “Ainda que foi (Jesus) crucificado por fraqueza, contudo vive pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em nós” (II Co. 13.4).

Quero trazer uma metáfora para comparar a igreja. Yancey descreve em seu livro que certo amigo referiu-se a igreja como um A.A. (alcoólicos anônimos). Confesso que gostei dessa comparação pelo simples fato de que as pessoas ali se reúnem por causa de um vício em comum e se ajudam na missão de se manterem longe da bebida. Esse lugar distinto, onde todos os que comungam da mesma dor, seja qual idade for, cor tiver, profissão desempenhar, se reúnem com o mesmo propósito – de obter um novo hábito e gerar uma nova dependência. O ideal desses é: “Deus me ajude a vencer os próximos cinco minutos”. Eles entenderam que não precisam pecar, precisam de outro pecador para depender em sua fraqueza. O objetivo: vencer, mas por meio da fraqueza que identificam um no outro.

Assim enxergo a igreja da qual Paulo gestou em seus dias, uma igreja onde o pecado, comum a todas as pessoas, era vencido por meio da comunhão em torno do poder de Cristo. Não propriamente o poder da ressurreição de Cristo (esperança vindoura), mas no poder de sua fraqueza, ou seja, no poder contido na “via cruz”. Ele escreve em Filipenses sobre seu auto esvaziamento onde o lucro se torna perda por causa de Jesus Cristo; o ganhar, ser achado nele, conhece-lo e o poder de sua ressurreição comungando juntamente de seus sofrimentos, ser conformado com ele na sua morte, era ganho para Paulo. Dessa forma, ver se ainda ressurgiria dentre os mortos era a ousadia de Paulo (ler Fl. 3). Aqui, a alegria é perder tudo para ganhar somente a Cristo. O poder está no perder e sofrer, na renúncia.

Voltando a comparação com o A.A., a igreja deve/deveria ser um ambiente onde ririamos muito, e choraríamos muito. Acima de tudo, seriamos gente que ama se encontrar com outras gentes para tirar suas máscaras e, ao sofrerem juntas, estarem mais perto do ideal – semelhança com Cristo mediante as fraquezas. Isto porque, estarmos no mesmo barco nos leva a sermos honestos conosco e com os outros. Isso criaria um vínculo entre os membros que saberiam que a igreja fraca sabe que seu poder vital é a dependência de Deus e, também, encontrado na comunhão com o outro.

III

Creio em uma igreja poderosa nessa Terra, no entanto esse poder situa-se na nossa fraqueza. É essa a resposta que Paulo obtém “[…] meu poder se perfaz na fraqueza”. Não gostamos da fraqueza, de sermos e nos mostrarmos fracos. O próximo não é a face de Deus para, juntamente comigo, caminharmos. As igrejas (comunidades vivas) atuais preferem levantar suas bandeiras e serem vistas como “o poder” imperante sobre o mundo, seus sistemas, suas políticas, suas mordomias, etc.; sendo que Paulo nada faz, a não ser “pregar a Cristo, e esse crucificado, escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” (I Co. 1.23); e essa “palavra da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós, que somos salvos (igreja), é o poder de Deus” (I Co. 1.18).

Sermos igreja fraca no poder de Deus é caminharmos pela via cruz entendendo que o próximo é a face do pecado, da fraqueza; também é, no poder que se perfaz nessa fraqueza, a face de Deus. Juntos, mutuamente, somos impelidos pelo poder de Deus que opera em nossas limitações a dependermos dEle, a termos a mesma esperança que Paulo teve quando tudo deixou e sofreu para conhecer o poder da ressurreição de Cristo Jesus.

Sobre “JESUS – NATAL – RESSURREIÇÃO”: Algumas poucas palavras…

2Essas são algumas poucas palavras que me lembro dos estudos do seminário e, também, livros revisitados sobre o assunto. Sei que o momento é de ardor pelo nascimento de Jesus, mas sempre me apego, nessas datas festivas, ao significado de Sua vinda a este mundo, ao nosso espaço humano.

