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Artigos que falam sobre a vida comum, em sociedade.

A herança esquecida – Júlio

Anteriormente…

Júlio não era de todo circular. Suas ideias iam e vinham. Algumas eram ideias estranhas. Bom, ao menos não eram circulares. Para falar a verdade, Júlio era mesmo meio amassado. Ele não girava muito bem. Até o círculo particular se incomodava com o jeito em que ele girava. No círculo simulado ele não se encaixava e vira e mexe falava de coisas que só podiam ter vindo do círculo externo irreal. Para que o leitor me entenda melhor, mais do que girar em círculos, o Júlio rodopiava alternando a volúpia rodo ativa com certo degringolamento na própria rota: Um louco solto.

Uma das coisas mais perigosas que Júlio falava era que o último círculo estava mal etiquetado. Ele dizia que o último círculo não podia levar nunca a palavra irreal na etiqueta. Apenas círculo externo seria suficiente. Apenas pensar nesta ideia fazia os circulões (assim eram chamados os membros deste povo), como dizia, apenas pensar nesta ideia fazia os circulões mais velhos estremecerem na base. Como o leitor pode imaginar, uma estremecida neste povo não era o mais desejável já que um círculo poderia bater no outro, fazendo-o estremecer-se e podendo desencadear uma reação em cadeia.

Da última vez que isso tinha acontecido o desmoronamento, o tombo, a sensação de insegurança tinham invadido o povo ao ponto que – não podendo mais rejeitar as ideias – tiveram que se desfazer do circulão ousado. Como era que se chamava? Era um nome com ésse. Sofos? Saliente? Solidão? Salvador? É isso ai! O circulão aloprado chamava Salvador.

Salvador tinha a mania de mostrar que círculos, por mais enormes e velhos que fossem, nunca seriam linhas retas. Ele insistia que haviam outras formas igualmente válidas de construir um povo; triângulos, quadrados, pentágonos, etc. O problema estava com o caminho. Segundo Salvador, o essencial era reconhecer que o andar não podia estar limitado à reprodução da própria forma do povo. Ou seja, ele dizia que haviam outros povos no círculo externo irreal que alias, ele -que nem Júlio- insistia em tirar a palavra irreal da etiqueta. Estes povos tinham as formas mais variadas mas todas elas, assim como os circulões, insistiam em que o caminho a ser seguido tinha a própria forma do membro individual do povo apenas mudando em tamanho e – por consequência – em historicidade. Quando mais velho e maior, tanto melhor e seguro o caminho a ser seguido; isso contanto a forma fosse idêntica à do povo que o transitasse.

Salvador insistia em que a forma que o caminho assumia e o tempo transitado não eram um atestado de que o próprio caminho era certo. Por outro lado, estas coisas não tinham como competir com a relevância do destino a ser atingido nem muito menos com a aventura das descobertas que o próprio caminho poderia vir a oferecer.

O orgulho com que os circulões se gabavam de quão seguro era seu próprio caminho, quão elegante e suave era se comparado ao dos triangulões ou dos quadradões via-se gravemente ameaçado pelo sorriso meigo e simples de Salvador que – na sua aparente loucura – conseguia enxergar vida além do círculo externo irreal.

As pessoas que o ouviam falar, o faziam por meio do círculo simulado. Este era meio como que uma última linha de defesa para a pseudo realidade particular e a quase realidade interior. No círculo simulado, a realidade era antagônica à aceitação. As ideias eram expostas sempre e quando fossem circulares. Maiores, menores; com traços largos ou finos; mas circulares. Os mais ousados traziam ideias ovais que não passavam de círculos deformados. Passado o choque inicial, a ideia passava a ser considerada pois não se tratava de nada mais do que um círculo sob forte pressão ou qualquer eufemismo do tipo.

Salvador vinha e falava de triângulos, quadrados, hexágonos e outros polígonos como se eles também fossem formas válidas de vida. Mostrava aos circulões que tanto fossem triangulões, quadradões, ou circulões, o importante mesmo era escolher um outro caminho que não era a mesmice de sempre. Porém a coisa realmente pegava quando ele abandonava os polígonos e passava a falar dos poliedros. Onde já se viu ter três dimensões? Volume? É claro que ele fazia isso não apenas para chacoalhar as ideias dentro do círculo íntimo de cada circulão o que já de por si constituiria um objetivo bastante ousado. O propósito dele era mostrar que o importante era o caminho e não a forma de quem o transita.

Júlio se sentia de certa forma conectado com Salvador. Não que fossem contemporâneos. Nada disso. Havia uns dois mil anos de separação histórica. A coisa era mais profunda.
Júlio tinha nascido como qualquer outro circulão; ou seja: dois circulões complementares se uniam, mitigando as diferenças do círculo simulado e passando a constituir um novo círculo particular, abandonando – na medida do possível – os respectivos círculos particulares ao que tinham pertencido para formar um outro circulo melhor e maior na medida do possível ou pelo menos aparentar que assim era.

Bem, particularidades à parte, Júlio foi crescendo bastante bem. Aprendeu as habilidades de simular o pensamento, esconder a verdade, fugir das ideias que não fossem circulares, enfim, tudo aquilo que os mais antigos achavam essencial para o pequeno Júlio chegar com sucesso a participar do círculo simulado e evitar o mais possível o contato com o círculo externo irreal. A não ser, claro, aquelas vezes em que a necessidade o empurrasse para obter algum recurso com os triangulões ou os quadradões vizinhos.

O inferno isolacionista

hiper-conectadosEra uma vez um moço italiano chamado Guglielmo Marconi. Nascido em Bolonha, Itália em abril de 1874. Antes dele e até 1896, o telegrafo sem fios era impraticável se bem já tivéssemos cabos e o telefone já se mostrava viável desde 1849 com Antonio Meucci e 1876 com Graham Bell.

A verdade é que após Marconi ganhamos – como humanidade – uma certa liberdade e velocidade na comunicação que nunca tinha sido imaginada pelo homem comum. Em 1897 Nikola Tesla apresenta uns estudos que Marconi iria utilizar para em 1899 realizar a primeira transmissão pelo Canal da Mancha. Nunca mais seriamos os mesmos. São essas coisas que tem a humanidade: um invento a muda como um todo.

Depois veio o rádio, a televisão, o satélite, a internet, telefone sem fio e em algum momento demos um pulo substancial em termos computacionais e temos aplicativos fantásticos – desde o ponto de vista técnico – como Facebook, WhatsApp e outros que nos permitem de forma instantânea estar conectados com virtualmente qualquer ser humano.

Quando Marconi morreu em 1937, ele recebeu um funeral com honras de estado e à guisa de homenagem, todas as emissoras do mundo ficaram dois minutos em silêncio. Duvido que Jan Koum (inventor do WhatsApp) ou Mark Zuckerberg (inventor do Facebook) recebam semelhante honraria ou equivalente no momento da sua morte.


