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O dízimo no Antigo Testamento

A palavra dízimo, tanto no original hebraico do AT quanto no original grego do NT significa “décima parte”. A começar pela própria etimologia da palavra, não se pode ignorar seu significado mais amplo.

Na cosmovisão absolutamente pendular de nossa mentalidade contemporânea ocidental, corremos o risco de pender sempre para extremos ao analisar circunstâncias que estão sendo exploradas em outro extremo.

Pertinente à primeira Aliança, da qual os gentios não fizeram parte, o dízimo fazia parte do pacto entre Deus e o povo de Israel. Cada judeu era obrigado pela lei levítica a pagar três dízimos de sua propriedade (1) um dízimo para os levitas; (2) um para o uso do templo e as grandes festas; e (3) um para os pobres da terra.

É óbvio que a finalidade única dos dízimos não era o churrasco coletivo, pois se assim o fosse, todos os serviços do tabernáculo, bem como do templo deveriam ser realizados por escravos, o que não era certamente o caso.

Somos alvos de tentações cada vez mais lúgubres. Se por um lado tentados a dar vazão à volúpia pelo enriquecimento quando submetidos a discursos de manipuladores da boa fé do povo; por outro as mesmas tentações se nutrem de nossa idolatria “maamônica”, nos levando a concluir que o contribuir financeiramente em uma igreja é coisa pra tolos manipulados, ou no mínimo ingênuos. Pra quem ama o dinheiro as duas são perfeitamente cabíveis. Tais idólatras são bem servidos pelas duas propostas. “Dê e terás mais” ou “Não dê, todos querem seu dinheiro”. As duas vertentes do mesmo rio levam incautos a buscarem cada vez mais para si mesmos e para os seus, ao mesmo tempo em que: ou excitam suas consciências a contribuírem avidamente sob a chama da ganância, ou as desobrigam de contribuir, sob o manto da lucidez intelectual.

Cientes de que o dízimo era um postulado da Antiga Aliança, sabemos que a Nova Aliança também requer contribuições que não visem a auto-satisfação de quem contribui. Contribuir primariamente para gastar consigo mesmo e com os seus, é, no mínimo falta de percepção do que a própria noção de contribuição significa.

Há dois tipos de ignorância endêmica no povo evangélico: aquela que encabresta levando o manipulado a enxergar Deus como se fosse um banco, e aquela que carrega de obscurantismo uma mente que se disfarça em lucidez, mas que na realidade esconde seus verdadeiros motivos funestos.

Ainda acredito, porém não sem dificuldade, que uma geração que ignore a própria significância dos termos mais simples, possa um dia entender questões que ultrapassem a superficialidade.

Everson Spolaor

Respostas a inquietações científicas e religiosas

A religião tem sido atacada de diversas maneiras e por inúmeras frentes no implacável
combate que impregna a história humana. Munidos de hermenêuticas próprias construídas a
partir de postulados científicos e empunhando a bandeira da modernidade, muitos céticos se
lançam vorazmente na tentativa de destroçar qualquer indício de crença religiosa. Espadas são
desembainhadas em lutas quixotescas que se embrenham por batalhas inexistentes
alimentadas por suas próprias ilusões bélicas.

O que tais tentativas parecem não se dar conta é que a ciência e a religião jamais foram
inimigas e jamais estiveram em trincheiras opostas. Na verdade, muito do que se diz da
religião tem sua razão de existir. A interpretação que se dá aos processos, porém, parece
carecer de legitimidade.

A religião, assim como a política e a ciência, tem sido um instrumento de opressões, abusos e
malignidades dos mais variados tipos. Vitimas de interesses escusos e manipuladas por
consciências inescrupulosas, tanto a religião como a política ou até mesmo a ciência se
constituem como instrumentos nas mãos de uma sociedade maligna. Como já disse Ulysses
Guimarães: “O poder não corrompe o homem; é o homem que corrompe o poder. O homem é
o grande poluidor, da natureza, do próprio homem, do poder.” Parafraseando poderíamos
afirmar que a ciência (que foi utilizada para o desenvolvimento de armas de destruição em
massa, como a bomba atômica, as armas químicas etc), a política (que em nossos dias parece
ter se tornado sinônimo de corrupção) ou até mesmo a religião (que tem sido um meio de
manipulação das massas), não corrompem o homem, mas sim é o homem quem corrompe a
ciência, a política e a religião.

O ser humano é o principal corruptor e manipulador dos meios que dispõe para dar vazão a
suas cobiças, seus intentos, suas demências e suas volúpias. Se as classes dominantes se
utilizam da religião para seus próprios intentos malignos, não deixam de lado a política e a
ciência.

O período chamado “Idade das Trevas”, foi, sem dúvida um tempo de obscurecimento da
razão e teve como seu principal protagonista a religião. Esta, instrumentalizada pelas classes
dominantes, se utilizou da boa fé do povo para chegar a seus propósitos maculados.
Com a derrocada das “Trevas”, a partir do surgimento do Iluminismo, instala-se uma nova
esperança para a humanidade. Se o obscurantismo de tempos passados tinha cedido espaço
ao raiar de novos horizontes, agora acreditava-se que finalmente a humanidade seria elevada
às esferas da justiça, igualdade e fraternidade. A liberdade científica surgia com toda a
imponência e as promessas de melhorias da vida social e humanitária eram cada vez mais
vociferadas por seus proponentes.

