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Sobre Rafael de Campos

Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista de Presidente Prudente e Universidade Cesumar de Maringá. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Área de concentração: Linguagens da Religião e Cristianismo Primitivo. Iniciando Licenciatura em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos

O Poder de uma Igreja fraca (II): Igreja como a âncora do céu

3A metáfora da “âncora” é uma bela forma para pensarmos como a igreja está ligada ao céu de Deus. Basicamente, uma âncora serve para “estacionar”, fixar o navio em um ponto específico no trajeto em que este está fazendo. Vista de modo simbólico, a âncora pode representar inúmeros significados: firmeza, tranquilidade, força, fidelidade e esperança; para alguns representa atraso ou barreira.

Certa feita ouvi uma história que não sei se é verídica. Os cristãos do primeiro e segundo século utilizavam o símbolo da âncora para se comunicarem em meio à perseguição advinda do império romano. Aquilo que se tornou a “cruz da escora” era simbolizada por um semicírculo (vida ou mundo espiritual) e pela cruz (realidade ou vida terrena). O semicírculo era visto como a coroa da cruz, a glória divina sob a glória terrena. Era, para aqueles primeiros cristãos, símbolo de esperança.

Para os navegadores, a âncora fala de refúgio, esperança em meio à tempestade e simboliza um conflito entre o sólido (a terra) e o líquido (a água). Simbolicamente, conflitam para que possa existir, em sua fecundação, a tão sonhada harmonia.

Mas o que isso tem a ver com a igreja, com a gente?

A igreja, nós representamos na terra aquilo que bem foi dito acima: a igreja é a glória de Deus em Cristo na terra; é também a fecundação do espiritual com o terreno, do céu com a terra, da verdadeira vida com a morte, da esperança com a desesperança. Dito de outra maneira, ela é a infraestrutura invisível de Deus manifestada na superestrutura visível da terra, ou seja, em nós. Ainda de outra forma, a igreja é a expressão imiscuída do céu (representada pelo Reino de Deus) com a terra (propagação do evangelho depositada em vasos de barro e dos sinais do Reino).

Utilizando essa metáfora – a igreja como a âncora do céu – podemos refletir sobre a importância e a missão de uma igreja fraca que se faz forte no poder da cruz. Para isso, minha primeira afirmação é que a cruz por si só não manifesta nenhum poder, apenas revela a morte. A cruz de Cristo, vista apenas de um ângulo, revela a morte de um homem que dizia ser Deus encarnado; sozinha, a cruz é o “fim da linha” para o proclamador das boas-novas de libertação e salvação.

Existe muito mais nas palavras biográficas dos evangelistas que simplesmente a morte de um judeu propagador de uma suposta nova teologia judaica. Existe muito mais que apenas o sentimento de dor pelo fim da vida; mais que somente o sentimento de desesperança – essa que arrebatou os corações frágeis e ansiosos pela libertação dos opressores, quando viram o suposto messias sucumbir pelas mãos romanas. Tem que existir mais, pois existiu para aqueles cristãos em perseguição e precisa existir para nós, cristãos pós-modernos.

Aqui entra minha segunda afirmação: através da cruz – o símbolo de morte e maldição, símbolo de desesperança e perca da vida e de propósito de vida – rompe-se a maior prerrogativa de esperança: a ressurreição dentre os mortos; o ressurgir do mundo dos mortos, do esquecimento – “sheol/hades”.

Quando observamos aqueles que estavam ao redor da cruz chorando pela cruel morte de Jesus, o olhar é de espanto e de tristeza pelo fim de três anos de acumulo de uma esperança que não era terrena. Jesus, nessa terra, se mostrou como a manifestação e o cumprimento das alianças, promessas e dos mandamentos figurados dia após dia pela nação judaica. Jesus era a “máxima expressão” de YHWH vivo, entre os mortais e pisando nesse lamaçal de injustiça, de toda sorte de pobreza e maldição. Ele era a esperança dos homens, a luz brilhando em meio às trevas. Mediante as ações de milagres e poder, ele protestava contra o mal; através da proclamação do Reino de Deus, ele disponibilizava a oportunidade de arrependimento a todos quanto o quisessem. Aqueles ao seu redor, na cruz, no pior momento de suas vidas – pois estavam diante da morte física da esperança encarnada – não podiam lembrar-se de suas palavras quando disse: “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (João 11, 25-26).

Os discípulos e algumas mulheres que estavam em frente ao mestre que sofria numa cruz, viam um homem abatido, perdendo as forças minuto após minuto e se rendendo a toda aquela crueldade advinda sobre ele. Acho que ninguém veria aquela dura pena como “meio divino” histórico de redenção. Não há esperança na morte! (Lembrando que uma parte dos judeus criam na ressurreição, mas aquela que aconteceria “no último dia”, no fim da história da humanidade). Portanto, o que torna a cruz “fantástica” (no sentido teológico), é que ela foi/é a porta para Deus resgatar a sua criação e toda a humanidade de seus pecados e da condenação eterna.

Voltando a segunda afirmação – sobre o ressurgir dos mortos – os judeus criam que a morte e o hades eram o fim da vida de louvor a Deus. Criam, a partir do aculturamento e imaginário greco-romano, na punição que havia neste lugar indefinido das almas quando não cumpriam a justiça em vida. Criam em muitas coisas, assim como nós hoje. No entanto, a cruz e a morte de Jesus revelaram aos discípulos e a toda a igreja nascente que a esperança que Jesus trouxe não estava em que Deus os levaria a uma vitória sobre o império de Roma e nem em uma aniquilação dos gentios e miseráveis. A esperança também não estava em tornar Israel num povo único e poderoso sobre a face da terra, um povo único regendo as nações pagãs e impondo sobre elas seu judaísmo. A esperança estava, certamente, na ressurreição de Jesus e sua vitória sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte.

A cruz, vista pelo ângulo divino, sugeria a ressurreição de Cristo como o primogênito da igreja (comunidade do cordeiro). A esperança, a partir dessa faceta, cumpre a expectativa reconciliadora entre Deus e toda sua criação; entre a humanidade e a nova humanidade; entre a nova humanidade criada e a antiga criação. A esperança satisfaz em justiça a justiça de Deus proporcionando a paz entre Deus e os homens de bem. Deus, em Jesus, agracia toda a criação e chama a nova criação (a igreja, pessoas reunidas em torno da santa Trindade; pessoas a quem Deus amou na cruz; pessoas que de inúmeras maneiras refletem o Cristo vivo, etc.;) a sua mesma missão: reconciliação, resgate, recriação a partir da cruz e ressurreição.

A igreja como âncora sugere uma comunidade em harmonia, fecundada e alimentada pelo “corpo e sangue” de Cristo (lembrando-me da “água e terra” na simbologia dos navegadores, acima). Uma comunidade que age e reage aqui na terra como Deus age e reage no céu. Uma comunidade que experimenta historicamente o futuro de esperança dado por Deus através da pessoa histórica de Jesus, o Cristo: uma comunidade de ressurreição aqui e agora!

Assim, nosso poder como igreja de Jesus nessa terra vai além de alimentarmos e sermos alimentados. Vai bem além de cumprirmos a justiça e a uma vida de santidade. Está além de vivermos “igrejados” ou “desigrejados” institucionalmente; vai além de sermos bons cristãos e de vivermos eticamente as moralidades sugeridas. Vai além!

Posso estar falando utopias, mas utilizar a palavra “esperança” em meio à pós-modernidade já é um erro para muitos. Mas dela me valho para desafiar aqueles que se consideram e vivem como comunidade onde Cristo habita, na força do seu pessoal Espírito regenerador, para a glória de Deus Pai, a viverem como Jesus e enxergarem como Jesus; a amarem como Jesus e suportarem como Jesus suportou; a pisarem no lamaçal como ele pisou e agiu em resgate de muitos; a experimentarem a esperança no amor que cura toda dor, no amor que foi capaz de entregar a vida para que o mundo soubesse que existe um Deus que ama o que criou. Boas-obras, santidade, justiça, ética e moral serão frutos de quem caminha e age no amor, pelo amor, com o amor do Cristo.

Eis a esperança trazida por Cristo na ressurreição, o poder de uma igreja fraca atuante como âncora do céu na terra na esperança da ressurreição.