Vivemos no que gosto de chamar de um mundo hiper conectado. Se formos ver, não há necessidade real de estarmos tão conectados assim. Obvio que é bacana e muito prático. Eu mesmo uso tudo o que tenho ao alcance para me manter em contato com familiares, amigos, irmãos, clientes… Todavia, percebo que há gente que não consegue viver sem.

placa-decorativa-mdf-vintage-frases-nao-temos-wifi-fr048-D_NQ_NP_777503-MLB28050905517_082018-FEm alguns locais já é possível observar placas com os dizeres “Aqui não temos WiFi, conversem entre si”. Também há projetos de lei visando impedir o uso do celular em alguns locais públicos.

Não paramos mais para estarmos juntos e muito menos sozinhos. Assistimos um filme, mas cada qual com seu próprio celular, tablet, notebook… se ao menos fosse um livro.

Estamos pendente do tom que indica uma mensagem entrando, uma curtida, um sinal distante e – provavelmente – artificial de apoio mas dificilmente nos prendemos nas palavras da pessoa que está ao nosso lado. É um inferno. Cada um por si e a internet por todos nós.

O amor vai se esfriando, não por falta de contatos mas pelo excesso deles. É a mesma coisa que bebermos Coca-Cola para apagarmos a sede. Sede só se apaga com agua. O resto é ladainha. Assim tambên tentamos receber afeto, aceitação e apreço por meios artificiais e com laços afetivos duvidosos.

Postei esses dias só para provocar que as esmolas não deveriam de ser publicadas nas redes sociais. Isso porque percebi que há vários que postam o que fazem de bem ao próximo apenas para receberem a ovação dos seguidores da rede social de plantão. Obvio que estava parafraseando Jesus mas mesmo assim a reação não se fez esperar.


Moro num pais que fiz meu por adoção. Logo, meus parentes estão todos distantes. Obvio que os meios de comunicação modernos me permitem uma comunicação muito mais do que necessária.

Todavia, nada substitui o contato direto com minha mãe, pai, irmãs, tios e primos.


Vivemos um inferno isolacionista. Cada um no seu quadrado pretendendo estabelecer com o distante o que deveríamos estabelecer com o próximo. Comunicando sentimentos e ideias com quem podemos desligar se sua opinião nos é contrária.

É um simulacro de vida. Parece com a real, mas não é. Assim como teus rins irão à falência se apenas bebes refrigerante, assim também tua vida emocional vai para o buraco sem relações reais.

Como diz a letra de Tele-Fome de Jota-QuestNão adianta falar de amor ao telefone, isso é ilusão

Vote melhor: Não vote num messias.

Tempo de eleições se presta para a manifestação da mais pura das imbecilidades: A espera por um messias.

Antes que abandone a leitura, deixe-me lhe dizer que não estou com isto desacreditando do Messias Jesus ou alguma coisa parecida mas sim enfatizar que é tosco esperar por uma única pessoa que salve a nação. Se formos ver era isso mesmo o que se esperava de Jesus no seu tempo e os seus próprios discípulos não entenderam que se tratava de um outro tipo de Reino e não um sujeito ao padrão terreno. Neste sentido, até ele mesmo teve que ‘desconstruir’ a ideia de um Messias terreno.

Mas voltando no nosso assunto; independente se você polariza para esquerda ou para direita, no fundo, espera por um ‘Salvador da Pátria’. Alguém que vai botar ordem e progresso onde -aparentemente- só há desmando e atraso. Esta ideia de um ‘Salvador da Pátria’, se junta com a outra de ‘Isto só acontece no Brasil’. É mais ou menos um sentimento de inferioridade coletivo associado ao ‘complexo de Gabriela’: nascemos errado, logo sempre seremos errados. Duas falacias separadas apenas por uma vírgula.

Brasil não nasceu errado. E mesmo se tivesse nascido, não está por isso condenado a estar errado o resto da sua existência. O mesmo se aplica aos outros países das ex colônias hispano-portuguesas assim como às holandesas, britânicas, francesas.

Se o problema está na gênesis da nação, logo, apenas quem pudesse mudar esse inicio é que poderia mudar as coisas. Já se o problema está no coletivo inferiorizado, apenas alguém que pudesse mudar a identidade essencial do povo como um todo é que teria as chances necessárias para mudar a atual situação. É por isso que – ao meu ver – esperar por um messias (de esquerda, direita, centro) é tolice. Na realidade está mais para um auto-engano ou cândido desconhecimento que outra coisa.

Pode ser desconhecimento por se ignorar os procederes necessários a uma democracia, suas negociações intrínsecas, seus diálogos necessários. E não me refiro com isto ao aproveitamento sistemático da máquina democrática por assim dizê-lo. Me refiro a que -na mesa da democracia- o diálogo e a negociação são essenciais. Logo, ao esperar por um ‘Salvador da Pátria’ se espera em realidade por alguém que com pulso firme coloque as coisas no eixo. Sim, é verdade que as coisas estão fora de eixo. Sim, é verdade que o Estado tem sido tomado por assalto. E sim, é verdade que isso não acontece apenas na ‘Pátria amada’, acontece também na ‘Terra dos Livres’ assim como na ‘Pátria Livre’ das estepes siberianas. Todavia, nada disso justifica o sacrifico da democracia. Muito pelo contrario, é a atual situação a que clama por uma democracia forte. Talvez com revisões, mas mais forte. Talvez uma democracia mais chegada ao povo comum, ao empresário local, ao dono de casa, à chefe de família, mas democracia no fim das contas.

Pode ser auto-engano. Mas não qualquer coisa, um auto-engano bem orquestrado com intervenção de um forte viés de negação da própria realidade. Um engodo de tal tamanho que nos parece ser real. Por exemplo, é bem provável que lhe falte coragem para fazer as mudanças na sua vida pessoal que lhe levaria a trilhar um caminho diferente (não necessariamente melhor, isso o tempo vai dizer). Faltando essa coragem no âmbito pessoal, é de se entender a necessidade de um ‘Salvador da Pátria’. É uma simples inversão da ideia de que ‘a culpa é dos outros’ ao colocar ‘a responsabilidade em apenas um’. Pensa-se que se há um único homem com responsabilidade e valor suficientes, as coisas vão se encaixar. Se adiciona a isso o lance do ‘caráter’… fulano é integro. Na verdade você não faz ideia do caráter do fulano, apenas precisa acreditar em alguma imagem que a mídia ou o marketing vendem, isso se junta com sua inabilidade no mundo democrático, se soma à letargia e pronto, temos a receita pronta para um ‘Homem de Deus’ (de esquerda, direita ou centro) que vai salvar o mundo.

