Arquivo da categoria: Sociedade

Artigos que falam sobre a vida comum, em sociedade.

Deus sem “evangeliquês”

A construção do ser de Deus é gradativa, cumulativa e enorme no texto que nos é sagrado a cristãos.

Contudo, não é apenas na Bíblia que há uma grande construção do ser de Deus. Na realidade, seja por um arquétipo (a la Carl Gustav Jung) ou por um vazio no tamanho de Deus (como em Blaise Pascal), todos e cada um dos seres humanos tem uma ideia sobre o divino.

Essas ideias são herdadas e compartilhadas na sociedade em que o indivíduo está inserido. Muitas dessas ideias não são simples ou pobres. A maioria delas é elaborada e muito rica, geralmente com relatos de alguma forma de interação com esta sociedade.  

Por outro lado, podemos ver pessoas com ideias de índole menos pessoal como os estoicos (universo governado por uma razão universal natural) ou epicureus (se existe um deus é distante e irrelevante à vida cotidiana).

Obvio que ter esses conceitos não necessariamente ajudam na tarefa de apresentar o monoteísmo bíblico, mas é exatamente o ponto de partida que devemos buscar: em outras palavras, qual é a fé da pessoa e que formas adquire no cotidiano. Isso determina não apenas o conteúdo como a fraseologia a ser utilizada.

A partir de ai, o esforço deve se focar em mostrar Jesus, seu ensino e sua vida. É onde entra o tal de “testemunho”, isto é, uma vida de serviço aos nossos irmãos de raça. Jesus é simultaneamente, a forma mais completa e a mais simples de apresentar o Criador à criatura. Descobrir a linguagem específica, pode levar uma vida.

“Pregue o evangelho em todo tempo. Se necessário for, use palavras”

São Francisco de assis

A república do século XXI

Sobre as relações viscerais do Exercito Brasileiro e a formação da república; de como isso o impede de subverter a ordem na atual conjuntura; e de qual deva ser sua conduta como cristão na situação que vivemos nesta transição democrática.

Em 15 de novembro de 1889, a república foi proclamada. Nela se misturam quatro situações de grande magnitude que tinham se acumulado ao longo dos anos: militares insatisfeitos com o soldo, a carreira e a proibição de manifestar suas posições políticas; civis desgostosos com a monarquia; descontentamento entre as elites emergentes por se verem sub-representados na vida política da monarquia; grupos que desejavam uma maior participação pelo voto; e claro, a questão abolicionista. Essa é, em resumo, a receita da proclamação da república.

O Manifesto Republicano

Não por um acaso o movimento republicano começa em 1870 logo depois da Guerra do Paraguai, dando início a uma separação entre os interesses da população e a capacidade da monarquia de atender aos mesmos. Esse movimento é formalizado pelo Manifesto Republicano que em suas linhas finais diz assim:

Somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monárquica que não inspira simpatia nem provoca adesão. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, aonde o instinto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a onipotência do soberano. Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos, e em solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte.

O Exército

Podemos afirmar, sem medo a errar, que na nascente desse torrentoso rio chamado república encontra-se o desejo visceral de fazer parte dos povos americanos e não apenas uma extensão de um reino além do oceano que não mais atendia (se é que alguma vez o fez) os interesses do ser brasileiro.

A profissionalização da corporação militar está diretamente relacionada com esse desassossego dos militares com a situação. Entendiam que lhes faltava o reconhecimento devido pelos serviços prestados na guerra do Paraguai. Por outro lado, eles se entendiam como os tutores do Estado brasileiro. Sob essa ótica, nada mais obvio do que almejar que suas opiniões politicas pudessem ser ouvidos. Na monarquia, eles eram proibidos de se manifestarem tanto dentro da corporação como em veículos públicos.

Insuflados pelo positivismo (que acreditava no progresso continuo da humanidade) eles entendiam que esse processo deveria ser conduzido por um governante e que se necessário for, este poderia se afastar do desejo da população. Traduzido: um governo republicano ditatorial.