O Natal reflete, mesmo diante de todo contexto cabível ao Império romano ao impor essa data, uma realidade histórica de vida e esperança. O Natal – o nascimento de Jesus sem os adornos capitalistas de consumo – reposiciona a história humana a uma realidade apocalíptica que sempre foi viva na memória e no corpo narrativo dos profetas; portanto sempre viva nas expectativas de um povo oprimido e necessitado de libertação/justiça e de um libertador.

Fala, principalmente, da vinda desse libertador e da libertação que um pobre menino judeu, em Belém, trouxe através de seu tabernacular neste mundo. Fala do cumprimento das profecias e da nova vida que Ele viveu através de sua própria. Fala da renovação da realidade através do Reino que ele encarnou e, futuramente, da renovação de toda a realidade na vindicação e consumação de todas as coisas.

A partir de seu nascimento, sua vida exemplar e profética, morte e ressurreição, podemos falar da esperança que sua estadia aqui produziu nos corações que creram e creem desde lá.

Quem me conhece sabe que sou um crítico das “fraseologias” ou dos “jargões pops” da “evangelicada”. Dizeres como: “Jesus é a nossa páscoa”; “Jesus ressuscitou”; ou ainda “O tumulo está vazio”… Não sou contrário a nenhuma delas, no entanto não as acho, racionalmente, tão contundentes e vivas como são expressas. Nem acho que existam argumentos científicos que provem tal fato (creio ser um fato da história), o que concordo piamente com a historiadora judia Karen Armstrong ao dizer que “ao tentar transforma-se em ciência, a teologia só conseguiu produzir uma caricatura do discurso racional, porque essas verdades não se prestam à demonstração cientifica”.

Um cético ou um ateu neófito invalidaria tais “jargões” com argumentos muito mais racionais e expressivos/preciso que um “crente” platônico e sentimental que leva em sua boca apenas o “Ele ressuscitou”.

A própria psicologia social invalidaria a ressurreição sugerindo a teoria da “dissonância cognitiva”. Outros iriam sugerir que a ressurreição é apenas uma metáfora (não que não seja) de uma experiência religiosa que os cristãos primitivos outrora tiveram por causa da experiência da graça e do perdão, o que permite sugerir inúmeras negações sobre a morte e ressurreição de Jesus.

Ao recorrermos às narrativas evangélicas canônicas, todas as quatro narram sobre a morte e ressurreição de Jesus, o Messias. Independente da lente de cada autor/narrador, a narrativa se encontra presente na tradição cristã primitiva, sugerido por alguns teólogos e exegetas serem essas pré-paulinas (o que evoca o poder de sua memória e de sua oralidade). Mas a evidência que se torna explicita nos evangelhos, principalmente para os personagens da trama é que “Jesus ressuscitou”; e se ressuscitou “ele é o Messias”.

Foi uma fraseologia que se tornou jargão nos moldes que indiquei acima? Foi um jargão presente no contexto judaico? Não, nem um nem outro. Primeiro, porque os discípulos de Jesus nunca entenderam ou suspeitaram de sua ressurreição. Segundo, o contexto judaico não aceitava a premissa de que alguém havia morrido e ressuscitado. Prefiro “acreditar” (racional partindo da fé e não de fatos comprovados), que a ressurreição de Jesus alimentou em seus discípulos a antiga expectativa apocalíptica do Messias, elevando-os ao verdadeiro sentido de sua morte e ressurreição, ou seja, uma nova criação, a vitória de Deus sobre a morte (mal) que foi anulada na cruz e seu retorno à vida.

A essência do Natal tem a ver, num contexto macro, com essa libertação/justiça tão esperada e com a esperança ocasionada pela ressurreição desse menino/homem/Deus, ou seja, um dia o veremos face a face e, assim como Ele é, nós seremos.