A história nos mostra que no século XX, auge da emancipação da mente humana das rédeas
funestas da religião, o homem, feliz em suas descobertas, foi encontrado ébrio e cambaleante
em suas próprias vaidades e soberania. Como todos sabem, a racionalidade humana, a
iluminação do intelecto e os avanços científicos não puderam impedir as duas grandes guerras
mundiais do século XX. Milhões foram dizimados, manchando as páginas da história como
nenhum outro período anterior o fez. O florescimento da ciência, que muito ajudou a
humanidade em questões de saúde e bem estar social, também proporcionou oportunidade
para a concretização das destruições em massa e das barbáries que até hoje arrepiam até os
menos sensíveis. Além disso, o boom da revolução industrial, que prometia cada vez mais
condições dignas para a vida humana, não impediu o processo de massacre nas fábricas e a
mecanização humana. Charles Chaplin retrata brilhantemente este fenômeno no filme:
“Tempos Modernos”. O homem foi substituído pelas máquinas e o processo de
industrialização relegou às “sarjetas” da vida o operário desvalorizado.

A religião, já fora dos holofotes e da mira dos seus algozes, não pôde ser culpada por
tamanhas opressões e mostrou não se constituir o gatilho que promovia as misérias sociais. Se
os séculos XIX e XX foram o período do coroamento da razão e do destronamento da
divindade, foram também os séculos da destruição em massa e da disseminação da esclerose
social. A religião não era mais a mão que regia os destinos da humanidade, porém a sociedade
continuava amargar suas misérias de forma cruel, violenta e numa progressão exponencial. Se
por um lado a mão do homem moderno apagava as últimas centelhas das fogueiras
inquisitoriais; por outro a mesma mão colhia ali as brasas incandescentes para acender os
fornos crematórios de Auschwitz.

A religião não é inimiga da ciência, pois seu escopo é outro. A Religião objetiva o “sagrado”; a
ciência o profano (comum). O sagrado é o totalmente outro, o transcendente, aquele que foge
à apreensão exaustiva da mente humana. Enquanto a ciência se ocupa do que pode ser
experimentado, observado, estudado e compreendido, a religião permeia o eterno, fala do
inefável, se lança no numinoso, se prostra diante do intocável. A ciência trilha um caminho, a
religião outro. São paralelos, embora às vezes seus olhares se entrecruzem, logo se
abandonam novamente para perscrutar suas próprias sendas.

No âmbito social, a religião consolida os laços familiares, reúne os pares em volta da mesa,
incentiva a solidariedade, a amabilidade, o atendimento aos carentes e necessitados.
Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá são alguns exemplos da religião em ação, lutando
pelas causas sociais, se doando em favor dos menos favorecidos. Abraham Heschel, destacado
líder religioso, posicionou o sentimento religioso ao lado das questões sociais e humanitárias
caminhando lado a lado com Martin Luther King. A eugenia que se apropriou do ferramental
científico e no século XX foi o dínamo para uma ideologia demente de superioridade racial, não
foi suficiente para apagar a chama da luta pela igualdade e liberdade que moveu o coração de
um religioso como Heschel pelas ruas do Alabama.

O papel da religião não é o de desenhar um mundo ilusório para entorpecer a mente do fiel,
mas sim carregar de esperanças um coração que se amarga constantemente pelo desencanto
do mundo moderno. O iluminismo tentou apagar do coração humano a luz do encanto pela
vida. Como disse Christopher Nash (Myth and Modern Literature) “O que é chamado de
Iluminismo, foi, na realidade o escurecimento, porque pretendia a extinção da natural,
primordial mítica luz interior do homem.” Enquanto a modernidade encarcerava o ser humano
na aridez da luta incansável pelo temporal e lançava mais uma vez a sociedade na
desesperança de um mundo bélico que a razão não foi suficiente para contornar, os suspiros
nostálgicos de um coração outrora iluminado por um porvir glorioso que modificava os
caminhos do presente e os preenchia com alegria e colorido, eram novamente sentidos em
meio ao deserto.

Se por um lado a ciência presenteia o homem com o progresso, o desenvolvimento, os
avanços no campo da saúde; por outro pode ser um instrumento que furta-lhe a vida quando o
impede de dar respostas aos anseios mais interiores de suas buscas existenciais e de sentido.
Somos a sociedade do desencanto, da perda de valores, da violência, da falta de respostas, do
esfacelamento das relações, da plasticidade dos encontros, dos amores fluídos (Zygmunt
Bauman). Se a religião foi considerada o ópio do povo, a ciência produziu seus próprios ópios
para substituir o vazio da existência humana. Cresce assustadoramente o número de
alucinógenos no cotidiano, em uma sociedade cada vez mais “iluminada” pelos cachimbos da
desilusão e pelas fagulhas das tragédias.

A segurança dos conhecimentos científicos é questionada no desenrolar da história da própria
ciência. Apesar de trazer convicções importantes para a construção social, as descobertas de
cada época são, muitas vezes, antagônicas a descobertas de períodos anteriores. Exemplos
deste fenômeno são claros e elucidativos. Até 1990 os cientistas criam que os dinossauros
tinham sido extintos por um vulcão, a partir daí se começou a propagar ideias de que um
asteroide teria sido a causa de tal catástrofe. Até 2014 a ciência acreditava que o homem de
Neandertal era inferior intelectualmente ao Homo Sapiens sendo esta a causa do seu
desaparecimento. Já em 2014 descobertas arqueológicas revelaram que o Homo Sapiens não
era de forma alguma mais inteligente que o homem de Neandertal. A ciência já afirmou que o
Neandertal não tinha habitado juntamente com a espécie humana, mas recentemente
descobriu-se que isto era uma falácia. Até 2003 os cientistas diziam que os seres humanos
tinham 100.000 genes, mas depois se descobriu que temos por volta de 19.000 a 20.000. Até o
século XX muitos médicos achavam que a sangria curava quase qualquer doença; hoje esta
afirmação se faz absurda no meio científico. Amostras como estas revelam que os
conhecimentos científicos que outrora traziam segurança a seus proponentes, em gerações
posteriores se mostraram mitológicos e até infantis. As seguranças de muitas afirmações
científicas hodiernas poderão se mostrar totalmente incoerentes e frágeis na geração
posterior. Muitas teorias científicas, como por exemplo a que propõe as causas do surgimento
do Universo carecem de fatos pela própria incapacidade da repetição de tais fenômenos. Fica
evidente que a fé se mostra um elemento de propriedade não exclusiva da religião.