Nada mais natural para uma instituição fortemente alicerçada em uma cadeia de poder. Sem essa cadeia, não é possível coordenar toda a tropa na hora da crise. É aquela mistura estranha de ideias em que uma instituição dedicada a conservar a ordem deseja impor sua visão de ordem.

Seja como for, é inegável que o Exército Brasileiro em toda sua extensão fez parte do movimento republicano, negociando aqui e acolá o restante da ideia, como corresponde a qualquer democracia.

Além disso, e como consequência da influência do positivismo na tropa, a instituição era a favor da laicidade do estado em contraposição a um estado católico.

Em resumo, a formação da república muito deve ao esforço ciente do Exército.

Das outras forças

Sem a presença do exército, as outras forças dificilmente poderiam pensar em reverter a situação a curto prazo. Desde o manifesto republicano até o desfecho vão quase 20 anos. Sem a participação (o descontento) do exército dificilmente a população poderia se levantar.

As capitanias e posteriores províncias estavam constituídas de tal forma que era virtualmente impossível que se levantassem com força e coordenação suficiente como para subverter a ordem vigente.

Era necessário que essas forças se combinassem de uma tal forma para que a monarquia fosse inviável, que sem o exército isso seria improvável. Ele era, em certo sentido, o fator de força comum a todos os outros movimentos e com a capilaridade suficiente como para poder catalisar isso tudo.

Porém, mesmo assim, leva quase 20 anos em banho-maria até a formalização de um novo projeto de nação.

Que não se enganem os observadores ocasionais: o Exército Brasileiro tem um compromisso institucional com a nação brasileira e seu projeto republicano.

O golpe de 1964

Muito se discute se o que aconteceu em 1964 foi um golpe ou uma intervenção militar. Há ainda os que dizem que se tratou de uma resposta ao clamor popular e que por isso foi um movimento legítimo.

Uma intervenção militar interna, acontece quando os poderes institucionais convocam as forças armadas a defender a ordem pública, a paz social, a estabilidade institucional ou uma mistura dessas três.

Não foi isso o que aconteceu em 1964. Não havendo nenhum pedido formal (por parte do Congresso Nacional) que validasse qualquer uma das marchas das duas frentes militares que se mobilizaram em 31 de março, pode-se concluir que não se tratou de uma “intervenção militar” nos moldes da constituição de 1946.

Foi uma derrocada do poder escolhido democraticamente pelo uso da força sob o ponto de vista de uma parte da população. Ou, como definido por Gabriel Naudé: um golpe de estado. Parte funcional do estado se levantando contra outra parte do próprio estado.

A situação daqueles anos

As ações dos generais Costa e Silva no Rio de Janeiro e Olímio Mourão Filho em Minas Gerais são compreendidas em virtude do estado de coisas que vigoravam na primeira metade dos anos 1960.

Jango com suas “reformas de base” conquistava a desagradável posição de ser indesejado pela classe média urbana, pelas elites, pela igreja, pelo exército e pela imprensa. Era visto como conivente com o comunismo, a desordem social e a desarticulação da ordem na hierarquia militar.

Além disso, as relações com os Estados Unidos (hábil articulador de vários golpes de estado ao longo da America Latina e sua infame “Escola das Américas”) estavam deteriorando-se com as consequências inevitáveis no mercado.

Parte do povo se manifestava a favor de uma intervenção militar com a “Marcha da família com Deus pela liberdade”, por exemplo. O sentimento que havia nesse movimento era o do medo a um possível golpe militar comunista. Em 18 de março de 1964 o manifesto de conclamação foi publicado pela Folha de São Paulo que era assinado por 34 entidades, vários grupos anticomunistas e grupos cristãos (católicos e protestantes).

Se calcula que 800 mil pessoas compareceram ao ato em 18 de março na praça da Sé em São Paulo.