 

Um modo de interpretar ‘a caminhada de fé…’

Rafael de Campos

Todos nós amadurecemos com o tempo. Da mesma maneira acontece com a fé que um dia recebemos do alto, do Pai das luzes. Não a recebemos pronta, madura e, também, nesta vida, não a tornaremos completa, inabalável e plena dentro de nós. A caminha, ou melhor, a longa caminhada ao Eterno é um misto de abalo e fortaleza dessa fé. Uma certeza tenho sobre ela: veio do alto e cumprirá juntamente em nós o propósito para que foi enviada.

Sobre ela, a fé e caminhada cristã, quero refletir utilizando uma analogia:

Nós, como num ciclo, vivemos as estações da vida. Assim como as estações do ano surgem saudando as etapas, na nossa existência e fé acontece igualmente. Doce é o sabor do princípio da caminhada cristã. Muitos a identificam como a primavera, a primeira fase do período quente do ano, ou primeiro verão. É nessa estação de temperatura e humidade moderadas que normalmente somos atingidos pela experiência do profundo amor de Deus e, reconhecemos nossa profunda necessidade do Eterno. É nesse primeiro momento, onde a fé infundida começa a mudar nossa cosmovisão, é que começamos a crescer e a trilhar um novo caminho, com os mesmo pés em uma nova estrada, mas com um novo destino.

Quase que concomitantemente (dependendo da experiência com a primeira estação), somos levados à segunda fase dessa nova vida, ou seja, a segunda fase quente: o verão. Seu significado diz tudo, pois é o tempo da frutificação. Frutificar do que? Da primeira estação da vida, dos primeiros passos no novo e vivo caminho; das percepções e paradigmas convertidos. Essa é a fase do ver as obras das nossas mãos, ou do ver para crer que o resultado é favorável. Deve ser, principalmente, o “segundo início” na caminhada, o de enxergar o próprio crescimento rumo à maturidade ainda não alcançada. A crescente “evolução” da fé é vista nesta etapa, onde já nos é legitima e dela nos apropriamos e a vestimos.

Talvez passemos bom tempo, bons anos nessa estação. Penso que seja a estação mais favorável e cômoda ao cristão. O problema é que, como num ciclo, precisamos prosseguir enfrente. Pararmos uma etapa ou, conscientemente, nos estagnarmos nela é regredir no caminho de fé. Digo isso porque viver do “leitinho” eternamente e não progredir é regredir em vista do que nos espera: a maturidade. Poucos, hoje, são os que buscam mais, anseiam por mais. Os que negam ir além, na maioria das vezes, são os que, movidos por ventos de doutrinas, perderam o foco do evangelho no caminho e, como consequência, desviam os olhares dos outros; fazem nesta estação uma tenda e ali permanecem até morrer (espiritual e fisicamente).

Aos que entenderam a proposta da peregrinação da fé, a estes surge uma nova estação, a primeira do período frio: o outono. Também começa, a partir daí, o tempo do ocaso. Nesse período algumas coisas que nos eram inteligíveis tornar-se ininteligível. É aqui que o sol começa a se pôr e não mais vemos para crer ou cremos porque estamos vendo. É nessa fase que o amor de Deus parece ficar distante e Sua presença sempre presente parece não ser mais palpável. É aqui que começamos a enxergar momentos de escuridão. Por quê? Entendo que é o momento onde, gradualmente, começa a prova da fé que um dia foi nos dada. É o tempo das dúvidas constantes, do descaso sempre presente, das indisciplinas espirituais e dos descompromissos na caminhada. É o momento das frequentes perguntas: Onde está Deus? Por que estou assim? Ou sentindo isso? O que aconteceu?

Geralmente nós – consciente ou inconsciente – buscamos dar os passos para a maturidade da fé. Seja por meio dos estudos, de envolvimento mais profundo com as pessoas, ou por vontade de encarar o tal “chamado de Deus”, ou até por querer deixar o caminho. Desse tempo de ocaso sempre surgem feridas profundas, desapontamentos, desesperança, descrença, descrédito (…), e não vemos mais um rumo melhor a nossa frente. No entanto, no ocaso, antes da total escuridão da noite e seu frio impetuoso, reluz um vago momento de crepúsculo. São instantes espetaculares do amor de Deus. Esse amor não se manifesta como na nossa infância da fé (primavera); ele simplesmente “é”, e sendo, dá provas de que estará sempre conosco, em direção ao longo caminho que ainda há por vir. É daí que juntamos forças para continuar prosseguindo.