Veja se isso não se repete nos filmes que assiste, nos times de futebol, no banco da sua escolha, na escola que escolhe para os seus filhos…. sempre há a ideia de que um único lance, um único jogador, um único mocinho, uma única peça vai solucionar o todo quando o o todo é -por natureza- caótico.

Então que rumo tomar? Se não há messias, se o simples fato de associar as soluções dos problemas à escolha correta ou errada de uma única pessoa já está errada, o que fazer? Como atacar o caos com uma única bala? Porque eu não sei se reparou, mas você sim tem uma única bala (marcada) a cada quatro anos e o caos é enorme. Como um simples votante pode pôr isso tudo ao vento e arejar a coisa de vez?

Voto em branco ou nulo é suicídio. É jogar à roleta russa com o pais. É uma irresponsabilidade tamanho casa pois o que conta é o total de votos válidos. Logo, para alguém responsável é uma opção inviável.

Perguntar ao seu xamã, pajé, pastor, padre, agiota, em quem vai votar, é mais tolo ainda, já que o cara não tem uma bolinha de cristal para saber o certo ou errado. Ele está tão confuso, angustiado e cansado como você.

Colocar todos os candidatos numa sacola e sortear é melhor do que a pergunta porque pelo menos não passa vergonha. É menos irresponsável porque pelo menos é a ‘sorte’ a que decide. Mas serve apenas como ponto de partida, para as próximas eleições você vai ter que voltar às raízes.

Me explico: Para mim a solução não passa por um messias ou uma consulta aos seus iguais ou um sorteio. A solução para o caos é adicionar caos à equação e para isso é necessário voltar à raiz da democracia. Não há necessidade de novas leis nem nada. Apenas saber o seguinte: Quando Solon -pai da democracia- inventou esse lance do povo ter o poder, o fez sobre bases representativas e -olha só- um candidato eleio podia ocupar um determinado posto apenas uma única vez na vida. Olha que beleza, quando este homem inventou o lance, conhecia muito bem a natureza humana e sabia que ia dar errado. Por isso, colocou o melhor contrapeso já inventado: você só pode ser guardião do templo da Deusa X por cinco anos uma única vez na vida. Pronto… Seja bom ou ruim, em cinco anos sai e parte para outra.

Obvio que não dá para mudar as leis de um pais para se atentar a isso. Vão surgir um monte de pseudo-defensores da democracia dizendo que se o povo quer o fulano de novo no poder, porque não colocá-lo. Mas a minha proposta é: Nunca vote na mesma pessoa duas vezes para o mesmo cargo. Parece tolo mas pense um momento comigo: as coisas estão como estão porque nós -o povo- as colocamos assim. (Obvio que uma boa teoria da conspiração acalma a consciência) As pessoas (e em especial certas empresas disfarçadas de partidos políticos) se perpetuam na teta da mãe pátria, apenas porque nós -o povo- os mantemos lá. Ai o que acontece se os candidatos não se elegem? a própria pseudo-empresa vai ter que achar outros candidatos pra preencher a vaga. Aos olhos deles, a culpa não é do povo que pensou por conta própria (ao final das contas, eles entendem que o povo não pensa pois se pensassem não teriam sobrevida) e sim do candidato. Isso vai levar a um desarranjo institucional interno e criar as condições para que um candidato mais apto (leia-se: com melhor capacidade de engano) surja e seja posto. Até lá, quem entrou no poder (Senado, Deputados, Presidencia, Camara dos Comuns, Sociedade de Futebol de Chapinha) vai -por uma questão de pura vaidade- tentar mostrar serviço. Para a próxima rodada, ele pode que seja ou não re-eleito -isso não interessa ao método proposto- mas o sistema como um todo melhora porque não há mais certeza sobre a manutenção da situação já que o povo pensa e usa a única bala que tem para matar o parasita e permitir que algum raio de luz ilumine a pilha de esterco na que nos metemos.

Você celebra a páscoa?

Há muitos cristãos que acreditam piamente que o que se encerra hoje é a celebração da páscoa.

É verdade que a comemoração dos judeus é verdadeiramente a páscoa. Está certo em celebrarmos a data deles? Sim, se você conseguisse celebrar o Ramadã morando ou estando sob influencia muçulmana, a resposta é sim. Ou seja, não é uma festa de origem cristã, ela em si mesma não lhe diz à cristandade. Portanto, não é uma festa nossa assim como não o é o Natal que é uma apropriação da festa pagã do “Sol Invictus” do tempo dos romanos. (Mais sobre isso aqui)

Porém, ficando claro que é uma festa que não é da nossa origem, uma segunda análise nos leva exatamente na direção contrária. O que se celebrava na páscoa? A liberação que havia de vir ainda. Ou seja, naqueles dias da primeira páscoa se escolhia e preparava o cordeiro durante os dias anteriores. Por quatro dias, ele era preservado e todos na casa sabiam o que estava se preparando. Imagino que a sensação deveria ser similar à que sentimos perto do Natal no mundo cristão ou do Ramadã no mundo muçulmano. Ou seja, grande e aberta expectativa.

No final do quarto dia, ele era abatido (Ex12:6). Lembro meu vó abatendo um carneiro. Eles morrem em silêncio. Em todas as casas haveria um certo silêncio naquela mesma hora. Talvez um certo murmurio suave e um tanto solene enquanto se explica aos mais novos o que está acontecendo e como isso é uma preparação do que haveria de vir.

Parte desse sangue serviria para marcar o batente da porta. Num claro sinal público de comprometimento pela fé no que haveria de acontecer. (Ex12:7)

Depois começaria a outra parte da celebração. O churrasco (Ex12:8), o jantar. Quem nunca comeu ou comeu e não gostou não tem noção de como é gostoso um churrasco de carne de carneiro (meio adocicada) acompanhada com ervas amargas. É uma delicia ao palato. Quem nunca esteve numa churrascaria gaucha de verdade (não as imitações paulistas) não sabe o como é gostoso comer não apenas a carne, mas também todas as outras partes do animal. Uma verdadeira festa de sabores.

Comento estes detalhes culinários apenas para trazer à tona um fato que geralmente não associamos com as celebrações religiosas judaicas: São uma baita festa. Os povos semíticos são povos expressivos e as celebrações tem música, dança e, claro, por ser uma festa judia iniciada em solo egípcio, tinha cerveja e da boa não das feitas com arroz e/ou cereais não maltados, eles usavam a melhor cevada disponível na região. Ao final das contas a saúde de adultos e infantes dependia disso. (Veja mais aqui)

Assim como a entrega dos dízimos, a festa das colheitas e tantas outras, a celebração da páscoa era exatamente isso, uma grande e ousada festa. Temos o costume infernal de solenizar tudo. Talvez pela herança dos conquistadores, talvez por achar que existe alguma diferença entre o sagrado e o criado, ou talvez por não nos sentirmos relaxados de fato na presença do Criador, quem sabe?