Esse movimento era uma resposta ao comício convocado pelo presidente em 13 de março que – buscando alianças com o Partido Comunista do Brasil, os mais radicais do PTB e os movimento sindical rural e urbano para viabilizar suas reformas – e ao que compareceram 350 mil pessoas.

Ejército Guerrillero del Pueblo. Salta, Argentina

A revolução em Cuba já estava bem arredondada quando Ernesto Che Guevara envia um grupo guerrilheiro (treinado extensamente em Cuba) ao seu pais natal: Argentina. Mais especificamente na província de Salta. Era o “Ejercito Guerillero del Pueblo” cuja função era instaurar a revolução no pais mais ao sul do nosso continente, formando assim uma pinça norte-sul.

Tão revoltoso era el Che (organizando e promovendo a guerrilha em America Latina) que muitos partidos comunistas de América Latina não aprovavam sua estratégia de luta armada generalizada que ele propunha.

Com Fidel em Cuba, o argentino Ernesto Che Guevara promovendo a “guerilla” em Salta (Argentina) durante 1963 e sabendo que o propósito comunista era elevar o proletariado por qualquer meio (o fim justifica os meios) nada mais fácil que compreender do que o medo beirando o pavor que se respirava na sociedade brasileira de 1964.

O sentir era de que em lugar do Hino Nacional Brasileiro, pronto deveríamos cantar o hino da Internacional Socialista, tal a visceralidade do movimento comunista internacional na época.

Como disse, dá para entender a Costa e Silva e a Olímio Mourão Filho, mas não dá para justifica-los. O que se deu posteriormente com o cerceamento de vários direitos básicos e o assoreamento das instituições legais em virtude da batalha contra os insurgentes é simplesmente uma mancha (que muitos consideram necessária) na história das Forças Armadas em geral e do Exército Brasileiro em particular.

E nós?

Estamos vivendo em um pais ideológicamente dividido. Essa divisão permeia a sociedade sem observar limites, sejam eles quais forem.

Essa mesma divisão é observada ao longo do continente americano, mas também na Europa (uma extrema-direita ascendente já governa Itália), na ásia (lembram do assassinato do ex primeiro-ministro japonês em julho de 2022) e na África (Nigéria, Quênia e Angola que são potencias regionais tiveram eleições apertadas)

É muito difícil falar da situação de nosso pais já que há muitas emoções envolvidas e onde entra a emoção, a razão pula pela janela. Então, numa tentativa de metáfora, olhemos para fora.

O pior exemplo vem dos Estados Unidos da mão do ex presidente Donald Trump na sua cruzada particular de dilapidação das instituições do grande pais do norte. A violência (arma do comunismo dos anos 1960) é a moeda comum e corrente destes neo-conservadores. Se coloca em dúvida o método eleitoral (que por lá ainda é impresso)

A partir dessa situação vergonhosa podemos olhar melhor para a nossa e encarar os descaminhos do ex deputado Roberto Jefferson e sua recepção a bala da polícia federal recentemente. Tal parece que – para ele – as instituições do nosso pais não funcionam e por isso pode atirar e jogar granadas nos representantes do estado.

Ele, assim como outras figuras públicas ou como um pai com seus filhos, educa pelo exemplo muitíssimo mais do que pelas palavras. É normal que se espere dos líderes uma liderança e é bom que se espere uma boa liderança.

Mesmo que se chegue à situação em que metade mais um da população brasileira gritasse por uma intervenção militar, ela não acontecerá. O Exército Brasileiro já se sujou as mãos uma vez e não o fará desta, até porque as condições não se dão.

Não corremos risco de uma invasão comunista até porque os próprios comunistas pensantes já optaram por outros caminhos. Todavia, como em todo crime, resta saber porque algumas pessoas assustam outros com este medo que era bem fundamentado em 1964, mas que carece de alicerce em 2022.

Não é a direita ou a esquerda que devem ser evitadas, é o pânico. O pânico bloqueia a capacidade de pensarmos e de agirmos. Nos incapacita de forma profunda e instantânea. E para piorar, é contagioso e se transmite pela fala (seja esta impressa, de corpo presente ou distante). NOTE: Não disse que não é para evitar o comunismo. Este, assim como o nazismo, devem ser evitados e combatidos. Todavia, numa simplificação a-la Hitler, se nomeia comunismo a tudo aquilo que cheira não-conservador.