Inicia-se, então, o segundo período de frio. Esse, mais intenso que o primeiro. Entramos no inverno da vida cristã; a estação mais fria e sem produtividade. Não sei como muitos interpretam essa peregrinação, mas entendo que aqueles que aqui chegam nunca mais saem (explicarei no final esse pensamento). Esse é o tempo, inicialmente, de reflexão consciente da fé, dos confrontos com a religiosidade adquirida e impregnada de toda uma vida vulnerável aos atalhos que tomamos nas estações precedentes. Também é o momento da frieza do ser, do tornar agudo toda voz que achamos ser Deus. Perdemo-nos da espiritualidade que pensávamos ser sadia e não mais temos o acalentar da espiritualidade mística outrora viva no coração e nas sensações. Ficamos sem o cobertor e, então, devemos escolher entre enfrentar ou enfrentar o frio do inverno. Ah como dói!!! Ah como somos enrijecidos pelo inverno!!! Nosso choro é de fraqueza e solidão.

Entretanto, existe um segundo momento do inverno: o enfrentamento do frio e o prosseguir adiante. No enfrentamento do frio, que se estendeu sobre a caminhada de fé, reconhecemos a liberdade de ser cristão. Não mais dependemos das experiências de fé da primavera e nem dos frutos tão deliciosos do verão – pois isso não aviva mais o interior; chegamos ao ponto onde toda a caminhada tendia a nos levar em direção a maior prova da fé: a solidão. Não falo de uma solidão sem pessoas. Mas de uma solidão onde tudo o que nos tornamos como cristãos será experimentado no “a sós” com o Eterno e, então, o caminho (primavera), a verdade (verão), a vida (outono) serão mostrados como a jornada rumo àquele que enfrentou o maior inverno durante sua existência na terra. O inverno se torna a nova caminhada, a nova consciência, aquilo que poderíamos chamar de “caminho da cruz”.

Ao olhamos para Jesus, quando esse se tornou consciente de Sua jornada e missão, peregrinou sempre rumo a cruz. Ele logo entendeu que Sua vida era trilhar em meio ao “inverno”. Por isso acredito que para quem o inverno chegou, só sairá de lá na ressurreição. O inverno, por mais frio e infrutífero que seja, é o encontro com Aquele que pode fazer do nosso caminho uma jornada frutífera e milagrosa a partir do inverno. Ele, o dono da fé que opera em nós, espera que nos encontremos com Ele lá, na estação do inverno, onde não mais temos controle do que somos, do que queremos e do que podemos. Lá, rendidos à liberdade e a autoridade de quem passou pelo inverno da vida e se entregou à morte por nós (substitutiva), ali encontramos o verdadeiro sentido da caminhada de fé (participacionista).

RCampos…

 

 

 

 

Autonomia cristã: uma pequena reflexão.

1A grande dificuldade do cristianismo frente à pós-modernidade (penso eu), não é nem o legalismo (religião das regras de fé) e o moralismo absorto, tão praticado e exigido pela maioria das pseudo-comunidades de cunho evangélica.

A complicação está em que os cristãos não questionam/leem/ interpretam mais a nova aliança em Cristo Jesus; vivem mediante os “achismos” dos líderes das comunidades. Os “por quês“, que geram as dúvidas e a busca delas, não movimentam mais a mente pós-moderna e pulsam apenas nas academias.