O cheiro do churrasco na brasa no ar, a noite caindo e as sensações se juntando. Havia expectativa, ansiedade, alegria e tristeza. Tudo junto. Mais ou menos como a morte do único parente rico e muito bem querido e respeitado em uma família pobre. Os sentimentos se misturam, não tem jeito.

Havia expectativa por ser a primeira vez que iria a acontecer o que estava por acontecer. Tristeza porque iam deixar tudo o que tinham conhecido como realidade nos últimos quatrocentos e trinta anos. Alegria, porque ao fim seriam libertos e ansiedade porque o que estava por acontecer, se escapava da mão deles.

A festa era de cunho divino no sentido que tinha sido uma idealização de YHWH transmitida a Moisés. A própria celebração era realizada com componentes culturais próprios. A abrangência do sacrifício era para todos os escolhidos e apenas para eles (Ex12:3,45). A participação era -como todas as celebrações do antigo testamento- pela fé já que a pessoa poderia se abster de crer e deixar de pintar o batente da porta, por exemplo. A realização prática era na família e, se ela for pequena, junto com a família do vizinho numa demonstração particular de fé comunitária.

Então a noite foi ficando escura. Algumas músicas foram parando. Algumas risadas diminuindo. Após a meia noite (Ex12:29) os primeiros gritos foram se ouvindo. As primeiras frases de arrependimento ditas em pranto foram sendo ouvidas. Em todas as casas onde a marca de sangue no batente da porta não tinha sido feita, o anjo do Senhor entrou e matou o filho mais velho não apenas das pessoas, mas dos animais. Em todas as casas no Egito havia um filho morto (Ex.12:30)

Nessa mesma madrugada, o Egito manda os judeus – sua grande e barata mão de obra – ao deserto. A liberação que uns poucos esperavam, pela qual muitos clamavam, mas que de fato a maioria não desejava que se concretiza-se estava sendo finalmente realizada. (Ex.12:31-33)

Deus era fiel ao seu próprio plano. Deus não tinha esquecido da sua promessa. Deus não tinha abandonado seu povo como muitos achavam. Deus, continuava sendo O Soberano. A fé não era mais necessária pois estava claro até para o mais obstinado descrente que Deus era quem mandava no pedaço. Não se tratava mais de crer que um dia a salvação chegaria, era obvio e manifesto que o lance estava acontecendo ali e nesse momento.

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Uns 1400 anos depois um outro cordeiro morreria. Um judeu de origem humilde. Um carpinteiro de profissão. Ele falava que a salvação da qual muitos falavam, poucos acreditavam e menos pessoas ainda esperavam de fato que se concretiza-se, dependia dele. Especificamente da morte dele.

A morte de Jesus o Cristo se dá justamente na celebração da páscoa. Ele morre e aqueles que ouvem hoje sua mensagem e depositam a fé nele (pois pode-se ouvir, entender, concordar mas não se render) são salvos. A ressurreição dele (que celebramos todo domingo) apenas nos lembra de que ele prometeu voltar da morte e também prometeu um dia vir buscar os seus. Logo, se se mostrou poderoso para cumprir a primeira promessa (muito mais difícil de cumprir do que a segunda por se tratar dele mesmo) é capaz de cumprir a segunda.

Então, meu querido, que páscoa você celebra? A dos ovinhos de chocolate e das frases feitas? A de evitar comer certos tipos de comida? A do recolhimento vazio? A do tempo do Êxodo? O apostolo Paulo tem uma frase muito linda sobre este momento.

O orgulho de vocês não é bom. Vocês não sabem que um pouco de fermento faz toda a massa ficar fermentada?
Livrem-se do fermento velho, para que sejam massa nova e sem fermento, como realmente são. Pois Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado.
Por isso, celebremos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da perversidade, mas com os pães sem fermento da sinceridade e da verdade.
1 Coríntios 5:6-8

Então não se trata de celebrarmos a festa judaica ou a europeia. Se trata de celebrarmos a morte e ressurreição do amado. Mas não uma celebração como evento isolado da vida. Está mais para uma celebração por causa da nova vida que nele temos.

Que presente dar?

Época natalina se presta para sorrir, desejar uma vida melhor e dar presentes.

É claro que a data não tem como coincidir com o nascimento de Jesus de fato, é o solstício de inverno no hemisfério norte (21/dez) e coincide com a festa pagã do Dies Natalis Solis Invicti  ou o nascimento do sol não conquistado, invicto. Mas isso não interessa agora até porque não vamos mudar a realidade de que no mundo “cristianizado” celebramos natal no 25 de dezembro e ponto.

O fato é que surge a pergunta: Que presente comprar? Que presente dar?

Há aqueles que tem uma tendência de comprar uma coisa cara, como se o valor do presente refletisse – de alguma forma – o valor dado à pessoa numa salada de valores e não-valores capaz de deixar qualquer um louco.

Há os outros que por incapacidade de decidir, não conseguem dar presentes e para piorar criticam e condenam quem assim o faz.

E tem aqueles outros que dão coisas que eles mesmos gostariam de receber numa total prática pseudo amorosa de hedonismo não confessado.

A prova de que não sabemos presentear é o cartão de crédito.

Primeiro, quem amamos não precisa presente (não pare de ler, por favor, não desanime…rs) Ou seja, as pessoas que amamos e que nos amam (pois não há amor em apenas um sentido) não precisam de presente para manter a amizade. Então o cartão de crédito -se usado neste caso- deve ser com mesura de outra forma, meses ao fio lembraremos da inutilidade de ter comprado um presente caro para quem já temos no coração.

Segundo, aquele que não se ama não requer presente. Não é um presente caro ou um elogio que vão conquistar o coração do chefe ou a aprovação do cônjuge.  Isso porque quando damos um presente além das forças, todo mundo sabe que estamos mendigando alguma coisa, de outro jeito há um monte de coisas que requerem da nossa atenção. Então, nada de entrar em dividas para agradar um fulano que não se agrada de você.

Tá, então não damos presentes?

Faça como quiser, seja livre, mas se for dar um presente, dê apenas porque gosta, ama e conhece a pessoa. Nada mais lindo que receber aquele carinho – que pode ou não ser materializado – da pessoa amada. Vale mais tomar café junto com o amigo várias vezes durante o ano do que não ter dinheiro nem para o café por ter dado aquele presente caro completamente à toa.

Presentes apenas mostram o quando conhecemos a pessoa que irá receber-lo e serão completamente inúteis para quem não gosta da gente.

Dê a si próprio. Conce-da-se ao outro. Gaste tempo com quem ama. Perdoe. Viva livre. Ame. Não é esse por acaso o exemplo de Jesus o Rei?