O que deve ser evitado é o conluio com o poder público. A noiva (isto é, a Igreja) deve preservar-se pura para o seu noivo (isto é, Cristo). De nada serve dizer que confiamos em Deus, mas morremos de pavor de supostos poderes terrenos. De nada serve dizer que ele é nossa esperança se esquecemos da nossa história de salvação e corremos rapidamente aos quarteis para achar oportuno socorro no tempo da angústia. De nada serve dizer que amamos nosso próximo se o odiamos visceralmente por ele não pensar como nós. De nada serve dizer que confiamos em nosso Senhor para o futuro se nem consideramos a história, mas sim os contos que nos chegam pelo WhatsApp.

Há muito para ser reconstruído (ou redimido se assim o preferir). O Reino já foi instaurado. É nossa responsabilidade agir de acordo com os princípios desse Reino com o qual nem a extrema esquerda, nem a extrema direita, nem o extremo liberal têm alguma coisa a ver.

Como cristãos, voltemos ao básico: Jesus é Rei, o ser humano é reflexo dele e como tal precisa ser respeitado; cremos na liberdade de culto, de consciência e de credo; cremos na laicidade do estado; cremos na separação de Igreja/Estado.

O Reino de Deus está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ou dito de outra forma: não tem filiação política.

Como nação brasileira: voltemos a querer ser apenas brasileiros: sul-americanos plenamente envolvidos com nossos irmãos continentais em sintonia com o Manifesto Republicano de 1889. Muitos países de America Latina carecem de um bom exemplo republicano.

A agonia da espera

Ontem, por ocasião do falecimento da esposa de um amigo, tive que fazer uma pequena viagem passando por várias pequenas cidades. Todas elas tinham uma manifestação política. Ou a favor de Bolsonaro, ou a favor de Lula.

Em duas das ocasiões tive, por uma questão de trajeto, que participar na precisão: uma vez com os partidários de Lula e outra com os partidários de Bolsonaro. Tive então a esplendida oportunidade de desfrutar de primeira mão do sentimento das pessoas dentro da fila de carros como os que se encontravam à beira do caminho. Nos dois grupos vi a mesma coisa: uma felicidade indescritível de estar manifestando sua preferência política.

Se pensamos, isso era impossível há apenas algumas décadas. Aqueles que são favoráveis aos governos totalitários, esquecem do valor inegável da democracia. Aqueles que pleiteam por apenas um “estado de direto” em lugar de um “estado democrático de direito” esquecem não apenas a diferença, como nossa história e o que nos custou até chegar a colocar essa pequena frase na própria constituição.

Mas o que quero chamar a atenção sua hoje, domingo 2 de outubro de 2022 logo antes de fechar a eleição, é sobre como tem sido o trânsito da igreja (como instituição e como organismo vivo) nos últimos anos.

Seja como for – e seja qual for sua preferência política – é inegável que nestas horas finais da votação e antes de sabermos o resultado da primeira contagem, deve haver uma certa angustia nessa espera. Com um pais dividido politicamente como temos, é quase impossível ficar apático nesta conjuntura.

Então quero usar essa agonia circunstancial e temporária para lhe voltar a apelar ao pensamento crítico. Mas maiormente ao pensamento auto-crítico. Ou seja, uma reflexão sobre o último quinquénio.

Tenho a impressão de que a igreja (institucional ou orgânica) tem se digladiado por apoiar especificamente uma ou outra linha de pensamento político. Não que não haja necessidade das pessoas se posicionarem mas sim denunciar que a igreja (em suas duas dimensões) tem sucumbido perante os poderes terrenos. Como se a salvação viesse de alguma pessoa em particular ou de alguma linha política especifica.