O Poder de uma Igreja fraca (I)

Penso que todos nós sabemos o que é a Igreja a partir de Cristo (kaleo, qahal, hb. / ekklesia, gr.):3 uma grande/pequena congregação convocada a se reunir em prol de uma finalidade em comum, a adoração à santa Trindade. Seu ajuntamento dá-se numa missão nesta Terra, aonde houver “dois ou três reunidos”. Os discípulos de Jesus são conclamados por Ele a fim de escutá-lo e agir por Ele; a assembleia dos santos onde a igualdade (isonomia) e liberdade (eleutheria) são as marcas e os direitos de todos que são convocados pelo próprio Deus. Essa talvez seja uma definição coerente visto que muitas coexistem.

Na visão individual – e ainda múltipla – principalmente no olhar paulino da carta aos Coríntios (I Co. 12), temos uma grande novidade acerca da “Igreja de Deus” (I Co. 2.1; II Co. 1.1), da “Igreja Universal” (I Co. 10.32; 12.28), da “Igreja local específica” (I Co. 1.2), ou a “reunião propriamente dita” (I Co. 11.18; 14.19; 14.23). Paulo gostava de metáforas e, em um crescente – quase que apostando nas palavras para encontrar a mais coerente – o apóstolo dos gentios revela uma metáfora preciosa, a metáfora que me apoiarei nesse escrito e para esse tema: o corpo de Cristo e seus membros.

Antes de entrarmos mais a fundo em “O Poder de uma Igreja fraca”, uma informação deve ficar esclarecida e, me apoio nos estudos do teólogo/exegeta Willian Barclay que diz: “[…] em todo o N.T. a palavra Igreja nunca é usada para descrever uma construção. Sempre descreve um grupo de homens e mulheres que entregam a Deus seu coração”. Portanto, igreja não são cadeiras novas (ou velhas) bem dispostas num ambiente; não é o púlpito; não são os instrumentos musicais; não é o conjunto disso tudo reunido num salão amplo disponível para os fins de semana.

II

O teólogo Phillip Yancey, escrevendo sobre a igreja, trabalha as metáforas usadas por Paulo. Assim como Paulo utiliza as palavras “lavoura e edifício” (I Co. 3.9) referindo-se a “nós” (os irmãos da igreja de Corinto), ele afirma a preciosa metáfora que nos identifica como igreja: nós como “membro” do corpo de Cristo que contém muitos membros; e nós como o próprio corpo de Cristo (ler I Co. 12).

Um versículo desse texto me chama atenção. Em I Co. 12.22 temos: “Antes, os membros do corpo que parecem ser mais fracos, são necessários […]”. Associado a esse versículo, quero trazer um texto posterior de Paulo escrito em II Co. 12.9, onde se narra sobre o espinho na carne: “Mas ele me disse: A minha graça te basta, pois o meu poder se aperfeiçoa/perfaz na fraqueza. Portanto, de boa vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo”.

Tenho para mim que Paulo sabia em que se baseava “o poder de uma igreja fraca”. Nós, como membros participantes juntamente com outros membros do único corpo, a saber, o de Cristo, podemos ser os fracos. Ouso dizer que devemos ser os fracos se quisermos parecer com Cristo. Por quê? Paulo afirma aos coríntios “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (I Co. 11.1; ver tb. Ef. 5.1; Fl. 3.17; I Tm. 1.6).

Não só por essa afirmação, mas por tantas outras estonteantes que enaltecem a fraqueza. Aos Coríntios, ele eleva a fraqueza num patamar tão superior que a igreja contemporânea parece estar longe desse “alvo”. Podemos ler: “Pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (I Co. 1.25); escrevendo sobre o caráter de sua pregação: “E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor” (I Co. 2.3); escrevendo sobre a grandiosa ressurreição: “Semeia-se em ignominia, é ressuscitado em glória. Semeia-se em fraqueza, é ressuscitado em poder” (I Co. 15.43); escrevendo sobre seu sofrimento por amor ao evangelho: “Se é preciso gloriar-me, gloriar-me-ei no que diz respeito à minha fraqueza” (II Co. 11.30); e escrevendo suas últimas palavras de advertência aos Coríntios: “Ainda que foi (Jesus) crucificado por fraqueza, contudo vive pelo poder de Deus. Nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em nós” (II Co. 13.4).

Quero trazer uma metáfora para comparar a igreja. Yancey descreve em seu livro que certo amigo referiu-se a igreja como um A.A. (alcoólicos anônimos). Confesso que gostei dessa comparação pelo simples fato de que as pessoas ali se reúnem por causa de um vício em comum e se ajudam na missão de se manterem longe da bebida. Esse lugar distinto, onde todos os que comungam da mesma dor, seja qual idade for, cor tiver, profissão desempenhar, se reúnem com o mesmo propósito – de obter um novo hábito e gerar uma nova dependência. O ideal desses é: “Deus me ajude a vencer os próximos cinco minutos”. Eles entenderam que não precisam pecar, precisam de outro pecador para depender em sua fraqueza. O objetivo: vencer, mas por meio da fraqueza que identificam um no outro.

Assim enxergo a igreja da qual Paulo gestou em seus dias, uma igreja onde o pecado, comum a todas as pessoas, era vencido por meio da comunhão em torno do poder de Cristo. Não propriamente o poder da ressurreição de Cristo (esperança vindoura), mas no poder de sua fraqueza, ou seja, no poder contido na “via cruz”. Ele escreve em Filipenses sobre seu auto esvaziamento onde o lucro se torna perda por causa de Jesus Cristo; o ganhar, ser achado nele, conhece-lo e o poder de sua ressurreição comungando juntamente de seus sofrimentos, ser conformado com ele na sua morte, era ganho para Paulo. Dessa forma, ver se ainda ressurgiria dentre os mortos era a ousadia de Paulo (ler Fl. 3). Aqui, a alegria é perder tudo para ganhar somente a Cristo. O poder está no perder e sofrer, na renúncia.

Voltando a comparação com o A.A., a igreja deve/deveria ser um ambiente onde ririamos muito, e choraríamos muito. Acima de tudo, seriamos gente que ama se encontrar com outras gentes para tirar suas máscaras e, ao sofrerem juntas, estarem mais perto do ideal – semelhança com Cristo mediante as fraquezas. Isto porque, estarmos no mesmo barco nos leva a sermos honestos conosco e com os outros. Isso criaria um vínculo entre os membros que saberiam que a igreja fraca sabe que seu poder vital é a dependência de Deus e, também, encontrado na comunhão com o outro.

III

Creio em uma igreja poderosa nessa Terra, no entanto esse poder situa-se na nossa fraqueza. É essa a resposta que Paulo obtém “[…] meu poder se perfaz na fraqueza”. Não gostamos da fraqueza, de sermos e nos mostrarmos fracos. O próximo não é a face de Deus para, juntamente comigo, caminharmos. As igrejas (comunidades vivas) atuais preferem levantar suas bandeiras e serem vistas como “o poder” imperante sobre o mundo, seus sistemas, suas políticas, suas mordomias, etc.; sendo que Paulo nada faz, a não ser “pregar a Cristo, e esse crucificado, escândalo para os judeus, e loucura para os gregos” (I Co. 1.23); e essa “palavra da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós, que somos salvos (igreja), é o poder de Deus” (I Co. 1.18).

Sermos igreja fraca no poder de Deus é caminharmos pela via cruz entendendo que o próximo é a face do pecado, da fraqueza; também é, no poder que se perfaz nessa fraqueza, a face de Deus. Juntos, mutuamente, somos impelidos pelo poder de Deus que opera em nossas limitações a dependermos dEle, a termos a mesma esperança que Paulo teve quando tudo deixou e sofreu para conhecer o poder da ressurreição de Cristo Jesus.

Sobre “JESUS – NATAL – RESSURREIÇÃO”: Algumas poucas palavras…

2Essas são algumas poucas palavras que me lembro dos estudos do seminário e, também, livros revisitados sobre o assunto. Sei que o momento é de ardor pelo nascimento de Jesus, mas sempre me apego, nessas datas festivas, ao significado de Sua vinda a este mundo, ao nosso espaço humano.