Assim, a religião, ao se propor a lidar com as questões sociais, não oferece resignação,
alienação ou paralisia à energia social; pelo contrário, ressignifica a existência humana,
lançando âncoras no transcendente, procura transformar o presente com o amor, altruísmo,
cultivo de valores importantes para o convício social e busca pela sobriedade das relações
humanas. Quando estabelece suas bases no eterno, a religião propõe um presente
responsável e valorizado, pois as ações que aqui são feitas se refletirão no infinito.

As respostas a uma sociedade contemporânea infectada pela ansiedade, depressão e stress
não advém de uma única fonte, mas sim de uma pluralidade de experiências do humano, das
quais a religião, com certeza constitui-se como parte significativa.

O Evangelho do Reino

Amados, achei por bem escrever-vos, não com o intuito de combater algum ponto de vista ou mesmo me opor a alguma ideia, porém com a proposta de esclarecer meu ponto de vista e assim tentar contribuir para um diálogo consistente.

O caminho que algumas teologias têm trilhado na impulsão da cosmovisão iluminista resultou, não de forma casual, na construção de uma cristologia um tanto desfocada, ao que me parece, de uma consciência bíblica mais centrada. No afã de defender a pessoa e obra de Jesus diante dos ataques ateístas, sem, contudo, abrir mão do ferramental racionalista, criou-se uma imagem de um Cristo comparável aos grandes líderes mundiais. Com isso procurava-se exaltar a pessoa do Filho de Deus, mostrando-o como um líder exemplar e perfeito, e assim equiparando o cristianismo às “melhores” e “mais nobres religiões” do Planeta.

Jesus assume um lugar ao lado dos grandes mestres que a história já registrou. Sua missão, com isso torna-se, segundo os valores éticos mais importantes para a humanidade, absolutamente relevante. Os problemas sociais, que se espalham e descem amargos pela garganta, principalmente dos menos favorecidos, faz com que se levantem clamores dos mais justificados por justiça social, ética e dignidade pública.

Neste meio em que se proliferam as injustiças, qualquer líder que queira ser bem visto e ter relevância cultural deve, sem sombra de dúvidas, ser projetado como uma voz que ressoa contra as paredes da indiferença e do massacre social. Com um olhar nesta demanda ética e humanitária, num ambiente de escassez de escrúpulos, surge cada vez mais a importância de estabelecimento de ícones da sociedade que respondam às barbáries e mazelas da “polis”.

Qualquer líder que seja respeitado ou tenha impacto relevante no meio em que vive, precisa, segundo a própria norma social, trilhar o caminho da ética e da ação humanitária e, portanto, se interpor ao mecanismo maquiavélico em que a sociedade está mergulhada.

Por isso, líderes como Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King entre outros são levantados como ícones e exemplos quase perfeitos daquilo que faz a diferença no mundo dos viventes. Seguir o exemplo deles ou ser colocado no páreo com eles é o que se exige como qualidades mínimas para quem seja candidato ao respeito e admiração mundial.

A partir desta cosmovisão, imbuída desta chama, a proposta de um Jesus humanitário, um líder que vem para transformar o meio social, reverter os processos políticos dementes e estabelecer um reino justo sobre a terra, é absolutamente tentadora. Fazer de Jesus um grande líder que constrói uma sociedade justa é mais do que tentador, pois o coloca na mesma via dos grandes ícones sociais e faz de muitos deles seus seguidores. Isso é quase tão perfeito que os próprios discípulos de Jesus adotaram prontamente esta visão. Clamores como “quando restaurarás o Reino a Israel?”, “no teu reino queremos estar em tua direita e esquerda”, mostram claramente que eles assim entenderam Jesus e esperaram que ele fizesse.

Não era pra menos, pois se hoje falamos em opressão social, qual não seria a mesma na época em que os romanos, desumanamente, exploravam e “sugavam até a última gota de sangue” de seus escravos – dentre eles, o povo de Israel?

Qual não seria a expectativa e a sede dos discípulos por justiça social, pelo estabelecimento de um reino justo, de uma política humanitária, de direitos iguais e de punição aos corruptos e corruptores? Nesta ânsia por harmonia social, qualquer líder que se prestasse teria que advogar as causas sociais. Tempos semelhantes aos nossos, guardadas as devidas proporções!

Nessa chave hermenêutica, os discípulos criaram uma imagem política de Jesus que ele jamais teve. Esperaram ansiosamente pela justiça e por um reino terreno justo que jamais veio. Quando começaram a perceber que Jesus iria morrer, não se conformaram. O final da vida terrena de Jesus mostra as desilusões dos discípulos e o sentimento de fracasso. Mal sabiam eles que ainda sofreriam por tantos anos nas mãos dos romanos, e que suas expectativas de justiça social jamais seriam satisfeitas.

Talvez, o que os discípulos não entendiam é que o problema humano nunca foi social. O problema humano é existencial. O social é apenas uma consequência do existencial.