Então, nessa angustia enquanto espera pelo resultado, pense se não é o caso de fazermos um quinquênio diferente em que o Senhor da Igreja seja de fato o único Senhor e Ungido em todas as esferas da vida.

A nossa cidadania, porém, está nos céus, de onde esperamos ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

Filipenses 3:20

Liturgia livre ou estrita?

Durante alguns anos, enquanto uma igreja de uma denominação diferente da minha cuidava da minha restauração, participei de uma comunidade com uma liturgia estrita. Foi muito chocante e instrutivo. As celebrações, as leituras, as cores. Tudo tinha um propósito pedagógico e trazia um certo ritmo e segurança à comunidade. 

Me parecia isso tudo bastante parado, repetitivo, previsível. Porém, me é necessário reconhecer de que as festas não eram nada previsíveis. A impressão que me passaram era de um povo que conseguia celebrar não apenas as do calendário litúrgico, mas as extraordinárias ou aquelas em que a igreja – como entidade – participava na sociedade ou os jantares informais. Havia um sadio equilíbrio, a meu ver, entre o ritualístico e o comunitário ou entre o sacro e o profano, como alguns gostam de ver. 

Anos depois participei de outras três comunidades de liturgia livre. Se bem os cultos me pareciam mais dinâmicos e festivos, as celebrações (no sentido de festas) eram apenas aquelas organizadas dentro da própria comunidade eclesiástica, não havendo um ponto sequer de contato com a sociedade em que a igreja deveria estar inserida. Era como se fosse apenas um equilíbrio interno, imaginando-se existir um espaço apenas para o sagrado.

Essa falta de trânsito entre o que chamamos de sagrado e o que chamamos de profano fala muito do que pensamos sobre nós mesmos, nossa identidade, nosso propósito e nossa escatologia.

O modelo de Jesus, o Messias, inclui congregação, leitura, oração, reflexão, denuncia, pregação e ação. Tentar limitar isso a um culto de domingo à noite ou pior, a assistir uma mensagem por alguma rede social ou ler um artigo como este sem a comunhão com outros que seguem o mesmo caminho e sem a inserção significativa na sociedade em que vivemos, coloca todo o modelo apenas como isso: um modelo distante e idealizado; uma utopia.

A relevância do pentateuco

Tenho a impressão de que o humanismo exacerbado e a ideia de que “esta é minha opinião” nos tem levado como sociedade à beira do precipício. Se bem é evidente que sempre nos podemos comparar com nações em pior condição, creio que o padrão deve ser superior, mesmo que seja considerado utópico. 

Em alguma forma, nossa situação é semelhante à retratada em Juízes 21:25. “Cada um fazia o que bem lhe parecia”. Se bem é evidente que o texto foi escrito após Israel ter rei – e por tanto seu legado jurídico já estava bem solidificado – o certo é que o sistema de juízes não tinha dado certo. 

A injustiça no Brasil é enorme assim como o senso de impunidade. A impressão que fica é que o crime compensa e se não compensa, é porque ainda não se achou a forma adequada de praticá-lo.  Crimes bárbaros e traumáticos para a sociedade, como o assassinato de Daniella Perez, não são apenas uma mancha para todo o esquema legal, mas também para a cristandade brasileira e para os evangélicos em particular por haver entre nós um conceito errado de graça como se fosse antagônica à Lei e não a justa complementação das exigências da mesma.

A compreensão e valorização do Antigo Testamento, e em particular do pentateuco, é essencial para uma acertada compreensão da graça  em suas formas mais singelas (graça que achamos ser limitada ao Novo Testamento apenas). De outra forma, o abismo existencial está aí para tragar nossa comunidade que de evangélica apenas lhe restará o nome.

De uma forma bem concreta (e considerada por muitos anacrônica) o melhor instrumento já estabelecido para valorizar estas e outras coisas semelhantes é a escola bíblica, já que é nela que há (ou deveria haver) um espaço para o diálogo e discussão destes assuntos. 