O Natal reflete, mesmo diante de todo contexto cabível ao Império romano ao impor essa data, uma realidade histórica de vida e esperança. O Natal – o nascimento de Jesus sem os adornos capitalistas de consumo – reposiciona a história humana a uma realidade apocalíptica que sempre foi viva na memória e no corpo narrativo dos profetas; portanto sempre viva nas expectativas de um povo oprimido e necessitado de libertação/justiça e de um libertador.

Fala, principalmente, da vinda desse libertador e da libertação que um pobre menino judeu, em Belém, trouxe através de seu tabernacular neste mundo. Fala do cumprimento das profecias e da nova vida que Ele viveu através de sua própria. Fala da renovação da realidade através do Reino que ele encarnou e, futuramente, da renovação de toda a realidade na vindicação e consumação de todas as coisas.

A partir de seu nascimento, sua vida exemplar e profética, morte e ressurreição, podemos falar da esperança que sua estadia aqui produziu nos corações que creram e creem desde lá.

Quem me conhece sabe que sou um crítico das “fraseologias” ou dos “jargões pops” da “evangelicada”. Dizeres como: “Jesus é a nossa páscoa”; “Jesus ressuscitou”; ou ainda “O tumulo está vazio”… Não sou contrário a nenhuma delas, no entanto não as acho, racionalmente, tão contundentes e vivas como são expressas. Nem acho que existam argumentos científicos que provem tal fato (creio ser um fato da história), o que concordo piamente com a historiadora judia Karen Armstrong ao dizer que “ao tentar transforma-se em ciência, a teologia só conseguiu produzir uma caricatura do discurso racional, porque essas verdades não se prestam à demonstração cientifica”.

Um cético ou um ateu neófito invalidaria tais “jargões” com argumentos muito mais racionais e expressivos/preciso que um “crente” platônico e sentimental que leva em sua boca apenas o “Ele ressuscitou”.

A própria psicologia social invalidaria a ressurreição sugerindo a teoria da “dissonância cognitiva”. Outros iriam sugerir que a ressurreição é apenas uma metáfora (não que não seja) de uma experiência religiosa que os cristãos primitivos outrora tiveram por causa da experiência da graça e do perdão, o que permite sugerir inúmeras negações sobre a morte e ressurreição de Jesus.

Ao recorrermos às narrativas evangélicas canônicas, todas as quatro narram sobre a morte e ressurreição de Jesus, o Messias. Independente da lente de cada autor/narrador, a narrativa se encontra presente na tradição cristã primitiva, sugerido por alguns teólogos e exegetas serem essas pré-paulinas (o que evoca o poder de sua memória e de sua oralidade). Mas a evidência que se torna explicita nos evangelhos, principalmente para os personagens da trama é que “Jesus ressuscitou”; e se ressuscitou “ele é o Messias”.

Foi uma fraseologia que se tornou jargão nos moldes que indiquei acima? Foi um jargão presente no contexto judaico? Não, nem um nem outro. Primeiro, porque os discípulos de Jesus nunca entenderam ou suspeitaram de sua ressurreição. Segundo, o contexto judaico não aceitava a premissa de que alguém havia morrido e ressuscitado. Prefiro “acreditar” (racional partindo da fé e não de fatos comprovados), que a ressurreição de Jesus alimentou em seus discípulos a antiga expectativa apocalíptica do Messias, elevando-os ao verdadeiro sentido de sua morte e ressurreição, ou seja, uma nova criação, a vitória de Deus sobre a morte (mal) que foi anulada na cruz e seu retorno à vida.

A essência do Natal tem a ver, num contexto macro, com essa libertação/justiça tão esperada e com a esperança ocasionada pela ressurreição desse menino/homem/Deus, ou seja, um dia o veremos face a face e, assim como Ele é, nós seremos.

 

Um modo de interpretar ‘a caminhada de fé…’

Rafael de Campos

Todos nós amadurecemos com o tempo. Da mesma maneira acontece com a fé que um dia recebemos do alto, do Pai das luzes. Não a recebemos pronta, madura e, também, nesta vida, não a tornaremos completa, inabalável e plena dentro de nós. A caminha, ou melhor, a longa caminhada ao Eterno é um misto de abalo e fortaleza dessa fé. Uma certeza tenho sobre ela: veio do alto e cumprirá juntamente em nós o propósito para que foi enviada.

Sobre ela, a fé e caminhada cristã, quero refletir utilizando uma analogia:

Nós, como num ciclo, vivemos as estações da vida. Assim como as estações do ano surgem saudando as etapas, na nossa existência e fé acontece igualmente. Doce é o sabor do princípio da caminhada cristã. Muitos a identificam como a primavera, a primeira fase do período quente do ano, ou primeiro verão. É nessa estação de temperatura e humidade moderadas que normalmente somos atingidos pela experiência do profundo amor de Deus e, reconhecemos nossa profunda necessidade do Eterno. É nesse primeiro momento, onde a fé infundida começa a mudar nossa cosmovisão, é que começamos a crescer e a trilhar um novo caminho, com os mesmo pés em uma nova estrada, mas com um novo destino.

Quase que concomitantemente (dependendo da experiência com a primeira estação), somos levados à segunda fase dessa nova vida, ou seja, a segunda fase quente: o verão. Seu significado diz tudo, pois é o tempo da frutificação. Frutificar do que? Da primeira estação da vida, dos primeiros passos no novo e vivo caminho; das percepções e paradigmas convertidos. Essa é a fase do ver as obras das nossas mãos, ou do ver para crer que o resultado é favorável. Deve ser, principalmente, o “segundo início” na caminhada, o de enxergar o próprio crescimento rumo à maturidade ainda não alcançada. A crescente “evolução” da fé é vista nesta etapa, onde já nos é legitima e dela nos apropriamos e a vestimos.

Talvez passemos bom tempo, bons anos nessa estação. Penso que seja a estação mais favorável e cômoda ao cristão. O problema é que, como num ciclo, precisamos prosseguir enfrente. Pararmos uma etapa ou, conscientemente, nos estagnarmos nela é regredir no caminho de fé. Digo isso porque viver do “leitinho” eternamente e não progredir é regredir em vista do que nos espera: a maturidade. Poucos, hoje, são os que buscam mais, anseiam por mais. Os que negam ir além, na maioria das vezes, são os que, movidos por ventos de doutrinas, perderam o foco do evangelho no caminho e, como consequência, desviam os olhares dos outros; fazem nesta estação uma tenda e ali permanecem até morrer (espiritual e fisicamente).

Aos que entenderam a proposta da peregrinação da fé, a estes surge uma nova estação, a primeira do período frio: o outono. Também começa, a partir daí, o tempo do ocaso. Nesse período algumas coisas que nos eram inteligíveis tornar-se ininteligível. É aqui que o sol começa a se pôr e não mais vemos para crer ou cremos porque estamos vendo. É nessa fase que o amor de Deus parece ficar distante e Sua presença sempre presente parece não ser mais palpável. É aqui que começamos a enxergar momentos de escuridão. Por quê? Entendo que é o momento onde, gradualmente, começa a prova da fé que um dia foi nos dada. É o tempo das dúvidas constantes, do descaso sempre presente, das indisciplinas espirituais e dos descompromissos na caminhada. É o momento das frequentes perguntas: Onde está Deus? Por que estou assim? Ou sentindo isso? O que aconteceu?

Geralmente nós – consciente ou inconsciente – buscamos dar os passos para a maturidade da fé. Seja por meio dos estudos, de envolvimento mais profundo com as pessoas, ou por vontade de encarar o tal “chamado de Deus”, ou até por querer deixar o caminho. Desse tempo de ocaso sempre surgem feridas profundas, desapontamentos, desesperança, descrença, descrédito (…), e não vemos mais um rumo melhor a nossa frente. No entanto, no ocaso, antes da total escuridão da noite e seu frio impetuoso, reluz um vago momento de crepúsculo. São instantes espetaculares do amor de Deus. Esse amor não se manifesta como na nossa infância da fé (primavera); ele simplesmente “é”, e sendo, dá provas de que estará sempre conosco, em direção ao longo caminho que ainda há por vir. É daí que juntamos forças para continuar prosseguindo.