Um fator incriminador é a pregação atual. Essa se tornou mais um espetáculo de emoções e experiências carnais do que um estudo e ensino sério do essencial. Aí, precisamos “engolir” que o Deus Espírito é quem nos leva a compreensão e, nós apenas somos “manuseados” à verdade. Jesus não ensinou para que seu público apenas ouvisse e fosse conduzido magicamente a Deus. O ensino pressupõe dúvidas, questionamentos, reformulações e, então, fé. Limitamos nossa compreensão da fé apenas ao abstrato e passamos a ser movidos pelos “sacerdotes” que, na compreensão atual, são os “gurus e pajés” da igreja de cristo. Cristo liberta para autonomia e dependência dEle e não para dependência das experiências alheias e autonomia dos outros. Se nossa cosmovisão não mudar através da verdade que liberta, nosso mundo particular continuará o mesmo, apenas acrescido dos mitos e ritos de uma religião sem fundamento que nos escravizará em regras e formas arrogantes.

Portanto, nos falta mais ensino e busca pessoal séria para que em nossa razão o Espírito nos conduza a uma transição do que, de fato, é importante crermos.

OBS. Minha crítica é contra a falta de autonomia e de mudança de um sistema religioso para a religião do Cristo; não se posiciona, particularmente, aos pastores que buscam a descentralização do sacerdote como o “ungido”, milagreiro, único meio de contato entre comunidade e Deus. Sou plenamente a favor de um pastorado que ensina suas ovelhas a “comerem e buscarem abrigo” por si só, sem intermediários feitos divinos. Sou a favor de um pastorado que ensina seus liderados a se submeterem uns aos outros em amor, sem super-heróis espirituais e hierarquia supérflua.

RCampos…

REFORMA PROTESTANTE – 497 ANOS

2Lendo alguns biógrafos que relatam o período da Reforma, começamos dizendo que somos “frutos” (espiritual/intelectual) daquilo que denominamos REFORMA PROTESTANTE. Abraçamos suas ideias (não todas) e as entendemos que essas se deram como um marco na história da igreja. Marco tal que desembocou em inúmeras micro reformas até os dias de hoje.

A Reforma Protestante deve seu legado histórico à iniciativa de Martin Lutero e suas noventa e cinco teses estacadas na porta de sua capela no dia 31 de outubro de 1517 – início de um protesto contra as indulgências que prometiam ao povo uma garantia de pecados perdoados antes mesmo que fossem cometidos. Praticamente um comércio salvífico não escriturístico; um meio ilegal para arrecadação de dinheiro usando um discurso de ameaças infernais e cravando sobre o povo um regime de obras, tudo pelas mãos de ferro da igreja imperante.

Mas Lutero ousou ser um mensageiro de Cristo. Sua vida como um todo e seus estudos o levaram profundamente a querer entender o Novo Testamento. É a partir de sua trajetória que hoje temos consciência dos pilares da reforma: Sola Scriptura; Solus Christus; Sola Gratia; Sola Fide; Soli Deo Gloria. Essas numa tentativa de retornar a Bíblia como fonte da revelação divina e prática dos homens.

Não quero aqui biografar acontecimentos passados, quero apenas elencar rapidamente o que esses pilares deveriam ser para nós cristãos pós-modernos, nós que sobrevivemos às mudanças, perspectivas e paradigmas do séc. XX e nos erguemos por meio do engajado evangelicalismo da década de 70. Minha pergunta é: Como devemos, em nosso atual contexto, refletir esses pontos enaltecidos pela Reforma? Respondo desde já que nossa resposta deve ser bíblica. Quero aqui elencar apenas três desses pilares.

Sola Scriptura – Quem já leu sobre o movimento iluminista e pós-iluminista sabe que um grande embate se formou em torno dos dogmas (autoridade) e doutrinas da igreja romana e reformada. Sabe-se que a busca das tradições humanas sobrepujou as Escrituras enquanto palavra de Deus escrita aos homens.

Quase dois séculos antes, Lutero se levantou arguindo contra a igreja católica romana no princípio contrário, ou seja, em outras palavras, Lutero queria uma verificação nas Escrituras daquilo que a Igreja estava realizando e prometendo. Ele exigiu uma volta as Escrituras Sagradas. Enquanto o séc. XX, fonte de todo desaguar dos séculos anteriores, exigiu o descrédito da Bíblia em prol das ciências naturais, o período da Reforma elevou-a ao topo de todo conhecimento e razão para o ser humano.