Talvez seja aí que esteja a grande dificuldade com as teologias que apresentam um Cristo ao lado dos grandes ícones sociais. Propõem um evangelho das causas sociais, que busca igualdade, que cuida do pobre, que alcança o necessitado, que alimenta o faminto. Com isso fazem da proposta de Jesus a mesma que a dos grandes líderes sociais.

Assim não percebem que o ideal de Cristo jamais trilhou estes caminhos. É claro que existem inúmeros textos bíblicos que chamam o ser humano para uma justiça social. Mas esse não é, e nunca foi o foco. A advertência por uma ajuda humanitária é uma espetada no coração do homem pecador para mostrar-lhe seu principal problema – a impossibilidade de amar realmente o ser humano.

Quando Jesus diz ao jovem rico para vender tudo que tinha e dar aos pobres, parece-me mais uma tentativa de mostrar-lhe onde estava seu tesouro. Aliás Jesus nunca propôs uma revolução contra Roma, nunca instigou uma ação política diferente no senado e nunca deu esperanças aos discípulos de que se eles o seguissem, o mundo poderia ser melhor.

A proposta de Jesus não era social. A proposta de Jesus era existencial. O homem está longe de Deus. Isto significa – o homem está no inferno (existencial) e precisa de se aproximar de Deus, voltar a ter vida. Como resultado disso, ele se tornará alguém melhor para sua sociedade em todos os aspectos em que esteja interagindo com ela.

A diferença entre Jesus e os grandes líderes sociais é fundamental e crucial. Os ícones da sociedade propuseram sempre uma mudança social, Jesus propôs uma mudança existencial. Os líderes tentaram consertar a sociedade, Jesus se interpôs como o transformador pessoal. “É necessário nascer de movo” disse ele a um bom cidadão.

O alvo do evangelho não é transformar as propostas políticas, mas sim as pessoas, ainda que isso leve à transformação de políticas a partir de pessoas transformadas. Quando se prega um evangelho social, perde-se a essência do Evangelho. Pode-se ter uma igualdade social sem pessoas transformadas, mas não se pode ter pessoas transformadas que sejam indiferentes ao mundo social. Porém, começar pelo discurso social é começar pela prática moral e não pela transformação pessoal interior.

Podemos ser seres transformados e vivermos plenamente e totalmente num mundo absolutamente injusto e numa sociedade totalmente deturpada com uma política corrupta, e ainda assim o reino estará em nós. A mensagem de Jesus não falhou, ainda que nunca na história tenhamos presenciado uma igualdade e justiça social, pois o Evangelho de Jesus não teve essa meta. Se ele tivesse essa meta, hoje diríamos que falhou, pois nunca isso aconteceu.

Então quando tiramos o foco do Evangelho, que é libertação existencial das vidas, e o colocamos numa justiça social, invertemos o processo e deixamos o importante pelo secundário.

Jesus nunca foi um líder como o esperado pelo mundo social, pois sua busca era outra. Por isso talvez ele não foi amado como Madre Teresa de Calcutá, Mahatma Gandhi ou Matin Luther King. Embora alguns tenham morrido por seus ideais, Jesus não morreu por seus ideais. Jesus morreu para substituir o pecador na cruz, e assim dar-lhe vida (que não significa necessariamente justiça social, aliás muitos dos que tiveram a vida de Jesus jamais experimentaram a justiça social sobre si mesmos).

Que Evangelho acredito?

  1. Um Evangelho que muda o ser humano existencial e radicalmente. Como? Tirando-o das trevas e colocando-o na luz. Tirando-o do pecado e colocando-o no perdão. Mudando sua cosmovisão. Isso levará o ser humano a seu justo socialmente, entre outras coisas, mas o contrário não é verdadeiro.

  2. Um Evangelho que me mostre minha miséria existencial e meu afastamento de Deus e me dê esperanças de estar com Ele, apesar de quem sou.

  3. Um Evangelho que me capacite a viver abundantemente, mesmo que o meio social não seja aquilo que deveria ser.

  4. Um Evangelho que me insere no Reino, que me torna um servo de Cristo rumo à cruz. Isso não significa que vou mudar a sociedade, ou que vou conseguir expulsar os romanos da minha política, ou que vou conseguir acabar com as favelas do mundo, pois o mesmo jaz no maligno. Embora eu deva viver a diferença com o meu próximo, o Evangelho do reino veio para transformar o meu ser.

  5. Um Evangelho que condena a miséria social e a injustiça, mas numa proposta de mostrar o pecado humano e a falência do sistema, não de criar seguidores que possam reverter o processo social, embora isso possa chegar a ser atingido.

  6. Um Evangelho que multiplica o pão, mas que não faz disso sua meta. “Vocês vêm a mim por causa do pão” e dizendo isso não multiplicou mais. Pareceria um contrassenso, já que ele poderia acabar com a fome do mundo e assim se tornar um grande ícone humanitário.

  7. Um Evangelho que fale ao pobre e ao rico, que atinja o pobre oprimido e o rico que não oprime.

  8. Um Evangelho a ser pregado não a partir das misérias sociais, mas sim a partir da miséria humana existencial.

Assim Jesus não era de esquerda nem de direita, não propôs sistemas políticos ou econômicos. Essas lutas de direita e esquerda são meras convenções políticas. Jesus falou do homem perdido, mostrou o quanto este estava perdido e morreu por ele para que fosse encontrado. A partir daí, na consciência da falência humana e no resgate da humanidade, abre-se as portas para a ação social, porém nunca como um alvo supremo a ser perseguido, mas uma consequência a ser vivenciada, pois o problema humano é muito acima do nível social.

Faz-se assim necessário alguns esclarecimentos pontuais.