Inicia-se, então, o segundo período de frio. Esse, mais intenso que o primeiro. Entramos no inverno da vida cristã; a estação mais fria e sem produtividade. Não sei como muitos interpretam essa peregrinação, mas entendo que aqueles que aqui chegam nunca mais saem (explicarei no final esse pensamento). Esse é o tempo, inicialmente, de reflexão consciente da fé, dos confrontos com a religiosidade adquirida e impregnada de toda uma vida vulnerável aos atalhos que tomamos nas estações precedentes. Também é o momento da frieza do ser, do tornar agudo toda voz que achamos ser Deus. Perdemo-nos da espiritualidade que pensávamos ser sadia e não mais temos o acalentar da espiritualidade mística outrora viva no coração e nas sensações. Ficamos sem o cobertor e, então, devemos escolher entre enfrentar ou enfrentar o frio do inverno. Ah como dói!!! Ah como somos enrijecidos pelo inverno!!! Nosso choro é de fraqueza e solidão.

Entretanto, existe um segundo momento do inverno: o enfrentamento do frio e o prosseguir adiante. No enfrentamento do frio, que se estendeu sobre a caminhada de fé, reconhecemos a liberdade de ser cristão. Não mais dependemos das experiências de fé da primavera e nem dos frutos tão deliciosos do verão – pois isso não aviva mais o interior; chegamos ao ponto onde toda a caminhada tendia a nos levar em direção a maior prova da fé: a solidão. Não falo de uma solidão sem pessoas. Mas de uma solidão onde tudo o que nos tornamos como cristãos será experimentado no “a sós” com o Eterno e, então, o caminho (primavera), a verdade (verão), a vida (outono) serão mostrados como a jornada rumo àquele que enfrentou o maior inverno durante sua existência na terra. O inverno se torna a nova caminhada, a nova consciência, aquilo que poderíamos chamar de “caminho da cruz”.

Ao olhamos para Jesus, quando esse se tornou consciente de Sua jornada e missão, peregrinou sempre rumo a cruz. Ele logo entendeu que Sua vida era trilhar em meio ao “inverno”. Por isso acredito que para quem o inverno chegou, só sairá de lá na ressurreição. O inverno, por mais frio e infrutífero que seja, é o encontro com Aquele que pode fazer do nosso caminho uma jornada frutífera e milagrosa a partir do inverno. Ele, o dono da fé que opera em nós, espera que nos encontremos com Ele lá, na estação do inverno, onde não mais temos controle do que somos, do que queremos e do que podemos. Lá, rendidos à liberdade e a autoridade de quem passou pelo inverno da vida e se entregou à morte por nós (substitutiva), ali encontramos o verdadeiro sentido da caminhada de fé (participacionista).

RCampos…

 

 

 

 

Autonomia cristã: uma pequena reflexão.

1A grande dificuldade do cristianismo frente à pós-modernidade (penso eu), não é nem o legalismo (religião das regras de fé) e o moralismo absorto, tão praticado e exigido pela maioria das pseudo-comunidades de cunho evangélica.

A complicação está em que os cristãos não questionam/leem/ interpretam mais a nova aliança em Cristo Jesus; vivem mediante os “achismos” dos líderes das comunidades. Os “por quês“, que geram as dúvidas e a busca delas, não movimentam mais a mente pós-moderna e pulsam apenas nas academias.

Um fator incriminador é a pregação atual. Essa se tornou mais um espetáculo de emoções e experiências carnais do que um estudo e ensino sério do essencial. Aí, precisamos “engolir” que o Deus Espírito é quem nos leva a compreensão e, nós apenas somos “manuseados” à verdade. Jesus não ensinou para que seu público apenas ouvisse e fosse conduzido magicamente a Deus. O ensino pressupõe dúvidas, questionamentos, reformulações e, então, fé. Limitamos nossa compreensão da fé apenas ao abstrato e passamos a ser movidos pelos “sacerdotes” que, na compreensão atual, são os “gurus e pajés” da igreja de cristo. Cristo liberta para autonomia e dependência dEle e não para dependência das experiências alheias e autonomia dos outros. Se nossa cosmovisão não mudar através da verdade que liberta, nosso mundo particular continuará o mesmo, apenas acrescido dos mitos e ritos de uma religião sem fundamento que nos escravizará em regras e formas arrogantes.

Portanto, nos falta mais ensino e busca pessoal séria para que em nossa razão o Espírito nos conduza a uma transição do que, de fato, é importante crermos.

OBS. Minha crítica é contra a falta de autonomia e de mudança de um sistema religioso para a religião do Cristo; não se posiciona, particularmente, aos pastores que buscam a descentralização do sacerdote como o “ungido”, milagreiro, único meio de contato entre comunidade e Deus. Sou plenamente a favor de um pastorado que ensina suas ovelhas a “comerem e buscarem abrigo” por si só, sem intermediários feitos divinos. Sou a favor de um pastorado que ensina seus liderados a se submeterem uns aos outros em amor, sem super-heróis espirituais e hierarquia supérflua.

RCampos…

REFORMA PROTESTANTE – 497 ANOS

2Lendo alguns biógrafos que relatam o período da Reforma, começamos dizendo que somos “frutos” (espiritual/intelectual) daquilo que denominamos REFORMA PROTESTANTE. Abraçamos suas ideias (não todas) e as entendemos que essas se deram como um marco na história da igreja. Marco tal que desembocou em inúmeras micro reformas até os dias de hoje.

A Reforma Protestante deve seu legado histórico à iniciativa de Martin Lutero e suas noventa e cinco teses estacadas na porta de sua capela no dia 31 de outubro de 1517 – início de um protesto contra as indulgências que prometiam ao povo uma garantia de pecados perdoados antes mesmo que fossem cometidos. Praticamente um comércio salvífico não escriturístico; um meio ilegal para arrecadação de dinheiro usando um discurso de ameaças infernais e cravando sobre o povo um regime de obras, tudo pelas mãos de ferro da igreja imperante.

Mas Lutero ousou ser um mensageiro de Cristo. Sua vida como um todo e seus estudos o levaram profundamente a querer entender o Novo Testamento. É a partir de sua trajetória que hoje temos consciência dos pilares da reforma: Sola Scriptura; Solus Christus; Sola Gratia; Sola Fide; Soli Deo Gloria. Essas numa tentativa de retornar a Bíblia como fonte da revelação divina e prática dos homens.

Não quero aqui biografar acontecimentos passados, quero apenas elencar rapidamente o que esses pilares deveriam ser para nós cristãos pós-modernos, nós que sobrevivemos às mudanças, perspectivas e paradigmas do séc. XX e nos erguemos por meio do engajado evangelicalismo da década de 70. Minha pergunta é: Como devemos, em nosso atual contexto, refletir esses pontos enaltecidos pela Reforma? Respondo desde já que nossa resposta deve ser bíblica. Quero aqui elencar apenas três desses pilares.

Sola Scriptura – Quem já leu sobre o movimento iluminista e pós-iluminista sabe que um grande embate se formou em torno dos dogmas (autoridade) e doutrinas da igreja romana e reformada. Sabe-se que a busca das tradições humanas sobrepujou as Escrituras enquanto palavra de Deus escrita aos homens.

Quase dois séculos antes, Lutero se levantou arguindo contra a igreja católica romana no princípio contrário, ou seja, em outras palavras, Lutero queria uma verificação nas Escrituras daquilo que a Igreja estava realizando e prometendo. Ele exigiu uma volta as Escrituras Sagradas. Enquanto o séc. XX, fonte de todo desaguar dos séculos anteriores, exigiu o descrédito da Bíblia em prol das ciências naturais, o período da Reforma elevou-a ao topo de todo conhecimento e razão para o ser humano.

Portanto, quando falamos de Sola Scriptura, falamos da volta ao texto e seu contexto macro, o que pressupõe a fuga de todas as abstrações do texto real. Nada nela, nenhuma sílaba deve ser alterada para especulações e por tradições dos homens (aqui admito que todos nós vamos ao texto debaixo de tradições e pré-conceitos; o importante é sempre voltarmos ao texto antes de validarmos nossa razão e abstração) . Tudo nela deve ser levado em consideração; todos os etas (e, gr.), ou seja, cada partícula conectiva entre um versículo e outro, cada argumento e contra argumento, cada til de toda Escritura deve ser levado a sério. O apelo ao todo das Escrituras, tudo o que a compõe e seu contexto, devem ter primazia quando houver tradução e interpretação.

Sola Scriptura nos leva, consequentemente, ao Solus Christus.