Dignidade venezuelana

Me perguntaram – teoricamente – como seria desenvolver o engajamento e o envolvimento da congregação local em algum projeto local. Em lugar de responder de forma hipotética, apresentei uma síntese do que está rondando minha cabeça esses dias e que compartilho com vocês:


O desafio que tenho pela frente é o de descobrir e estabelecer qual o rumo que a congregação que pastoreio deveria tomar. Porém, dizer isso em primeira pessoa em um meio congregacionalista pode parecer auto-confiança excessiva.

Seja como for, não me posso subtrair de que são os meus olhos que vêm quase que diariamente os venezuelanos que vão chegando e ficando na nossa cidade. Como estrangeiro em terras tupiniquins, sei que nem sempre é fácil compreender como a sociedade brasileira funciona e muito menos como aproveitar esses ventos do alto-mar da diáspora.

Imagino pontualmente as mães e pais de filhos adolescentes que – havendo tido uma vida financeira avultada – agora se encontram à deriva faltando-lhes a orientação e achando na mendicância a única opção.

Trata-se, então, de mostrar o que meus olhos vêm e o que meu coração sente não apenas à minha congregação, mas a todas aquelas outras que possam participar por não se tratar apenas de levar um prato de comida.

Precisamos de assistentes sociais, professores, contadores e qualquer outro profissional com os quais possamos construir e implementar um plano a longo prazo que não seja só um paliativo mais e sim uma convergência multidisciplinar cristã.

A morte como gatilho social

Estava escrevendo o material para uma aula esses dias e lembrei de um ditado: Há duas coisas das quais o homem não escapa: da morte e dos impostos. Refletindo sobre isso – e como era assunto da aula – argumentava do porquê (maquiavelicamente falando) é importante para um governo manter os valores dos impostos em um patamar aceitável. Lembro de ter lido sobre uma regra resultado de uma análise de que até 21% de carga impositiva, é mais barato pagar impostos do que sonegar. Todavia, essa barreira é facilmente transposta quando certos interesses (mormente mesquinhos) se sobrepõem com o qual obtemos o pior dos mundos.

Especificamente sobre a aula que estava preparando, ficava fácil argumentar a razão pela qual as dez tribos judias se sublevaram contra Roboão (filho e sucessor de Salomão) pois ele não quis baixar os impostos mas ainda tornar-se mais duro com o povo.

Então do ditado, me faltava a outra parte, a morte. Ai comecei a escrever, mas acabou ficando muito longo para ser apenas uma nota marginal e por isso decidi escrever este esboço de um artigo que talvez veja em algum outro momento.

Quando uma sociedade começa a não poder saber como, onde, ou de que forma seus mortos são enterrados o terror toma conta da mesma. Isso porque é apenas a morte a que iguala todos os seres humanos.

Uma pessoa pode ter nascido rica, ter crescido bem abastada, frequentar uma boa escola. Mas ai chega um ponto em que ela entende que a sociedade em que vive não faz juz a certos valores que lhe são caros (geralmente associados à liberdade) e começa a lutar por eles.

O regime de plantão primeiro coage, depois censura, após isso trancafia, desterra e… no último dos casos, mata o individuo sumindo com o cadaver.

Com isso, até aqueles que eram contrários originalmente à causa se juntam a ela já que se aconteceu com Fulano, pode acontecer comigo. Ou pior: com meus filhos.

Essa é a razão – em última instância – do encerramento de muitos governos represores e também de certos levantamentos recentes já que é o túmulo (e não o berço) o que iguala os individuos e é ela o ápice do esmagamento de outros direitos.

Baste pensar nos seguintes exemplos em ordem cronológica: a queda dos regimes de exceção na America Latina, o desmembramento dos países do bloco soviético e a primavera árabe. Todos eles tem muitos mortos no porão. As sociedades aguentaram um mundo de coisas. Mas quando chegaram nos mortos, a coisa começou a virar. Pode ter levado anos, mas o silêncio que toma conta da comunicação faz sentir essa virada.