  1. No que se constitui a libertação apregoada no Evangelho?

A libertação não se constitui em alívio do ponto de vista da opressão social. Os discípulos foram libertos por Jesus e continuaram a vida toda debaixo da opressão social. O Evangelho é muito mais do que isso. Se assim o fosse, nações em que a opressão social é minimizada (até mesmo debaixo de uma confissão ateísta) não precisariam do Evangelho.

A libertação proposta por Jesus não enfoca questões sociais, econômicas ou de qualquer outra natureza que não seja o resgate de um ser das trevas. A libertação social é um ideal de muitos líderes e instituições, que tiveram mais ou menos êxito no processo social, sem nem sequer se utilizar do Evangelho.

Jesus liberta o homem de seu pecado existencial que é o único que o separa de Deus. O homem não será condenado por suas injustiças sociais, pois se assim o fosse, aqueles que praticam a justiça sem o emblema da cruz, seriam absolvidos sem a presença de Jesus. O homem será condenado por seu Pecado, que o separa de Deus.

Enfocar a libertação do ponto de vista social é reduzir o evangelho a uma ideologia humanitária e nivelar Jesus aos ícones de projeção social.

  1. Quem é Jesus?

Parece muito claro que Jesus é incomparável. Ele supera infinitamente qualquer líder social ou agente humanitário de importância inquestionável.

Não precisamos de Jesus para realizar um trabalho social significativo – já temos Mahatma Gandhi, entre outros.

Não precisamos de Jesus para estabelecer uma sociedade mais justa e igualitária – grandes nações do primeiro mundo, como a Suécia ou Dinamarca estão anos-luz na constituição de suas sociedades, muitas vezes até sob a bandeira do ateísmo.

Não precisamos de Jesus para estender a mão ao faminto, à viúva e ao pobre – agências humanitárias e grandes líderes sociais já se mostraram eficazes nisso sem sequer estar debaixo da cruz.

Não precisamos de Jesus para mostrar a justiça e a ética que faz a diferença no meio social – muitos já agiram assim sem sequer serem cristãos. Corpos são queimados em favor dos pobres sem sequer o resquício do verdadeiro amor.

Não precisamos de Jesus para praticar o desprendimento material – Sidarta Gautama que o diga.

Jesus não é definitivamente um “repartidor de heranças”, ou um “provedor de pão” – essa era a expectativa dos judeus, mas ele não se mostrou seduzido por estas propostas. “O pão não foi Moisés que vos deu, o pão sou eu”, revelou Jesus. Quem busca no Evangelho o pão que mata a fome, não pode entender o que é comer a carne do Filho de Deus.

Não precisamos de Jesus para exemplos de qualquer natureza ética ou altruísta – grandes ícones da história se mostraram impecáveis neste aspecto sem nunca abraçarem a cruz.

Mas, definitivamente tem algo fundamental e essencial que só Jesus pode fazer, que é uma característica exclusiva dele. Só Jesus pode perdoar a humanidade em relação ao seu pecado existencial e assim ligá-la novamente a Deus. Isso nenhum líder ou ícone mundial poderia fazer, pois “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”.

Essa é a verdadeira mensagem do Evangelho. O homem estava separado de Deus em seu pecado e Jesus veio ligá-lo novamente ao Pai. Resgatou-o de sua condição de pecado e o regenerou, fazendo-o uma nova criação.

  1. Qual é a tarefa da Igreja?

A tarefa da Igreja não é prioritariamente social. Não somos uma instituição filantrópica de ajuda humanitária. Existem grandes organizações que assim se constituem e fazem um excelente trabalho social sem nunca se constituírem como igreja. Não precisamos da igreja para fazer a ação social. Ela já existia muito antes da igreja.

A igreja não se reúne para resolver os problemas sociais prioritariamente. Quando olhamos para a igreja primitiva, percebemos que os diáconos só foram instituídos depois que o problema se apresentou. A igreja não se reuniu para resolver seus problemas sociais, embora a ajuda entre os irmãos se tornou uma realidade. Mas não foi essa a mola propulsora que os levou a estar juntos. Eles estavam juntos porque se tornaram adoradores. Não somos chamados principalmente para atender projetos sociais, mas sim para sermos adoradores.

Então a igreja tem como tarefa principal adorar a Deus, conhecê-lo e anunciar a libertação do homem do seu Pecado por Jesus. As tarefas sociais, as denúncias ao desequilíbrio econômico, as buscas pela preservação ambiental, o respeito à criação divina, a defesa dos animais, as grandes descobertas científicas que ajudam a preservar o planeta e os homens, são também realizações dos salvos, mas podem muito bem existir sem eles, como a própria história comprova.

A carta aos Gálatas, no capítulo 5, mostra que a libertação tem muito mais a ver com a consciência da falência existencial da humanidade do que qualquer outra coisa. Neste aspecto as “obras da carne” condenadas têm muito mais a ver com as questões internas de uma realidade existencial corrompida.

Sendo assim, fica aqui minha denúncia contra o rebaixamento do Evangelho a uma proposta de ação social, reduzindo assim Jesus a um ícone de exemplo humanitário e no páreo com os grandes exemplos de revolução social do planeta. Ele é muito mais do que isso e seu evangelho vai muito além dessas causas.

Que Deus seja conosco.

Everson Spolaor

A Trindade na política

Religião e política parecem trilhar caminhos comuns muitas vezes. A paixão que despertam, a ganância que as tenta, o poder que as convida e as barbáries que podem produzir, são reveladas no processo histórico de forma escancarada. Porém, apesar de muitos caminhos em comum, há um único elemento imprescindível para o estabelecimento, construção e sustentação de ambas – o sagrado.