Solus Christus – O evangelho, enquanto mensagem de boas notícias, vem nos revelar que somente Jesus é o Senhor universal. Essa é a verdadeira intenção desse slogan. A Reforma trouxe sobre esse ponto a denuncia aos mediadores que estavam sendo postos, potencialmente, no nível de Jesus Cristo. Um exemplo: Os santos ou os ossos dos santos eram venerados e, também, um meio de obter indulgências. Para esse contexto mercadejante, Lutero combateu acertadamente utilizando princípios do corpus paulino. Isso não quer dizer (meu ponto de vista) que tenha interpretado corretamente os textos paulinos que utilizou.

Mas, Solus Christus tem a nos dizer que o Jesus de Nazaré se tornou o Messias de Deus e proporcionou a Ele toda glória que a raça humana não lhe deu por direito. Isso quer dizer que esse slogan fala mais sobre uma verdade a respeito do Messias de Deus do que uma verdade sobre você e eu e nossa salvação. Fala, num contexto político, sobre um Rei que é universalmente superior a qualquer rei ou césares posto no trono e, indo além, Ele, Jesus Cristo, detém toda autoridade e poder em relação às autoridades humanas. Para finalizar essa reivindicação, devemos lembrar que ela foi utilizada no primeiro século como o evangelho que era superior ao do imperador romano da época. Isso tem haver com Jesus Kyrios, o Senhor do mundo, maior que todo reino ou império e que está acima de todos.

Outro aspecto do Solus Christus é o ponto em que Deus condenou, na carne de Jesus, todo pecado da humanidade que ofusca sua glória na criação, iniciando por meio de Sua ressurreição uma nova criação pautada no Christus Victor (Cristo vitorioso) – mais utilizado por Paulo do que o Cristo da expiação. Assim, nossa esperança vem da vitória de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte.

Solus Christus nos leva, prioritariamente, ao Soli Deo Gloria.

Soli Deo Gloria – A verdade dessa afirmação é que somente ao Deus YHWH seja toda glória pelos séculos dos séculos, amém. Nada mais pode produzir glória ao Deus de toda criação do que uma humanidade refletindo Sua imagem e semelhança. Por meio de Jesus Cristo (Solus Christus), a humanidade agora pode ser redimida e será no fim das contas. Podemos, com toda certeza, afirmar que Deus é glorificado quando, por meio de Cristo, seu povo lhe rende glória dentre as nações.

A graça e o poder da mensagem do evangelho (Sola Gratia), aliada a fé (Sola Fide) mediante o Espírito Santo (alguns teólogos modernos trabalham o Sola Gratia em conjunto com Solo Spiritu, realidade na literatura paulina), produz uma nova humanidade, àquela desejada desde o gêneses; uma nova humanidade colocada sob um novo pacto/aliança, onde o pecado e o cosmos estão debaixo, uma vez por todas, da autoridade de Deus e seu Cristo. Uma vez que as alianças judaicas culminaram no novo pacto, na pessoa de Jesus, Deus é glorificado por Sua justiça que completa o plano de salvação lidando com o mal no mundo e elevando a humanidade caída a uma criação exaltada.

Desse modo, nessa breve exposição que fizemos acima, retomamos o Sola Scriptura para confessarmos que somente ela pode nos avivar, após a conversão por meio da pregação do evangelho, numa caminhada onde abraçamos as histórias e experiências de fé daquele tempo, povo, e convergimos ao nosso tempo – como fez Lutero – num processo de adaptação e direcionamento das verdades reveladas.

Reavemos o Solus Christus – contido em toda a Escritura – para trazer à memória aquilo que nos traz esperança. Que a história de Jesus de Nazaré, aquele que foi crucificado e ressuscitado dentre os mortos pelo mesmo Deus de Israel que o vindicou como Messias; o Senhor de todas as coisas o qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará (judeus e gentios) que Ele é Senhor, que essa história seja para nós conversão (experiência de fé) e vocação (encarnação das obras/sofrimento de Cristo).

Isso porque, produzirá glória a Deus Pai – Soli Deo Gloria – como o grito de desespero de toda a criação que aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus; assim, seremos nesta geração os personagens dessa maravilhosa trama onde Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo já venceram e trouxeram esse vitória para o centro da nossa história.

Odeio política! Mas sou a favor do “direito de todo ser humano ter direito”.

Rafael de CamposGosto de associar alguns temas com imagens. Política é um desses temas. Nessa reflexão nos foi proposto escrever sobre “política e o cristão”. Mas como muitos brasileiros, me identifico com outras questões. No entanto, farei um esforço para debater algumas ideias sobre “direito humano”.

            Vamos iniciar com a imagem da “torre de Babel”. Um povo construindo uma cidade e uma grande torre para alcançar os céus dos céus. Um povo de uma só língua querendo encontrar nas nuvens as prosperidades de suas maquinações. Um povo com o mesmo propósito, o de intentar contra aquele que rege toda a Terra. Um povo querendo concentração de poder, glória e riqueza em suas mãos. Um povo querendo ser onipotente, ajuntados em uma mesma cidade para realizar qualquer desígnio que seu coração proponha. Essas são algumas das imagens que minha mente desenha ao ler a narrativa de Gênesis 11. 1-9. Mas YHWH achou melhor não ser assim; talvez por saber que onde “corações” e “línguas” se reúnem, com mesmas iniciativas, sempre advogam arrogantemente seus desígnios acima dos desígnios de Deus. Confusão e dispersão foram a iniciativa de YHWH.

            Essa realidade não mudou muito de lá para cá. Somos um povo que ainda se reúne para maquinar “boas” intenções, bons cultos, bons projetos, bom governo, boas leis, etc., sempre com objetivos pessoais ou mútuos. Há quem diga que foi de Babel que se formou os povos espalhados sobre a face do planeta Terra. Cada nação, povo e língua. Gente de todas as cores e raças, jeitos e trejeitos, culturas e leis diversas.

            Surge uma pergunta: será que “Babel” não foi o protótipo do que veio a ser as nações? Não sei a resposta para essa pergunta, no entanto, penso que Deus sempre chama a si mesmo para olhar e averiguar os desígnios do ser humano em cada nação espalhada pelo globo. Imagino-o também confundindo e dispersando a humanidade quanto aos seus próprios interesses.

            Deixando a imagem da torre, me identifico com as palavras de Foucault (Microfísica do poder), quando diz que o problema da arte de governar, desde o séc. XVI é no nível do “governo de nós mesmos”, o “governo da conduta das pessoas” e o “governo dos Estados”. Ou seja, como ser governado? Por quem ser governado? Até que ponto? Todos nós desejamos um “futuro governo” cabível às nossas pretensas sugestões do que são ou não propostas a se apoiar ou, se são ou não dignas de serem implantadas em nosso país. Mas entendo que o problema não é sermos apoiados em nossas sugestões ou, até mesmo, apoiar aquele que compartilha com nossas sugestões de um governo justo; e sim que, isso tem haver com um problema de governo intrínseco.

            A imagem de Babel é apenas um exemplo daquilo que entendo, teologicamente, ser a raiz do problema da humanidade: governar a si mesmo após a Queda. Consequentemente, governar as pessoas, uma nação, o que seja o menor desempenho governamental, nunca teremos como resultado o ideal. Podemos falar a mesma língua, termos as mesmas intenções e convicções, sempre teremos confusão e dispersão. A grande tentativa é buscar o melhor diante de todas as opções que buscam o ideal, o bem comum a todos. Digo isso por entender a pluralidade existente em todos os âmbitos e estâncias de uma nação. Isso toca, na minha compreensão, nos direitos que servem – ou deveriam servir – os seres humanos.

            Os direitos humanos propõem um tipo/estilo de vida vivido num ambiente/espaço esperado por todos em virtude, simplesmente, de sua humanidade. Por que somos seres humanos esperamos ser resguardados em nossa condição tal. Isso diz respeito a inúmeros direitos de ordem universal, civil, econômico, etc. (isso olhando para os direitos considerados gerais). Cabe dizer que os direitos de todo ser humano são “guardados” por leis que são tidas justas e receptíveis a todos (cf. Os cristãos e os desafios contemporâneos – John Stott).