Portanto, quando falamos de Sola Scriptura, falamos da volta ao texto e seu contexto macro, o que pressupõe a fuga de todas as abstrações do texto real. Nada nela, nenhuma sílaba deve ser alterada para especulações e por tradições dos homens (aqui admito que todos nós vamos ao texto debaixo de tradições e pré-conceitos; o importante é sempre voltarmos ao texto antes de validarmos nossa razão e abstração) . Tudo nela deve ser levado em consideração; todos os etas (e, gr.), ou seja, cada partícula conectiva entre um versículo e outro, cada argumento e contra argumento, cada til de toda Escritura deve ser levado a sério. O apelo ao todo das Escrituras, tudo o que a compõe e seu contexto, devem ter primazia quando houver tradução e interpretação.

Sola Scriptura nos leva, consequentemente, ao Solus Christus.

Solus Christus – O evangelho, enquanto mensagem de boas notícias, vem nos revelar que somente Jesus é o Senhor universal. Essa é a verdadeira intenção desse slogan. A Reforma trouxe sobre esse ponto a denuncia aos mediadores que estavam sendo postos, potencialmente, no nível de Jesus Cristo. Um exemplo: Os santos ou os ossos dos santos eram venerados e, também, um meio de obter indulgências. Para esse contexto mercadejante, Lutero combateu acertadamente utilizando princípios do corpus paulino. Isso não quer dizer (meu ponto de vista) que tenha interpretado corretamente os textos paulinos que utilizou.

Mas, Solus Christus tem a nos dizer que o Jesus de Nazaré se tornou o Messias de Deus e proporcionou a Ele toda glória que a raça humana não lhe deu por direito. Isso quer dizer que esse slogan fala mais sobre uma verdade a respeito do Messias de Deus do que uma verdade sobre você e eu e nossa salvação. Fala, num contexto político, sobre um Rei que é universalmente superior a qualquer rei ou césares posto no trono e, indo além, Ele, Jesus Cristo, detém toda autoridade e poder em relação às autoridades humanas. Para finalizar essa reivindicação, devemos lembrar que ela foi utilizada no primeiro século como o evangelho que era superior ao do imperador romano da época. Isso tem haver com Jesus Kyrios, o Senhor do mundo, maior que todo reino ou império e que está acima de todos.

Outro aspecto do Solus Christus é o ponto em que Deus condenou, na carne de Jesus, todo pecado da humanidade que ofusca sua glória na criação, iniciando por meio de Sua ressurreição uma nova criação pautada no Christus Victor (Cristo vitorioso) – mais utilizado por Paulo do que o Cristo da expiação. Assim, nossa esperança vem da vitória de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte.

Solus Christus nos leva, prioritariamente, ao Soli Deo Gloria.

Soli Deo Gloria – A verdade dessa afirmação é que somente ao Deus YHWH seja toda glória pelos séculos dos séculos, amém. Nada mais pode produzir glória ao Deus de toda criação do que uma humanidade refletindo Sua imagem e semelhança. Por meio de Jesus Cristo (Solus Christus), a humanidade agora pode ser redimida e será no fim das contas. Podemos, com toda certeza, afirmar que Deus é glorificado quando, por meio de Cristo, seu povo lhe rende glória dentre as nações.

A graça e o poder da mensagem do evangelho (Sola Gratia), aliada a fé (Sola Fide) mediante o Espírito Santo (alguns teólogos modernos trabalham o Sola Gratia em conjunto com Solo Spiritu, realidade na literatura paulina), produz uma nova humanidade, àquela desejada desde o gêneses; uma nova humanidade colocada sob um novo pacto/aliança, onde o pecado e o cosmos estão debaixo, uma vez por todas, da autoridade de Deus e seu Cristo. Uma vez que as alianças judaicas culminaram no novo pacto, na pessoa de Jesus, Deus é glorificado por Sua justiça que completa o plano de salvação lidando com o mal no mundo e elevando a humanidade caída a uma criação exaltada.