Sem o sagrado não se tem religião nem política. Este, que assume variadas configurações nas mais diversas expressões religiosas da humanidade, se mostra mais uniforme e definível na política.

Não é de estranhar que, em época de eleições, o sagrado exerce enorme força nos muitos discursos inflamados em busca de adeptos. Seguindo o pensamento de Rudolfo Otto de que o sagrado é mysterium, tremendum et facinans (misterioso, tremendo e fascinante), pode-se observar que as forças de atração e repulsão estão em constante tensão em relação ao sagrado no plano político.

Assim como no Cristianismo, o sagrado político se configura de forma triúna. São três os que compõem a sacralidade. Embora distintos, são inseparáveis. As campanhas políticas exaltam, louvam, ou condenam o sagrado de forma veemente. Mas no fim, todas acabam cedendo à adoração que lhe cabe e prometem adorná-lo, cuidar dele, prestar-lhe culto, atenção e melhorias pelo tempo em que tiverem o privilégio de tocá-lo.

A trindade sacrossanta da política sofre o sacrilégio de ver seus nomes tomados em vão inúmeras vezes, sem o mínimo de escrúpulos ou temor. Ela assume três nomes benditos: Educação, Segurança e Saúde. Nenhum pretendente ao ofício pode ousar dar vazão a suas preleções sem invocar a trindade. Ela é a pedra fundamental sobre a qual se constroem os templos suntuosos da máquina administrativa do poder, e se estabelece como alvo do louvor e centro da prédica de todo aquele que aspira subir os degraus do sucesso.

Uma história faz-se necessária para a compreensão dos fatos. Conta-se que um dia houve uma catástrofe. O inimaginável ocorreu e causou um desastre sem precedentes. Ninguém sabe o porquê de tamanha eficácia das forças malévolas no processo de oposição à trindade, mas constatou-se que, em algum momento lúgubre da história antiga, houve uma desavença e desequilíbrio entre os três elementos que compõem a santíssima trindade.

A Educação, enlouquecida, partiu repentinamente e agressivamente em direção à Saúde. Esta, indefesa e já moribunda, gritava desesperadamente por socorro enquanto era golpeada brutalmente até a morte. Amedrontada por tal atrocidade, a Educação fugiu em direção às fronteiras do país. A Segurança, por sua vez, sentindo remorso por não ter podido acudir sua fiel amiga Saúde no momento em que mais precisava, partiu furiosamente em busca da Educação. No caminho, atirou aleatoriamente diversas vezes para descarregar sua ira. O resultado de tais disparos deixou um rastro de sangue por seu caminho. Finalmente a Educação foi interceptada e, na fúria, acabou sendo assassinada pela Segurança. Esta, tentou ocultar o cadáver, mas foi seguida pela população revoltada por tantas mortes inocentes e acabou sendo linchada em praça pública.

“Três cadáveres num mesmo dia. Que tragédia!”, noticiavam os jornais em letras garrafais. Constituíram uma comissão para decidir o que fazer com os defuntos e, após muita discussão, resolveram construir três belos túmulos no maior cemitério do país. Os sepulcros foram milimetricamente calculados e posicionados lado a lado formando um monumento impressionante.

Desde aquele dia, coisas estranhas andaram acontecendo. De tempos em tempos, um espírito (alguns dizem ser maligno, outros, benigno) sopra sobre os túmulos levantando os corpos apodrecidos. Estes saem de seus jazigos e despertam emoções das mais diversas na população. As autoridades, acionadas pelo povo, parecem não tomar atitudes, mas, pelo menos, demonstram concordar com uma coisa: este espírito colabora com o momento.

No cemitério, coisas sinistras também são observadas. Um dos túmulos, certa vez, amanheceu pichado. Não se podia entender os escritos. Chamaram os linguistas mais capazes, mas ninguém pode decifrar a frase. Chegaram à conclusão de que algum estudante mal formado teria arriscado algum pensamento. Outros suspeitam de algum professor frustrado, talvez um proponente de alguma revolução ortográfica. O certo é que não havia muitas pistas, mas uma seta indicava para uma escola, que de tão velha, tinha perdido as primeiras duas letras da palavra escola no seu letreiro. Para conter gastos, ou por qualquer outro motivo escuso, preferiram deixar como estava.

Outro túmulo também passou por uma experiência estranha. Sangue parecia brotar do chão. Levaram para análise. Nunca divulgaram os resultados. Há murmúrios de todos os tipos, mas na realidade todos parecem temer dizer definitivamente algo. Alguém desavisado foi até o local para coletar mais amostras, mas, quando estava agachado, escutou zumbir algo rente à sua cabeça. Deitou no solo e se arrastou rapidamente para longe do local. Tentaram entrevistá-lo, mas se recusou a dar entrevistas. Dizem que contou a um amigo que enquanto rasgava suas roupas se arrastando pelo chão, viu um cartãozinho de uma empresa que prometia proteção particular. O autor da façanha nunca mais foi visto e chegaram a comentar sua morte. O fato é que o caso foi arquivado.

O mais estranho de todos foi o que aconteceu com o terceiro túmulo. Muitos se recusam a falar, outros fazem o sinal da cruz ao mencionar. Dizem que volta e meia, no calar da noite, uma fumacinha sai de dentro do túmulo por um orifício na lateral. Os boatos começaram a se espalhar e uma tv alternativa instalou uma câmera escondida no cemitério. As imagens foram exibidas antes de serem confiscadas. Turvas e arrepiantes, era possível ver, de vez em quando, a fumacinha saindo. As autoridades se mobilizaram, montaram um esquema de segurança e depois apagaram o caso. Hoje ninguém fala muito neste episódio, mas o coveiro, que é uma pessoa meio mística, disse que um dia, andando próximo a este túmulo, encontrou metade de um charuto. Pintaram o túmulo de branco para espantar qualquer coisa ruim e há quem nem passe perto do desgraçado.