            Analisando e seguindo pela linha teológica tradicional e conservadora, refletir direitos humanos é remontar à criação do homem; é se apoiar, historicamente, àquilo que certo “deísta” (Thomas Paine) escreveu: “[…] chegaremos ao tempo em que o homem veio da mão do seu Criador. O que ele era na época? Homem. Homem era o seu elevado e único título e um maior não lhe pode ser dado” (Os cristãos e os desafios contemporâneos). Como criaturas, parte de uma mesma família humana, temos os direitos à humanidade desde o princípio. Não os buscamos, não adquirimos esses direitos; eles estão em nós e nos expressam.

            Voltemos ao governo de nós mesmo proposto pela Queda. A “Queda” de toda humanidade torna o que éramos naquilo que não somos e, consequentemente, passamos a ser “isso” por essência. Vivenciamos a desumanização e suas agregações por milênios. Os direitos que nos pertenciam intrinsicamente, hoje precisamos buscá-los, entendê-los, racionaliza-los, lutarmos e apropria-los ao bem comum.

Não raras exceções, encontramos gente que deseja, pelo bem maior, descobrir um caminho que defenda e abrigue as pessoas, pautados por leis que reagem contra abusos, discriminação, racismo, desumanização etc., priorizando as inter-relações humanas e, de certa forma, demonstrando os limites disso tudo. Entendo que todo crime contra a humanidade transparece as nossas próprias atitudes e limitações egoisticamente desenfreadas. Somos indisciplinados, orgulhosos, avarentos, sedentos por sangue, controladores, invejosos, autodestrutivos, (…), pioneiros do mal contra nós mesmos e, com tudo isso, enaltecemos nossa escabrosa humanidade depravada e rebelde.

            O problema é que sempre impomos ao outro, no mesmo padrão, as deturpações de nossa mente, de nossa “raça humana”. Assim, generalizamos e repassamos, desde sempre, a barbárie como um circulo vicioso sem fim. Parece uma antropologia “supra real” o que escrevi acima, mas isso pode ser visto nas atrocidades descabidas do “ser humano”: genocídios, torturas, perseguições, casamentos de contrato, guerras e assassínios em massa, exploração de crianças, mulheres, idosos e deficientes; roubalheiras sem fim, fome, julgamentos injustos, falta de liberdades e de expressão (religiosa), falta de educação e cuidados básicos de saúde, desmatamentos; isso expondo alguns dos problemas de desumanidade.

            Com isso, não quero dizer que não há esperança para nós. Devemos sempre nos lembrar desse “pano de fundo” que nos assombra e que, por vez, nos acostumamos como sendo normal. Como cristão preciso assumir que existe um jeito certo de lidar com a humanidade e seus direitos. Como cristão preciso, também, olhar para a bondade de um Criador que não nos deixa, a nós mesmos, acabarmos de vez com nossa humanidade. Um Criador que não nos deixa mergulhados no mal. Por isso, sempre haverá gente boa tentando fazer coisas boas. Sempre haverá pessoas movidas pela bondade (graça comum) em prol da humanidade.

            Minha proposta sobre os direitos humanos é sim um olhar e retorno para os preceitos bíblicos. Não como imposição da religião cristã, mas como uma luz, entre muitas sugeridas, em meio aos conflitos e lutas por justiça e por direito. Já há tempos optamos e concordamos com a laicidade; fomos precursores no apoio a um Estado separado da Religião e, é assim que devemos manter. Se assim está fincado, não devemos exigir que “o governo deva impor o cristianismo”; nem também que o “governo exclua a religião cristã” (Cf. Política segundo a Bíblia – Wayne Grudem).

A Bíblia como livro da fé em tono do Cristo é um livro universalmente conhecido, mas não imposto como regra universal. Mas podemos elencar que dela três palavrinhas resumem a cosmovisão acerca do ser humano: “dignidade, igualdade e responsabilidade” (Os cristãos e os desafios contemporâneos). Embasados nelas, devemos garantir uma resposta que se fixe ao compromisso exigido por essas palavras. Lembrando, também, que não podemos fazer dos direitos humanos direitos ilimitados, mas comprometidos com os direitos de todos. Um exemplo é exigir dignidade além da dignidade do outro; ou exigir uma igualdade que infrinja os termos de igualdade do outro. Podemos resumir que “em toda ação que consideramos correto praticar devemos também considerar que essas não infrinjam os próprios direitos humanos que procuramos defender”.

Meu “olhar”, portanto, volta-se a um tratamento responsivo e não inventariado sobre a humanidade que nos é comum. Como tais, todos “compartilhamos da glória e da tragédia de sermos humanos” e, assim, não temos o direito de desumanizar qualquer um que seja imagem de Deus enquanto criaturas.

Há um desconforto entre os cristãos com programas de direitos humanos, especificamente os direitos dos homossexuais. Concordo que esse não é o tema mais importante da pauta de um governante, principalmente quando economia, educação e saúde devem ser prioridades superiores, pois atingem a todos. Minha leve opinião sobre o assunto, enquanto direitos, é que os mesmos princípios que envolvem a “dignidade, igualdade e responsabilidade” não devem ser negligenciados a estes.

A sociedade cristã eleva tanto seu posicionamento contrário às uniões de pessoas do mesmo sexo que, agindo desse modo, favorecem as comunidades LGBT a uma transformação da prática homossexual em uma idolatria desenfreada frente à heterossexualidade (Cf. Homossexualidade – Perspectivas Cristãs – Cobb; obs.: não concordo com basicamente 90% do posicionamento do teólogo do processo).

Tanto Stott quanto Cobb compreendem que o relacionamento sexual entre homossexuais nunca será pleno como o vaginal, principalmente por não poderem gerar seus próprios filhos. Sobre o assunto, concordamos que a procriação seria o ideal no relacionamento sexual, no entanto, nem todos os casais procriam seguindo o ideal. Sexualmente, ninguém consegue alcançar o ideal, o que corrobora com a nossa condição humana “normal”. A completude gerada na união de dois corpos sempre será finita e desproporcional àquilo que foi planejado e é chamado de “natural”.

Outra questão é que o sexo (não apenas para a procriação) é também meio de companheirismo e intimidade. Essa assertiva é psicologicamente comprovada para todas as manifestações sexuais. Essa intimidade, de forma negativa, sempre foi corrompida mediante a promiscuidade, a luxúria e inúmeras perversidades. O que quero dizer é que, assim como há homossexuais depravados também há heterossexuais na mesma condição. Ambos fazem de sua sexualidade o seu “ventre”. Todos são atingidos essencialmente pelo distanciamento do ideal.

A grande problemática é que fizemos das pessoas nossos inimigos. C. S. Lewis diz que “antigamente matavam-se os homens maus, hoje eliminam-se os elementos antissociais” (A abolição do homem). Lutamos contra a vida por causa da sexualidade e afins. Lutamos contra a homossexualidade como algo demoníaco ou uma doença genética (psicologia antiga), sendo que se os problemas fossem esses, R. R. Soares/Benny Hinn e outros curandeiros cristãos dariam conta em nome de Deus. Prefiro entender como uma condição fora do ideal para procriação, o que não isenta o companheirismo e afetividade adquirida por eles. John Stott diz que “precisamos ser sensíveis ao fato de que estamos lidando com as emoções das pessoas, sua identidade sexual e seus sonhos de encontrar amor e aceitação”.

Surge a questão: Politicamente devo impor minha fé e realidade cristã em detrimento dos direitos que nos iguale? Acho que não! Esse não é o nosso papel enquanto igreja; seriamos ditadores se impuséssemos uma realidade e experiência cristã como regra de fé a todos. O mesmo acontece do ponto de vista contrário. O lobby gay deve ser uma realidade a ser encarada e engolida por todos? Não! Aqui diferencio o lobby gay dos outros gays que refutam os direitos exigidos por esse partido intransigente. Sou pela causa da igualdade e dignidade enquanto movidos pela responsabilidade daquilo que exigem.

Posso condenar a prática homossexual e mesmo assim conviver bem no meio de uma nação pluralista em seu modo de pensar e de agir legalmente. Isso desde que meus pensamentos e ações sejam respeitados enquanto direitos iguais.