Desse modo, nessa breve exposição que fizemos acima, retomamos o Sola Scriptura para confessarmos que somente ela pode nos avivar, após a conversão por meio da pregação do evangelho, numa caminhada onde abraçamos as histórias e experiências de fé daquele tempo, povo, e convergimos ao nosso tempo – como fez Lutero – num processo de adaptação e direcionamento das verdades reveladas.

Reavemos o Solus Christus – contido em toda a Escritura – para trazer à memória aquilo que nos traz esperança. Que a história de Jesus de Nazaré, aquele que foi crucificado e ressuscitado dentre os mortos pelo mesmo Deus de Israel que o vindicou como Messias; o Senhor de todas as coisas o qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará (judeus e gentios) que Ele é Senhor, que essa história seja para nós conversão (experiência de fé) e vocação (encarnação das obras/sofrimento de Cristo).

Isso porque, produzirá glória a Deus Pai – Soli Deo Gloria – como o grito de desespero de toda a criação que aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus; assim, seremos nesta geração os personagens dessa maravilhosa trama onde Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo já venceram e trouxeram esse vitória para o centro da nossa história.

Novo credo cristão

(Aviso aos navegantes, isto aqui é uma ironia)

De tempos em tempos a igreja tem se deparado com a necessidade de sintetizar sua fé. Isto, é colocar de lado as diferenças e escolher o caminho comum; definir o que é ortodoxo e o que não é; descartar aquilo que desvincula para manifestar aquilo que une.

Assim temos o Credo Apostólico usado oficialmente pela primeira vez no ano 390 em Milão. Temos também o Credo Niceno definido no conclio da cidade de Niceia em 325. E finalmente podemos mencionar o Credo Atanasiano que se firma com Carlos Magno (742-814)para fins de instrução mas que não sabemos ao certo a origem.

Todos eles têm o mesmo propósito: Estabelecer o que é crença cristã e definir o que não é. Veja como por exemplo, podemos concordar facilmente com o Credo Apostólico a continuação:

Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo. Seu único Filho nosso Senhor. O qual foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir julgar os vivos e mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica – a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.

Claro, os desavisados de plantão podem arrepiar a espinha ao chegar na parte em que diz “na Santa Igreja Católica”, mas o termo católico nada mais significa que universal, ou seja, que atinge a todos os seres humanos e nada tem a ver com a instituição conhecida pelo mesmo nome.

Mas voltando ao assunto, um credo nada mais é do que um reflexo das crenças dos que creem. Uma formulação do abstrato em termos simples e pragmáticos que facilitem aos que o leem a compreensão da essencialidade da fê proposta.

Eu me proponho hoje fazer o processo contrário, ou seja, a partir da observação externa produzir um texto que ampare a cristandade como um todo em sua prática e não na sua utopia. O texto ficaria mais ou menos assim:

Creio nos estereótipos fortemente alicerçados na pregação do meu guru pessoal. E na minha teologia particular. Única filha legitima dos meus estereótipos. A qual foi concebida da miscigenação caseira de ouvir uma cacofonia ensurdecedora de pregadores televisivos que falam sobre uma prosperidade terrena que anseio desesperadamente; Ela padece sob outras teologias de cunho bíblico, é esmagada, mas nem a deixo morrer nem a sepulto; Vou ao inferno com ela se necessário for, subo ao meu próprio céu terreno do toma-lá-dá-cá e deixo que ela me conduza pela mão direita, ao final de contas me falaram que sou cabeça e não cauda e vou julgar todo mundo. Creio na esquizofrenia espiritual que me acompanha, na minha única e própria visão da igreja – a comunhão do “nós” em lugar de “com eles”, na culpa constante pelos pecados (se é que existe pecado), nos meus esforços pessoais para agradar o Criador e na poupança recheada antes de partir para a eternidade. Amém