MANIFESTO DOS BATISTAS BRASILEIROS SOBRE A OPERAÇÃO LAVA JATO

A liderança da Convenção Batista Brasileira (CBB) , se pronunciou recentemente através de um manifesto que será enviado às autoridades brasileiras sobre a Operação Lava Jato e a corrupção que assola nosso país.

O texto que segue é reprodução fiel do original:

Rio de Janeiro, 15 de abril de 2015.

Assunto: MANIFESTO REFERENTE À OPERAÇÃO “LAVA JATO”.

“Como é feliz a nação que tem o Senhor como Deus, o povo que ele escolheu para lhe pertencer!” Salmos 33:12

DA CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA
AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

COM CÓPIAS PARA:
PRESIDÊNCIA DO SENADO FEDERAL
PRESIDÊNCIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.
PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LÍDERES DAS BANCADAS EVANGÉLICAS DAS DUAS CASAS LEGISLATIVAS.
DIRETOR DA POLÍCIA FEDERAL
ORDEM DOS PASTORES BATISTAS DO BRASIL

A CONVENÇÃO BATISTA BRASILEIRA (CBB), representando os mais de três milhões de Batistas brasileiros e congregados, atuando atualmente em todo o território nacional há mais de 130 (cento e trinta) anos, através de seu Conselho Geral, vem muito respeitosamente, por seu presidente, manifestar seu sentimento em relação às inquietantes questões relacionadas ao interesse público, no que tange aos aspectos éticos e morais confrontantes com nossos princípios e valores emanados da palavra que temos por regra de fé e prática, a Bíblia Sagrada.

O presente cenário, além de ferir nosso senso de dignidade e respeito ao cidadão brasileiro, despreza também os princípios consagrados por nosso arcabouço jurídico, como: legalidade, moralidade, eficiência, dentre outros.

Acompanhando às ações e iniciativas de combate efetivo à corrupção, especialmente em relação à operação chamada “LAVA JATO”, envolvendo agentes públicos e privados, bem como a apresentação de proposta de anteprojetos de lei pelo Ministério Público Federal, que visam agilizar, efetivamente, o combate à corrupção, materializada através das medidas que seguem:

“agilizar a tramitação das ações de improbidade administrativa e das ações criminais; instituir o teste de integridade para agentes públicos; criminalizar o enriquecimento ilícito; aumentar as penas para corrupção de altos valores; responsabilizar partidos políticos e criminalizar a prática do caixa 2; revisar o sistema recursal e as hipóteses de cabimento de habeas corpus; alterar o sistema de prescrição; instituir outras ferramentas para recuperação do dinheiro desviado. ” (fonte: www. combateacorrupcao. mpf. mp. br/10-medidas)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou as propostas acima elencadas e, diante da coerência e relevância social das mesmas, manifestamos nosso inteiro apoio a estas medidas emanadas dos valorosos guardiões da Lei e do bem-estar coletivo. Reiteramos que, por entender que as referidas propostas de anteprojeto representam os mais legítimos anseios do povo brasileiro, apresentamos nossos cumprimentos aos ilustres membros do MPF.

Respeitando e valorizando o importante trabalho das autoridades que agem com dignidade e respeito à investidura a elas confiadas e deste mui digno MPF, desejosos de continuar trabalhando pelo bem-estar de nossa comunidade e do nosso país, colocamo-nos ao seu inteiro dispor para iniciativas de apoio que se façam necessárias.

Na expectativa que o presente manifesto receba de Vossas Excelências a devida atenção e registro, com conseqüente leitura nos colegiados correspondentes.

Com nossas orações,

Pr.Vanderlei Batista Marins

O original pode ser localizado no seguinte endereço: http://goo.gl/qn3mGY

Faltam lideres, caramba!

Março 2015 – Visões comparadas sobre Liderança
29-março-2015. Esteban D.Dortta, Pr.

Miqueias, Lucas 10:12

Introdução: Liderança é uma daquelas palavras que não é fácil de ser definida. Ou seja, todos nós achamos que sabemos o que é liderança, líder, liderados, mas na hora de colocar no papel, esbarramos com um monte de conceitos que não sempre representam aquilo que o nosso próximo pensa sobre o assunto. Por exemplo, alguns definem liderança como “a arte de comandar pessoas, atraindo seguidores e influenciando de forma positiva mentalidades e comportamentos.” outros ficam com uma tentativa de expressão tão sucinta e reduzida que se limitam a enumerar sinônimos como o dicionario priberam: “Comando, direção, hegemonia” e também há quem diga que liderança “É a habilidade de influenciar pessoas para trabalharem entusiasticamente visando atingir aos objetivos identificados como sendo para o bem comum.

Independente da definição que adotemos, mais ou menos todos nós entendemos que um líder é quem leva outros para um objetivo, independente de se o objetivo é bom ou ruim. Pelo fim obtido (que não necessariamente é o fim expresso pelo líder) pode se determinar se um líder é bom ou não. Assim, podemos citar Martin Luther King que reuniu milhares de pessoas numa manifestação pelo fim do preconceito e a discriminação racial pronunciando um dos discursos mais conhecidos da história recente: Eu tenho um sonho. Ou Mahatma Gahandi por exemplo que incorporou os princípios da revolução pacífica promovendo grandes mudanças não só na india como na Inglaterra, a commonwealth e por extensão o mundo todo.

O que você me diria de uma pessoa que reverteu os efeitos de uma guerra devastadora no seu país associados a um grande declínio financeiro mundial, acabando com o desemprego, elevando o PIB em 22%, desenvolvendo a industria e malha viária a patamares nunca vistos; tudo isso em quase quatro anos e sem inflação?

Este homem não só eliminou o emprego (cumprindo assim suas promessas de campanha) senão que manteve o homem do campo no campo – em tempos em que a ideia era exatamente a contraria – e aumentou a produção industrial a níveis tão por cima do padrão que ao final de quatro anos de mandato havia falta de mão de obra. Os efeitos destes quatro anos foram tão bem solidificados que 10 anos depois da subida dele ao poder, o ganho médio do trabalhador havia aumentado em 15% isso sem levar em conta a melhoras na paga por hora extra.

Fora as melhoras financeiras, ele trouxe para seu povo uma melhora generalizada na qualidade de vida promovendo a mobilidade social expandindo grandemente programas de treinamento vocacional e oferecendo incentivos generosos para um maior avanço de trabalhadores qualificados. Não só a paga melhorou, como notáveis melhorias nas condições de trabalho, na saúde, segurança, investimento nos esportes, nas artes em geral e turismo.

(http://inacreditavel.com.br/wp/como-hitler-enfrentou-o-desemprego/)

Já sabe de quem estamos falando?

Isso tudo pavimentou o caminho para que a Alemanha nazista de Adolf Hitler nos levasse a uma das maiores catástrofes mundiais da que se tem memória em que uma das nações mais cultas e – por conta das melhorias antes mencionadas – mais ricas e bem abastadas no final dos anos 1930 se achasse no livre direito de pisar a liberdade alheia.