Se nós observamos ao largo e alto da America Latina, há um monte de famílias cuja opção política é contraria àquela que se nega a investigar sobre desaparecidos, mortos sem túmulo, etc. E é isso que modula todo seu pensar já que essas mortes estão grandemente vinculadas com traição ao que lhe é mais íntimo e sagrado.

Mais recentemente o que mais nos afeta socialmente em medio à pandemia da COVID19 é justamente o não poder enterrar o morto sem vê-lo por última vez. Então essas mortes, servem como exemplo e aproximação por analogia para aquelas outras.

Agora, imagine quando se repete a história uma e outra vez de que há um “desaparecido”. Isto é, um morto sem razões suficientes, sem túmulo adequado, sem um momento para a despedida e – via de regra – por razões bizarras. O que pensamos (dizendo ou não) é: “É só uma questão de tempo até acontecer comigo”

É por essas e outras que digo que o ditado popular, mais uma vez, revela algumas verdades muito interessantes. O lance dos impostos o tratarei na aula; mas vejo que essas duas opressões são as que marcam o inicio de uma reação.

Um outro dia gastarei tempo procurando as pesquisas e as referências. (Em especial da barreira de 21%… eu acho que era Indonésia, mas não lembro)

Já pensou!?

Já pensou que no relato do gênesis Deus faz a mulher em separado?
Já pensou que o herdeiro da promessa feito a Abraão tinha que sair de Sara e não de Hagar por mais que fosse legalmente correto?
Já pensou que – mesmo havendo Abraão tido um filho da escrava – Deus não a esqueceu e lhe deu uma promessa similar à que dera a Abraão?
Já pensou que para os judeus Abraão, Isaque e Jacó estão em pé de igualdade com Sara, Rebeca e Raquel?
Já pensou que as lágrimas de Ana regaram o mesmo local onde seu filho haveria de receber seu chamado?
Já pensou que Maria suportou a humilhação pública por causa do Salvador?
Já pensou que a ultima preocupação de Jesus na cruz foi com a sua mãe?
Já pensou que na ressurreição para quem Jesus apareceu primeiro foi para as mulheres?
Já pensou que numa sociedade em que o testemunho da mulher não valia grande coisa Deus deu a elas o privilégio de serem suas primeiras testemunhas?
Já pensou que a melhor ilustração da relação entre Jesus e a Igreja é o casamento e que o casamento nada mais é do que a junção da imagem plena de Deus (“à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.”)
Já pensou….?

Vencemos!

Uma visão pesimista sobre o fim da pandemia

Aviso aos navegantes: esta é uma obra ficcional escrita durante a pandemia do COVID19. Ainda estamos em isolamento social e – talvez – indo para lockdown.

Esteban d. dortta – Maio 15 2020

Por fim vencemos!

Após meses de luta, de reclusão e ao custo de várias vidas conseguimos vencer o vírus que tão terrivelmente assolou a humanidade durante mais de um ano. Parece mentira que possamos andar livremente de novo pelas ruas, respirar o ar fresco, tomar um café na padaria, reencontrar os amigos.

Aos poucos a sociedade se recompõe da sua forçada letargia que lhe foi imposta para poder sobreviver. É verdade sim que muitos empregos foram perdidos e vários deles para sempre. Mas também é verdade que algumas coisas que antes fazíamos de um jeito as passamos a fazer de outro.

Para trás fica o tempo de medo e pavor que este vírus provocou na gente. Junto com o medo, foram-se a ansiedade, a incerteza, o desassossego por não saber qual dos nossos em que canto do mundo o vírus ia pegar.

A falsa sensação se segurança que a rotina dá, placidamente começou a tomar conta dos nossos corações. Assim como o sol morno de uma manhã outono nos esquenta as costas, aos poucos fomo-nos aquecendo e esquecendo do terror do isolamento. Para trás ficam a calamitosa dependência de amigos de verdade, família, Deus. Ao final das contas, quem – de fato- precisa de algum deles agora que estamos bem?