Os túmulos continuam lá, ora aparentemente abandonados, ora adornados com flores belíssimas.

Deus ajude o Brasil.

O evangelho em sua caraterística bidimensional

Igreja Evangélica Reviver.
Agosto 24, 2014
Pr.Everson Spolaor

Marcos 1:8
Eu os batizo com água, mas ele os batizará com o Espirito Santo

Introdução: Somos desafiados pelo evangelho ao ter duas dimensões. Quando se fala do evangelho, se gala de Jesus, da mensagem Cristã para nossa vida. Não apenas de uma mensagem que nos dá princípios a seguir. O evangelho não é apenas uma mensagem que traz conselhos para bom comportamento. Não é o evangelho que traz nomas e regras para conduzir a gente para chegar ao céu. Ele é muito mais do que isso. E uma mensagem transformadora. Ela é assim porque sai de Deus; ou seja, a palavra de Deus que vem com esse propósito de transformar. Por isso aulo diz que e o poder de Deus para transformar o homem. Essa mensagem de transformadora abrange duas dimensões que se distinguem completamente mas que – ao mesmo tempo – se entrelaçam. Estas dimensões são a natural e a sobrenatural. A nossa maior tentação é a de buscar uma mensagem que seja monodimensional o que nos leva a uma polarização.

É preciso transitar entre o natural e o sobrenatural.

João batista – parente de Jesus – em uma única fala nos traz uma mensagem nada superficial. Falando ao respeito de Jesus é que ele fala que virá um outro que batizará com o Espirito Santo diferentemente dele que batizava com água. Quando Jesus chega, ele não anula essa fórmula. Na sua partida ele deixa exatamente essa ordem “ide por todo mundo .. batizando-os em nome do Pai do Filho e do Espirito Santo…” então a prática instituída por João, não é descartada pelo próprio Jesus.

Quero ficar esta noite só nesta ideia: É preciso transitar entre o natural e o sobrenatural.

É claro nesse processo do evangelho, ou da mensagem de Jesus, que existe o natural: Eu vos batizo com água – está falando de coisas naturais, de coisas comuns – não adianta esperar um anjo nos dizer que temos de ser batizados na água, é um processo da naturalidade cristã assim como a oração, leitura da palavra, são coisas que se esperam naturalmente de um cristão. Esse lado natural se expande para todos os processos naturais da vida e não só os que atingem a coisa espiritual. O culto a Deus se expressa também nessa forma natural da vida. É o natural que faz parte do culto e o culto que faz parte do natural no dia a dia. Cultuo a Deus com a minha vida, com a minha intencionalidade, com amor ao próximo, com a direção do carro.

Mas não podemos parar nessa dimensão, porque existe algo que vai além, que transcende essa realidade natural. È preciso transitar também por esse espaço da sobrenaturalidade. Ao João dizer ele os batizará com o Espirito Santo, ai entrou na sobrenaturalidade. Se bem há um batismo com água no qual devemos participar, não é a única dimensionalidade em que o cristão deve participar. Não precisa só ser batizado com água, precisa ser batizado com o Espirito Santo. E isso não está necessariamente com o dom de línguas. Batismo é imersão. É necessário que Jesus os submergirá no Espirito Santo, diz João o Batista. Nem João, nem eu, nem nenhum pastor vai submergir você no Espirito Santo, só Jesus. Para alguns isso se manifestará sim com o dom de línguas, mas para outros com outros dons. Aqueles mesmos que foram batizados por água por João, seriam batizados no Espirito Santo por Jesus. Como se dá isso? Das mais variadas formas; seja numa capacitação sobrenatural para realizar a obra de Deus no dia a dia; pode ser num consolo que realmente acalma o coração; pode ser com alguns dos dons sobrenatural que o Espirito vai dar para você como por exemplo as listas de dons que há na Bíblia; tem pastor que é pastor porque uma igreja o colocou como tal, mas tem aqueles a quem Deus chamou e capacitou; pode ser recebendo alegria pelo Espirito Santo; mas seja lá o que for, ele tem que mudar minha conciencia, mudar minha alma.

A vida cristã não pode ser unidimensional, tem que ser – obrigatoriamente – bidimensional. Há coisas na vida cristã que precisam ser realizadas pela gente, mas sem a intervenção do Espirito Santo não há conversão. Água e Espirito, duas dimensões que precisam agir juntas.

É por isso que às vezes vemos pessoas que ficam anos ao fio nos bancos da igreja e quando você vai conversar com eles não há neles vida espiritual. Sabem hinos de memória, passagens da bíblia, ritos, mas não há neles a segunda dimensão; a dimensão espiritual.

Eu já conclui que muita gente vai morrer nos bancos de uma igreja e não vai se converter. Repare que não estou julgando, só estou conjecturando que não há essa conjuntura entre o natural e o sobrenatural em muitos frequentadores de igreja. Isto aqui é um apelo, para lhe dizer que não há só o batismo na água, há também a sobrenaturalidade do batismo no Espirito Santo. Se isso não aconteceu, preciso cair de joelhos e clamar a Deus para que a sobrenaturalidade dele invada a minha naturalidade. Com isso, aquilo natural não vai deixar de ser natural, mas vai ganhar um novo e mais amplo significado.