Quero ilustrar com isto que há lideres em tudo quanto é lugar com os mais variados propósitos e com os mais diversos resultados. Pessoas cultas de dentro e fora da Alemanha se deixaram seduzir por um líder encantador que evocava sonhos de grandeza ao passo que não escondia seus pontos de vista que por sua vez achavam eco no povo germânico. É por isso que nesse caso bem claro da história, lideres e liderados são responsáveis pelas suas escolhas e o resultado dos seus atos.

Há na nossa sociedade uma visão distorcida de que uma liderança só é boa se produz bons, volumosos e visíveis resultados imediatos. Por outro lado, e como contrapartida, vejo que para muitas pessoas não interessa muito se os meios são estranhos ou pouco claros contanto o fim perseguido seja louvável. Isso se aplica tanto à vida social, politica, eclesiástica, empresarial. Como se isso fosse pouco, levamos como sociedade a separação entre vida civil e vida espiritual tão longe que não entendemos por que algumas coisas simplesmente não funcionam.

Se (e preciso frisar esse ‘Se’) Se e tão somente se, acreditamos no que Jesus acredita sobre a Igreja de que é sal e luz para a sociedade, precisamos voltar às bases para trilharmos um caminho diferente.

Proponho então uma leitura rápida do livro de Miqueias. Ele inicia falando de tres reis: Jotão, Acaz e Eszequias:

I) Três Reis, Três sociedades

Estamos na época do reino dividido. Dez tribos ao norte (Israel) e duas ao sul (Judá). Há três reis de Judá que Miqueias menciona: Jotão, Acaz e Ezequias. Ver de uma só vez a vida desses três lideres me parece de suma importância, já que há uma relação direta entre a vida pessoal do líder e as consequências no seu reinado.

A) Jotão. (2Cro.27; 2Reis 15:32-38) Em 777 A.C. ele herda um reino sobre trilhos. Uzias, seu pai, tinha conseguido uma expansão territorial, econômica, cultural e religiosa como nunca antes se tinha visto no reino do sul. Pode se dizer que havia paz e estabilidade. Seu reino havia durado 52 anos e é quando ele morre que Isaias 6:1 recolhe a frase “O ano em que morreu o rei Uzias” como inicio de um lamento pelas dúvidas sobre o futuro da nação … Enfim, Jotão herdou um reino estabilizado. Ele construiu algumas cidades, fortes, torres e reconstruiu a porta norte do tempo de Salomão. As duas frases que mais me chamam a atenção do reinado dele são as seguintes: “Ele fez tudo o que o SENHOR aprova, tal como seu pai, mas ao contrário deste, não entrou no templo do SENHOR” e “O povo, contudo, prosseguiu em suas práticas corruptas”. Claro, para os amantes das frases formulísticas tem a clássica: “Jotão tornou-se cada vez mais poderoso, pois andava firmemente segundo a vontade do SENHOR, o seu Deus

B) Acaz. (2Cro.28; 2Reis 16). Filho de Jotão e neto de Uzias, herda um reino de paz estável (52 anos de Uzias mais 16 anos de Jotão) mas não aprendeu nem com o pai nem com o avô nem com o seu antepassado Davi a servir o Senhor. Durante os dezesseis anos que durou seu reinado só fez tolice.

O texto bíblico registra que “Ao contrário de Davi, seu predecessor, não fez o que o Senhor aprova. Ele andou nos caminhos dos reis de Israel e fez ídolos de metal para adorar os baalins. Queimou sacrifícios no vale de Ben-Hinom e chegou até a queimar seus filhos em sacrifício, imitando os costumes detestáveis das nações que o Senhor havia expulsado de diante dos israelitas. Também ofereceu sacrifícios e queimou incenso nos altares idólatras, no alto das colinas e debaixo de toda árvore frondosa” (2Cro.28:1-4) A insensatez de Acaz, trouxe o abandono por parte de Deus. Parece que enquanto a liderança ainda buscava ao Senhor, ele ainda permanecia perto. Mas quando mais ninguém quer estar com Deus, ele também abandona seu próprio povo: “Por isso o Senhor, o seu Deus, entregou-o nas mãos do rei da Síria. Os arameus o derrotaram, fizeram muitos prisioneiros entre o seu povo e os levaram para Damasco. Israel também lhe infligiu grande derrota.” (2Cro.28:5). Voltarei sobre isso sobre o final desta explanação.

As coisas poderiam ter parado por ai, mas “Acaz apanhou algumas coisas do templo do Senhor, do palácio real e dos líderes e ofereceu-as ao rei da Assíria, mas isso não adiantou. Mesmo nessa época em que passou por tantas dificuldades, o rei Acaz tornou-se ainda mais infiel ao Senhor.” (2Cro.28:21-22) Ler 2Reis 16:10-12 (Construção de um altar em substituição ao que o Senhor tinha instruído a construir)

C) Ezequias. Filho de Acaz, Neto de Jotão. Ele herda um reino devastado pela guerra que o inconsequente do seu pai tinha provocado com seu pecado. Obviamente que não era o filho mais velho de Acaz pois esse tinha sido queimado em sacrifício a um deus pagão. Provavelmente tinha conhecido seu avô Jotão. Dele assim como do seu avô temos o nome da mãe o que me faz supor que haviam mulheres sábias e prudentes por trás destes grandes homens.

O resumo da vida de Ezequias é simples: “Ele fez o que o Senhor aprova, tal como tinha feito Davi, seu predecessor.” (2Cro.29:2) Diferentemente do seu avô Jotão, não há um “porém” depois do resumo.

Era o que chamaríamos hoje de um líder pró-ativo. “No primeiro mês do primeiro ano de seu reinado, ele reabriu as portas do templo do Senhor e as consertou. Convocou os sacerdotes e os levitas, reuniu-os na praça que fica no lado leste e disse: “Escutem-me, levitas! Consagrem-se agora e consagrem o templo do Senhor, o Deus dos seus antepassados. Retirem tudo o que é impuro do santuário. Nossos pais foram infiéis; fizeram o que o Senhor, o nosso Deus, reprova e o abandonaram. Desviaram o rosto do local da habitação do Senhor e deram-lhe as costas …” (2Cro. 29:3-6)

Ele se destaca porque não só promove a reinstituição da páscoa como também procura a comunhão com o resto da casa de Israel. O texto está cheio de ricos detalhes que nos provocam à ousadia e à liberalidade espiritual.