            Portanto, finalizo afirmando que a prática homo afetiva é pecado, mas que mesmo desaprovando, não tenho a liberdade de desumanizar quem o é ou, aqueles que nela se envolvem; que não sou a favor das minorias e suas exigências por leis que destoam das leis igualitárias. Entendido como igreja, penso que nossa realidade e fé podem ser oferecidas a todos, levando em consideração que nem todos, por escolha, optarão a seguir e viver a fé cristã. Assim, todos nós seres humanos convivemos numa realidade social democrática. Resumo e concordo com um sociólogo que diz: “Democracia é pluralidade de interesses e de discursos aprendendo a conviver. Dentre esses muitos discursos, os das igrejas protestantes deve ser mais um, o discurso da ciência, outro, da arte outro, e assim sucessivamente, mas sem que nenhum deles acalente pretensões de construir uma torre para tomar os céus de assalto” (Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro).

ORAÇÃO: AMIZADE COM JESUS CRISTO

Penso que os questionamentos nos movem. Eles nos levam para além do que somos e de onde estamos. Isso porque questionar é ir além do refletir. É ter a coragem de adentrar terrenos desconhecidos e de encarar novos desafios. E diante destes que nos cercam, uma que nos confronta é a questão do renovar.

O renovar-se exige de nós a ousadia de buscar o novo no velho, fazendo-nos assim, sair das nossas zonas de conforto. Verdade é que poucos trilham este questionador e ousado caminho. James Houston foi um dos que corajosamente adentrou esse terreno na busca do novo em relação ao velho caminho da oração.

Escocês, profundo conhecedor e pioneiro no campo da espiritualidade cristã, fundador e professor do renomado “Regente College” onde tem lecionado a cadeira de Teologia Espiritual substituídos por Eugene Peterson; James Houston é considerado um homem sabedor de diversas áreas do conhecimento humano e amigo de C S Lewis.

Sua busca e questionamentos concentram-se no campo da oração como amizade com Deus. Contudo, antes de avançarmos com seu pensamento sobre este assunto, refletiremos na seguinte questão introdutória: O que entendemos por orar?

Tecnicamente, orar é dialogar com Deus todo o tempo. É o que Paulo aconselha aos irmãos em Éfeso, “orarem em todo o tempo” (6:18). Uma curiosidade sobre a oração é que ela é profundamente direcionada por aquilo que cremos e como nos comportamentos. Ou seja, o caráter de nossas orações será marcantemente determinado pelo caráter de Deus, enquanto o conhecemos e o experimentamos.

Orar é articular nossos desejos, vontades e angústias, mas também é fazer nossos pedidos e súplicas a Deus. Noutras palavras, entendemos que orar é falar, falar, falar, falar e falar… com Deus.  Entanto, em (Mt.6:5-8), Jesus faz um comentário surpreendente. O de que, quando oramos devemos fechar a porta do quarto e ir para o mais profundo do silêncio, ou seja, ir para o recluso, para a introspecção.

Assim, para Jesus, oração não é alguma coisa que Deus ouve, mas o que Deus vê. Nesta perspectiva de Jesus, a oração tem muito pouco haver com nossas palavras, mas tudo haver com nosso coração. Portanto, podemos dizer que, a luz de Cristo, a oração é uma experiência de Deus que transcende as palavras, pois estas são limitadas demais para expressar esta experiência do divino. E buscar a Deus no silêncio é construir a verdadeira intimidade com ele. Intimidade esta que é expressa e desenvolvida no relacionamento com Deus.

“Minhas orações, Deus meu, fluem do que não sou. Eu penso que tuas respostas me transformam no que sou”. George MacDonald

O questionamento de James Houston acerca da oração o conduziu ao entendimento de que precisamos de uma teologia que nos desperta para um relacionamento pessoal e verdadeiro com Deus. Noutras palavras, uma teologia que nos aponte o caminho da oração que seja mais pessoal e afetiva, e não apenas acadêmica.

Em seu livro “A oração: O caminho de amizade com Deus”, Houston procura ensinar a orar e cultivar uma amizade com Deus. Ele nos leva a descobrir que orar é mais do que conseguir de Deus aquilo que desejamos, é exercer um relacionamento de amizade com Ele.

O capítulo oito deste livro traz como título “Oração: A amizade com Jesus Cristo” onde o autor fala acerca deste caminho relacional de amizade entre o homem e Deus.

Dia após dia; dia após dia; Ó querido Senhor, três coisas eu oro: Ver-te mais claramente; Amar-te mais amorosamente; Seguir-te mais de perto; Dia após dia”.

Ele inicia o capítulo dizendo que na realidade do Espírito Santo possuímos tanto a transcendência de Deus, onde ele é o outro distinto de nós em sua divindade; quanto sua imanência, onde seu Espírito é intimamente pessoal, “mais próximo do que a respiração”. Como ambos, ele é o Espírito de Jesus que permanece conosco para todo sempre.

Diz também que à medida que o Espírito trabalha em nossas orações podemos aguardar significativas mudanças, ou seja, a forma pela qual oramos será radicalmente transformada, pois experimentaremos uma maior liberdade de comunicação com Deus, a media em que nos tornamos mais e mais seguros de que ele nos aceita como somos.

Um aspecto destacado pelo autor neste capítulo é a oração e a nossa pessoalidade. Ele argumenta que a oração como amizade é afetada por nossa educação exatamente da mesma maneira que ocorre com todos os nossos relacionamentos. Assim como nossa personalidade é desordenada, também nossas paixões o serão. Para tanto, o autor explica que a morte de nossa velha natureza nos conduz à novidade e grandeza de vida com consequências inimagináveis.  Ressaltando que nosso trabalho não é suprimir ou esconder nossos verdadeiros sentimentos, como temos feito desde a infância, mas expô-los a Deus de modo que ele possa nos curar e fazer de nós pessoas íntegras.

Outro aspecto destacado aqui é a oração e nossa submissão. Houston entende que a submissão a Deus e aos outros é a chave da oração, pois orar é reproduzir o caráter de Jesus em nós mesmos permitindo que nossa vida seja moldada por ele. Por isso, quando oramos em submissão à vontade de Deus, nossas orações não são mais nossas próprias, expressas de nosso ponto de vista, mas expressas do ponto de vista de Jesus em nós.

A oração e nossa fé também é outro aspecto levantado pelo autor. Através da fé nos apossamos de realidades que não podemos ainda ver ou vivenciar por nós mesmos. Houston tem descoberto que esta é uma jornada pela náusea, sobre um abismo temível. Isso porque Jesus nos guia através dos túneis escuros de nossos medos da infância, de nossas culpas secretas e de outras coisas que temos tentado esquecer e reprimir. Ele diz:

Com medo do mar, eu fui obrigado a mergulhar nele nos braços de meu Pai. Com receio da fé como um modo de vida, fui privado da estabilidade profissional. Pelo medo de fracassar, tive que ser quebrantado por meio de uma desonra pública. Cada um de nós tem de passar pelo caminho da náusea”.

Segundo ele, o evangelho de João fala que a palavra “crer” expressa um relacionamento contínuo e dinâmico de amizade com Jesus. Nada fazemos sem Ele, e esse caminho de fé significa estar impregnado com a consciência de sua presença o tempo todo.

Outro aspecto destacado pelo autor é a oração e nossa liberdade. Orar em nome de Jesus significa sermos liberto de nós mesmos. Houston diz que o medo é um sinal de nossa possessividade, ou seja, quanto mais auto possessivos ficamos, mais medo sentimos. Por isso, a meditação constante na Bíblia nos liberta de muitos medos e fraquezas; do medo da opinião dos outros; da fraqueza pessoal e das autoindulgências.

Um último aspecto a ser mencionado aqui é a oração e nossa direção. Houston diz que o propósito primário da oração não é, portanto, atender nossas próprias necessidades, tampouco satisfazer nossos desejos, mas glorificar a Deus através do modo que oramos e vivemos. Jesus nos conclama a um propósito específico: que sejamos frutíferos. Todas as nossas orações são subservientes a este objetivo claro. Assim, Jesus nos denomina seus amigos por uma razão: para compartilharmos a outras pessoas a alegria de nosso relacionamento com ele.

O poeta William Blake nos conta que “somos colocados na terra em um pequeno espaço para aprendermos a suportar os raios de amor”. Felizmente, estes também são raios de amor que brilham em nós, ajudando-nos a explorar os abismos da nossa própria insignificância, a remover as máscaras de nosso autoengano, o solo estéril de nossa solidão. Isso somente pode nos acontecer quando estivermos determinados, em humildade, a fazer de nossa vida uma vida de oração.