Não mais frases de alento ou de aconchego, não mais dicas de como amar o próximo em situação de convívio forçado, não mais orações comunitárias nem expressões de saudades. Quem precisa de meu esforço e dedicação, quem realmente merece toda minha atenção é a profissão, o trabalho, o serviço, … o dinheiro. Ao final das contas, quem vive sem ele?

Os poucos vamos mentindo e enganado os outros dizendo que aprendemos muitas coisas durante a pandemia. Mas o que é que de fato aprendemos se assim que podemos voltamos a fazer as mesmas coisas que fazíamos antes?

No que hoje – em meados de 2021 – somos melhores do que éramos em final de 2019? Nos tornamos mais honestos em nossos negócios? Temos mais misericórdia com o próximo? Somos mais amorosos com nossos filhos? Damos mais tempo para nosso cônjuge? Deixamos um tempo livre apenas para estar sozinhos e pensar?

Não, óbvio que não! Isso ai é para fracos! Para tolos que não entendem que o que realmente interessa é correr dia após dia. Isso é apenas para aqueles que se interessam com coisas que pareceram ser importantes durante um tempo, mas o que realmente interessa está lá fora e longe de mim: as coisas que não tenho, os amores que não me deram, os viagens que não realizei e outras coisas semelhantes a estas.

Mas não posso dizer isso, “pega mal”. É por isso que mentimos e dizemos que aprendemos, que somos diferentes, que a sociedade está melhor. E é por essa mesma razão que minto que estou mentindo e falo a mim mesmo e repito até o convencimento “saímos melhor do que estávamos, vencemos!”

A herança esquecida

Era uma vez um povo que vivia sua pequena felicidade. Não se sentia infeliz nem muito menos. Tinha achado seu ponto de equilíbrio e – mesmo que ocasionalmente os membros desse povo falassem uns ao outro da triste situação dos que não pertenciam a este povo – pouco e nada faziam ao respeito. Era mais uma formalidade que ajudava na aceitação por parte dos outros do mesmo povo, do que realmente uma carga.

Tudo nesse povo era circular. Nele nada era quadrado, triangular, hexagonal, ou de qualquer outra forma poligonal. Tudo era simplesmente um círculo. Alguns maiores, outros menores, mas sempre círculos. Haviam por vezes círculos tão enormes que, observados de perto e por pouco tempo, pareciam uma reta.

Para se ter uma ideia, os planos e projetos eram circulares. Eles começavam e acabavam sempre no mesmo ponto que tinham começado (ou acabado antes, ninguém mais sabia). De esta forma, se podia ter a ideia de movimento sem nunca ao menos passar por lugares ou situações novas. Tudo quanto se observava já era conhecido por alguém de alguma forma e com isso os mais novos não tinham necessidade de sentirem medo ou aflição já que alguém da geração anterior (ou anterior à anterior, ninguém mais sabia) já tinha passado por lá.

Haviam ao menos quatro círculos básicos na vida deste povo: o íntimo, o particular, o simulado e o externo irreal. No círculo íntimo ninguém entrava a não ser a própria pessoa. Neste espaço, as ideias e sonhos se revolviam de forma mais ou menos desorganizada mas sem nunca ao menos poderem sair para os círculos mais externos. Como muito, alguma ideia que já tinha sido ouvida nos círculos mais externos era devolvida ao círculo particular, com muita dificuldade ao simulado (sempre e quando a aceitação fosse de alguma forma garantida) mas, com certeza, nunca, mas nunca mesmo, sairiam ao círculo externo irreal.

Por conta dos círculos serem concêntricos o equilíbrio do esquema todo dependia em grande medida do ponto mais básico assim como da velocidade de giro dos círculos mais externos, mais ou menos como o rodopiar de um pião. Enquanto tudo continuasse a girar com a suficiente velocidade o pino continuaria como ponto de apoio e enquanto o ponto de apoio continuasse lá, tudo iria a continuar girando e a tão bem conhecida e estática felicidade estaria garantida.