No mais amplo sentido teológico da palavra eleição, estes três faziam parte da escolha que Deus tinha feito em Davi. Os três são da casa real de Davi e herdeiros diretos da promessa dada a ele em que não ia faltar herdeiro seu que ocupasse o trono. Menciono isto porque no contexto de liderança em que estamos falando, é esta ( a liderança ) o último bastião. O povo com facilidade ia atrás dos deuses da própria terra. Se deixavam seduzir e se vendiam por qualquer coisa. Caída a liderança, não restava mais nada. Porém, como mencionei, voltarei sobre isto sobre o final da exposição.

Vale por enquanto dizer que há um relacionamento íntimo entre liderança e liderados que se aplica às democracias, regimes autoritários, igrejas, ditaduras, família, fila de supermercado…

Mas qual é a relação entre liderança e liderados? Quais os princípios que regem esta tensão? Pode existir uma liderança extremamente saudável em um povo completamente corrupto? Há liderados emocionalmente e/ou espiritualmente doentes que possam escolher uma liderança justa, compassiva, ética?

II) A decadência dos lideres denuncia a falência moral e espiritual dos liderados.

A) Tem um refrão espanhol que diz: “A falta de pan buenas son las tortas

(http://cvc.cervantes.es/lengua/refranero/ficha.aspx?Par=58064&Lng=0)

Que poderíamos traduzir assim: “Na ausência de pão, a gente se contenta com bolo de fubá”

Temos a tendência social de nos contentar com lideres de pouca monta. Na realidade, parece que é uma tendência da nossa cultura, procurar alguém que saibamos (ou suspeitemos) que tem o teto de vidro, comprometidos, corruptos ou que ainda está sendo processados pela justiça. Me parece que dessa forma, talvez inconscientemente imaginamos que ele não nos pode cobrar coisa nenhuma. Desse jeito, enquanto uns fazem de conta que lideram, outros se fazem de liderados e juntos acabam com a nação, a escola, a família, a igreja, o que for …

B) Por outro lado e como uma certa consequência do exposto no ponto anterior, os candidatos a serem líderes também vêm em apresentações de moral cada vez mais rala, com passados cada vez mais pesados e a roubalheira (monetária, moral, espiritual) se torna cada vez pior. Não que não hajam líderes sadios mas tal vez por conta dessa saúde, não lhes convida sujar-se com esta ou tal outra situação. Por conta disso, quem é bom, não entra no jogo e quem é mais ou menos acaba por se enredar no jogo da vida. Isso se aplica à vida política, às grandes igrejas como instituições, ao moço que gostaria de estabelecer uma relação com a “filha de fulano” mas que a falta de índole da família vai lhe comprometer a prole e por ai vai…

C) O resultado do relacionamento conspícuo entre um liderado que não quer escolher um líder mais elevado por medo a ser cobrado e um líder que não tem como oferecer coisa melhor porque corre o risco de não ser escolhido, temos um povo que não tem mais senso de destino nem desejo integro de melhora. Quando fala, o liderado aparenta que quer uma certa coisa boa, mas como este discurso é vazio de poder (por se encontrar ancorado em uma vida imprópria e terrena e não nos valores eternos do reino) só consegue se queixar e murmurar. É por isso que na hora do vamos ver, escolhe deputado desonesto, pastor cafajeste, juiz sem-vergonha, marido promiscuo, mulher mentirosa.

D) Aos poucos e quase sem perceber, as sociedades vão se corrompendo. É que nem a história do sapo: quando colocado em uma panela com água quente, ele pula na hora, mas se colocado em uma panela com água à temperatura ambiente e o fogo é acesso, ele morre escaldado sem perceber. Vamos para o bueiro de pouco em pouco cantando vitória, fazendo de conta que reclamamos e dizendo “Está tudo bem, o que é que tem? Todo o mundo rouba, porque eu não?”.

O que fazer então? Como sonhar com uma família melhor, uma igreja mais ousada, um estado mais transparente uma vida mais saudável se esta tensão parece não de desfazer? Lá se vão 20, 40, 60, 80 anos de história recente conhecida de forma direta e indireta pelo nosso povo, mas é sempre a mesma coisa. Tem jeito de melhorar?

III) Assim como a liderança se perde aos poucos, também ela se constrói aos poucos.

A) Sou portador de más notícias: Não há soluções mágicas nem rápidas. Acho que todos nós, em especial o povo evangélico, gostaria de solucionar isso com uma oração de domingo à noite. Uma “oração forte” como o povo costuma dizer. Como muito com uma campanha ou um jejum de 39 dias, uma ida ao monte, enfim, uma solução mágica. Terceirizar a responsabilidade é mais do mesmo. Ou seja, se acreditamos piamente que por orar as coisas vão melhorar e oramos, já cumprimos e “nossa parte”, logo – se as coisas não funcionam – a culpa é da “outra parte”, ou seja, de Deus.

B) Estamos onde estamos por causa das nossas decisões. Temos o conjugue que temos por conta das nossas decisões. Estamos na igreja que estamos e temos o pastor que temos, por conta dos nossos desejos supridos. Usufruímos do presidente, governador, senadores, deputados e juízes que temos, por conta dos nossos silêncios, palavras, atitudes, faltas de atitudes, votos ou não votos da nossa prática democrática que começa na mesa de casa com nossos filhos, amigos e parentes.

C) Não podemos almejar coisas melhores se o discurso é infernal. Ou seja, se falamos uma coisa e fazemos outra. Se escrevemos com a mão e apagamos com o cotovelo. Assim como o melhor conselho para ir à luta é saber não só o tamanho, as habilidades o poder e a disposição de guerra do inimigo, como também conhecer a si mesmo; é mister que reconheçamos o papo infernal quando sai da nossa boca. Papo infernal, é aquele que não é uma posição de fé, de expressão de coisas a serem construídas, de reconhecimento das limitações circunstanciais ou existenciais. O papo infernal é aquele queixume constante sobre a situação sem nada contribuir para a construção do novo. O papo infernal, é o que desconhece o poder do Cristo para construir – a partir da palavra dita – coisas novas. O papo infernal, é aquele treinamento neurolinguístico ao que submetemos nossos filhos, membros de igreja, correligionários de partido político, colegas de serviço e sócios desconstruindo sistematicamente com palavras as ânsias de vida que brotam de qualquer ser criado à imagem e semelhança de Deus garantindo assim que a próxima geração encontrará maiores dificuldades que as nossas perante os mesmos problemas.

D) Se um líder nasce ou se faz não sei. Se é uma arte ou uma ciência, também não sei. Só sei que líderes não brotam do nada nem florescem no vácuo. Esperar por uma solução mágica ou imediata para a desgraça espiritual e a decadência moral é um processo abortivo de resultados garantidos. É – como diz o bolero – “ter perdido o medo à dor, é lutar contra nada na manhã”. A teologia triunfalista não se distingue do pensamento positivo pois ambas duas acham que a partir da minha atitude pessoal as coisas mudam. O certo é que a palavra do Senhor quando pronunciada por sua Assembleia coloca ordem na criação. Ou seja, a identificação do ser humano com a verdade eterna do Deus vivo nos seus pensamentos, conduta, desejos, ações, torna viva e palpável a palavra do criador e por conta disso a ordem entra no caos. A paz é disseminada. A transparência é vista como coisa boa e em resumo, o Reino de Deus interfere na terra que jaz no maligno.