Concluo dizendo que, por ser quem é, e por sua ousadia em buscar inovar a teologia de um assunto tão discutido como a oração, é que James Houston merece ser ouvido através desta maravilhosa obra literária.

por: Ângela Aleixo

Prolegômeno à Santificação

1959255_10151998451511577_6781849145644319369_nEm princípio, uma definição geral para a ideia que denominamos de santidade cabe como meta inicial. Santidade (palavra hebraica, qadosh), faz referência à “absoluta alteridade de Deus”; é a linha divisória dita radical que nos separa (nós profanos) da divindade. É dessa conceituação que utilizarei para o raciocínio abaixo.

            A santidade nos diz acerca de…, aponta para alguém que não somos nós. Refere-se àquele que é o “totalmente outro” e não compartilha plenamente dessa glória com a humanidade. Mas lembremo-nos que somos santificados. Sua extensão, a santificação, faz menção a um ato ou processo, um meio de fruição contínua entre Deus e a humanidade. É aqui que nos encaixamos no plano divino em Cristo e somos atingidos sorrateiramente, como numa piscadela.

            Jesus não disse nada explicitamente sobre a santificação, mas disse sobre o santificador. Sempre associo tal ação ao Espírito e lembro-me sempre da grande perícope no evangelho de João 14-16. Ali, o Paracletos é reconhecido e autenticado por Jesus como “Espírito da verdade” (14. 16-17); no verso 26, como o “Espírito que é Santo”; em 15. 26-27 está associado à verdade e tem como função dar testemunho de Jesus; em 16. 7-11, o Espírito é responsável em estabelecer no mundo a consciência de culpabilidade e nos guiar em toda a verdade (na verdade inteira) que Ele ouviu do Pai, anunciando as coisas futuras dentro do presente (v. 13) e glorificando a Jesus em sua proclamação (v. 14-15).

            O ato de nossa santificação está relacionado inteiramente com essa pessoa prometida por Jesus e que vem/veio fazer morada em nós. Somos levados a um senso do sagrado, do transcendente, de sua santidade que nos inspira ao respeito, ao fascínio a ao terror (numinoso). Somos tocados pelo “sagrado”, mas não só tocados, somos inundados por esse Espírito que, consequentemente, nos religa ao Eterno. Ele nos traz profundo sentido de direção, entendimento, juízo, e uma percepção nova da vida. O teólogo Wunibald Muller diz, a esse respeito, que somos envolvidos por uma “camada protetora e criadora de sentido”, como a camada de ozônio que protege a Terra e toda vida que nela existe. Um sentido divinatório é criado a partir desse envolver, o que gera uma mudança em nossa faculdade de sentir e perceber, de direção e caminhar.

            Com tudo isso, quero dizer que, somos levados a pôr o Filho de Deus no centro de nossa vida e existência. Passamos a entender que santificação “se faz” no presente momento em que uma realidade, além da realidade presente, se abre à nossa consciência de “nova criação” em Cristo. Acontece uma interpelação e, a partir dela, nosso olhar já contempla uma vida sem Cristo, nossa união com Cristo e um caminho de santidade a percorrer até a glorificação.

            Assim, a santificação se mostra como um caminho a percorrer. Não apenas trilhar uma trilha moldada a partir da nossa antiga criação. Não somos levados a fazer, olhar, agir diferente de tudo o que fazíamos como velha criatura. Somos, sim, conduzidos com a lente do Espírito a interpretar a antiga realidade juntamente com a nova e, assim, obter a verdade. Isso nem sempre anula as antigas expectativas, os antigos comportamentos, as amizades, etc…; pode autenticar e potencializar coisas boas da nossa antiga caminhada. Aqui, no entanto, é a linha tênue entre o que é licito ou não fazer ou continuar a fazer.

            Essa linha tênue se revela que, em santificação também somos livres em Cristo. Essas duas realidades e verdades sobre o cristão não se opõem. A santificação aliada à liberdade para o qual Cristo nos libertou, novamente tem haver com uma consciência que me leva a “ser” e não a viver de ritual em ritual. Se tudo aquilo que entendemos por consciência e suas faculdades foi/é liberta das rédeas e não mais se deixa atar pelos laços da “lei”, das imposições frívolas ou, se já superamos o jogo do que é lícito ou não, finalmente nos livramos dos conflitos de uma realidade maligna e pecaminosa e passamos ao entendimento mais profundo e de propósito da santificação. Mais claro é dizer que não existe um “dogma” para a santificação.

            No entendimento de que em santificação somos livres e isso nos faz perceber a nova dimensão que nos foi outorgada, escolhemos seguir a Cristo. Não somente o seguimos, primeiro paulatinamente, mas abraçamos os desafios de Jesus. Nossa caminhada como peregrinos que somos nesse cosmos – mundo de sistemas malignos – passa a ser conduzido pelo Espírito como uma jornada espiritual. Essa jornada não é apenas mística, mas é conduzida pelo propósito do religare o céu com a terra. Dessa forma, a santificação do cristão ultrapassa questões morais, questões de superação e autoajuda, problemas pessoais e, até, aquela velha mania de alimentar exacerbadamente o ego. Um processo de kenosis (gr. auto esvaziamento) se instala e é iniciado. Essa jornada da santificação, reatando nossa humanidade e abalando as bases da nossa animosidade, nos transforma diariamente a partir das escolhas que passamos a fazer. E se, em santificação escolhemos seguir a Cristo, o caminho não tem muito haver só comigo, mas com Ele e sua jornada nessa terra. Deixamos de seguir a fundo os nossos anseios e utopias dando prioridade ao anseios de Jesus. Em suma, os sonhos, desejos, esforços e cansaços, as palpitações e pulsações do nosso coração, nossas aspirações e tudo o que passamos a ser como nova criação tem a finalidade de instaurar o Reino de Deus, o Reino de Cristo na terra.

            Portanto, o céu não é o nosso destino uma vez que ele se torna nossa missão. Nosso destino, enquanto cumprimos a missão, é conhecer a Cristo e ser conhecido por ele e ser achado nele. Seguir a Jesus é aliar forças com o Espírito em Sua missão e descaracterizar a “velha gente” em prol de “vestir a Cristo Jesus” todos os dias. Eis a santificação!

            Para finalizar esse prolegômeno e destacar a ação diária do Espirito juntamente com nossa consciência que se “veste” e adapta-se a Cristo, a santificação – esse processo pessoal e ativo – sempre me lembra de uma aproximação que idealizo ser coerente com os termos gregos usados para formular a doutrina da Trindade.

            Como criação à imagem e semelhança do Eterno (hommousion, feitos da mesma matéria e substância), somos declarados “muito bom”. A partir de nossa queda, aquilo que era “muito bom” tornou-se “depravado” (Lutero). Fomos corrompidos na nossa ousia (essência) e nossa hypostasis, aquilo que expressamos de nossa ousia, já não agradava a Deus e era mal aos seus olhos. Deus, em Cristo, mediante o Espírito Santo, veio até nós e se fez um de nós, encarnando nossa natureza para nos transformar. E não apenas nos transformar, mas nos dar novamente de sua ousia (extravagante substituição) e, desse modo, começarmos a expressar (hypostasis) Sua ousia no presente até o grande dia em que voltaremos a ser hommousion de Deus.

Rafael de Campos

Anseios…

2Recomeçar, reencontrar, fazer perdurar…para não esquecer.
Encontros, reencontros e desencontros; começar e recomeçar; não esquecer o que passou e o que não ficou pra trás; fazer novo/a todas as coisas e preencher espaços, buracos vazios, corações e mentes; lembrar sentindo dor e alegria, as nostalgias da via; firmar eternas alianças e presentes relacionamentos; evocar o Eterno ao circulo dos réus pensantes e vagantes num “interior” de muitas riquezas e pobrezas; evoca-lo sempre que respirar e entende-lo presente mais que ausente, dentro mais que fora; Unidos na diversidade e munidos de humildade e presteza, sendo sinceros todo tempo e aprendendo a humanização e a ser humano, identificados com o pó da vida terrena e com o pó celeste do céu…

 Rafael Campos