A minha responsabilidade com o natural, continua minha. O ler a palavra, o participar dos cultos, o cuidar da família, trabalhar, ajudar aos outro, continua sendo nossa responsabilidade. Mas precisamos transcender o natural para sermos permeados pelo sobrenatural. A vida cristã é bidimensional. Nossas obrigações vão continuar existindo. E a gente vai continuar a colocar elas em prática, mas eu não posso fugir de ser imerso na sobrenaturalidade da vida.

Na penumbra da vida

Viajando pelo interior do Paraná, sentado numa poltrona confortável de um ônibus que cruzava paisagens encantadoras e exuberantes, verdadeiras obras de arte que pareciam pincelar a “tela” da janela com verdes de todos os tons, disputava minha atenção um filme no interior do veículo.  A história era um fato real. Um rapaz cego de nascença, convencido pela mulher que amava, se submeteu a uma cirurgia que pretensamente lhe daria o privilégio da visão. A promessa se tornou uma realidade temporária e este, que até então vivera no mundo da escuridão, começou a enxergar e imergir num mundo confuso de cores e imagens. Lidar com a visão se tornou algo interessante e curioso no enredo. Diferenciar entre fotos e objetos tridimensionais à distância era um enorme desafio, já que o cérebro precisava processar imagens com sentido de profundidade. A história ascendeu a picos de emoção e alegria e despencou numa angústia sem fim ao se deparar com a cruel realidade do retorno da ausência de luz.

A importância da visão foi representada no filme de forma clara e deu a chance de perceber que há uma vulnerabilidade explícita no processo de percepção da luz. As sombras que se interpõem entre o olhar e o ver são como nuvens carregadas que hora nos permitem vislumbrar formas e cores (nem sempre completamente compreendidos), hora nos bloqueia completamente a percepção. As coisas continuam lá, mas simplesmente as deixamos de enxergar. O olhar e o ver se distinguem plenamente quando um não corresponde mais ao outro. Vultos vazios se movimentam no escuro marcando espaços antes muito bem definidos.

Numa razão inversamente proporcional ao filme em questão, aquele que nasce vendo, pode terminar seus dias mais próximo de quem jamais viu.

O trânsito que flui da luz para as sombras parece ser o movimento inevitável do desgaste físico. Aquilo que antes era envolto em clareza e facilidades agora, a passos lentos, mas contínuos, entra pelas terras dificultosas das sombras. Lugar este que antes insistia em assumir o pseudônimo de “terra do nunca”; agora percebe que o que era um vigoroso “nunca”, perde suas fantasias se tornando cada vez mais o fatídico “sempre”. Envelhecer parece ser, entre outras coisas, o implacável processo minguante da percepção da luminosidade.

Na contra mão do tráfego inevitável, pelo qual viaja o expresso que carrega todos nós, está a proposta da vida cristã de vislumbres do divino. Neste projeto que convida ao mundo de percepções, o elemento essencial para a luz se apresenta como sendo a santificação. O ato da santidade traz consigo a recompensa da iluminação: “buscai a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor”. Visão e santidade têm tudo a ver na vida cristã e estão relacionados numa proporção paralela. Quanto mais santidade, mas percepção do divino.

Uma vez mais faz se a diferença entre olhar e enxergar. As realidades mais concretas da beleza da vida estão plenamente expostas diante de todos. Poucos são os que lavam seus olhos no colírio da santidade e assim contemplam o divino exuberante em sua multiforme exposição diante de nós. O antigo legislador já clamava em sua fome pela contemplação do divino. “Ninguém pode ver a minha face e viver” advertia a divindade que se revelava e se velava.

A construção da história culminou na expressão mais vívida do divino. O rosto queimado do peregrino afirmava: “quem vê a mim, vê ao Pai”. Mas como perceber o Pai numa figura tão humana? Só mesmo a santidade poderia providenciar tal visão.

Os anos se passam e o que permanece é o desafio de enxergar. Ver a Deus não parece ser somente uma questão relegada a um futuro escatológico que guarda sua percepção para o dia de amanhã. A ótica que se deslumbra na contemplação do divino se faz possível hoje. Ela é vulnerável, como todo processo de percepção da luz. Sua amplitude, sua clareza e sua qualidade são sempre processos circunstanciais dependentes da negação de si mesmo. Nesta via, sujeita a todas intempéries da existência humana, hora a luz perpassa por todos os lados de nosso órgão sensorial, hora ela se obscurece pelas muitas nuvens de nossos retrocessos.

Ver a Deus é um privilégio daqueles que são banhados pela luz da santidade. Para estes, as paisagens pitorescas de exposição da divindade podem ser percebidos até nos cantos mais “insignificantes” do quadro de cada dia. É tamanha sua beleza, que pouco a pouco ocupa todos espaços de nossa movimentação. Nas mais variadas formas, expressas em cores de tons tão distintos e sutis, cada pedaço da vida traz revelações inimagináveis da presença do divino. Ele está lá, às vezes estampado em cartazes quilométricos de dimensões imponentes; às vezes pontilhado em minúcias apresentadas estrategicamente em proporções milimétricas. Alguns o veem, outros tropeçam nele sem o perceber. Mas ao observador perspicaz, a recompensa é imediata. A cada vislumbre um encanto, a cada encanto um êxtase, a cada êxtase uma porção a mais de vida. Talvez a vida abundante seja isso – a capacidade de contemplar e se deliciar no divino no desenrolar de cada dia.

Ele está lá. Pena que muitos não o vejam. Quem tem olhos para ver, veja. Neste processo alguns desfrutam da promessa: Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão a Deus.

A diferença entre ver e não ver está no privilégio de se santificar. Isto é o que define quem vive a vida e quem simplesmente passa por ela.

Everson Spolaor