Isso quer dizer que na hora em que falamos com nossos filhos, conjugues, colegas, correligionários e utilizamos essa bagagem espiritual de forma espontânea, nos transformamos em construidores da nova realidade divina.

Assim como a pergunta do soldado para Paulo e Silas ecoa pela história dizendo “Que devo fazer para ser salvo?” assim deve estar fervilhando em seu coração hoje “Que posso fazer pela nossa situação?”

IV) A Igreja presença salvadora de Deus em cada canto.

Novamente, não há soluções mágicas nem rezas miraculosas. A única a ser feita, é o plano original de Deus: que a palavra dele saia e se espalhe pela sociedade.

A) Repare na vida de Odede: 2Cro.28:9-11. Ele estava no lado ruim da história. Sua nação (Israel) tinha se convertido à idolatria. Desde o rei até o mais simples dos súditos estavam entregues a qualquer forma de idolatria e não se importavam em servir a Deus. Quando Peca, rei de Israel vá lutar contra Acaz, rei de Judá, e o vence trazendo 200.000 prisioneiros, é Odede que se interpõe. Com que o faz? Lanças? Espadas? Monta algum tipo de protesto público? Faz uma paralisação? Não. Mesmo sendo esses mecanismos que dependendo da situação podem e devem ser usados, Odede conhecia outra ferramenta: A palavra de Deus dita. Humanamente ele estava fazendo a coisa errada na hora errada no local errado.

B) Assim como Igreja não são as quatro paredes do local de reunião, falar a palavra de Deus não é ficar recitando o pai nosso ou os salmos ou os provérbios dia após dia tornando-se um chato social. Odede pôde falar as palavras que eram necessárias, por estar vendo a realidade desde um outro ponto de vista; por estar em harmonia com o principio criador (ou anti caos) de Deus. Falar a palavra de Deus é mais uma vida em prol dos princípios de Deus que ter uma conduta intachável dentro desses princípios. É mais uma luta constante por exaltar a ordem de Deus contraria ao caos circundante – que é louvado pela esmagadora maioria da sociedade em que se vive – do que ser exemplo constante de ordem e estabilidade. Falar a palavra de Deus é imitar Cristo quando somos humilhados permanecendo de bico fechado contra as injustiças que nos são feitas não retribuindo mal por mal. Falar a palavra de Deus é manter a esperança firme em que em algum momento, o Deus de ordem e paz se fará presente e mesmo no meio do caos ou a partir do mesmo promoverá uma nova criação.

C) Ajudamos a nossa igreja, a nossa família, a nossa sociedade, o nosso bairro e o nosso país a ter melhores líderes, na medida em que assumimos nosso papel de liderança em cada posto que ocupamos. Não imagine que a sociedade não nos vê. Ela sim nos vê e nos julga. Talvez por isso é que nos tenhamos mimetizado tanto nos últimos anos ao ponto tal que não mais nos parecemos com nada. Estamos tão camuflados, tão misturados, tão superficiais, tão irreverentes, tão desgraçados que em nada mais nos distinguimos do mundo. A pregação do mundo entra e avassala a igreja com uma facilidade tremenda. Com inaudita facilidade temos abandonado nosso posto, preferindo o vento da aceitação pública. Temos vendido nossa primogenitura a troco de bananas e a maior parte dos nossos jovens, adolescentes e crianças não sabem mais nem sequer o básico da vida cristã.

D) Temos acreditado no discurso preparado no colo do Diabo que diz que você não pode falar nada nem criticar nada pois antes têm que ter uma vida imaculada. Há duas coisas a dizer sobre isto: 1) A critica tem que estar baseada na palavra cheia de autoridade do Senhor que é criador e chama as coisas que não são como se já fossem e 2) Ninguém pode ter uma vida imaculada e se a tivesse, Cristo seria desnecessário. É por isso que as palavras de Miqueias ao respeito do seu novo reino se tornam relevantes demais: “Farei dos que tropeçam um remanescente e dos dispersos, uma nação forte. O Senhor reinará sobre eles no monte Sião, daquele dia em diante e para sempre” (Miq. 4:7)

E) Não se trata então de nos trancafiarmos num templo durante duas horas por semana para cantarolar algumas músicas, ler um texto sagrado e esperar que alguém nos diga alguma coisa que nos incentive para enfrentar a segunda feira, o cônjuge, o serviço ou a morte. Nem também sermos os chatos incorrigíveis que só falam de Bíblia e não sabem nada sobre a operação lava-jato, o próximo rebaixamento do Corinthians (ou alguém tem dúvidas sobre isso) ou a misteriosa manutenção do preço da gasolina quando o barril do petróleo caiu para menos da metade do valor em poucas semanas no mundo afora. Trata-se então, de experimentar o Deus vivo no aeroporto, no shopping, na praça, no serviço, na intimidade com a família ou num Show de Maria Bethania e ai, como chuva calma, como o suave orvalho matutino, ir derramando da paz e da ordem que nem sequer nossas são e sim do criador.

Conclusão: Nossa sociedade está carente de boa liderança. Estamos indo para o bueiro moral e espiritual a passos largos. Não sou um daqueles saudosistas que pensa que todo tempo passado foi melhor. Também não sou um neurótico que constrói castelos no ar imaginando que arrebentar tudo e construir uma nova sociedade sem nada do antigo seria o ideal. Muito menos sou um psicótico para morar dentro deste castelo isolando-me da realidade que nos golpeia dia após dia por diferentes meios

Apenas me considero um cristão critico que vê que a mesma sequência de eventos se repetem ao longo do devenir histórico de várias sociedades e entendo que cabe à nossa geração pronunciar as palavras e tomar as atitudes (assim, nessa ordem: palavras seguidas de atitudes) que promovam o reino de justiça, fidelidade e humildade que o Senhor está construindo já e agora. Entendo também que nos cabe instruir à seguinte geração neste mesmo intuito da mesma forma em que Adão e Eva instruíram a Caim, Abel e Sete e na mesma forma em que o povo foi instruído (Deut. 6:6-7) a repetir “a palavra” aos filhos. Não que isso nos garanta que os filhos vão conseguir ou querer seguir a trilha deixada, mas sim enfatizar que é essa nossa responsabilidade.

No meu entender, só assim podemos a longo prazo ter esperança de lideres mais sábios e mais sujeitos à palavra de Deus dentro e fora da Igreja de Cristo.

Concluo pois relembrando o que o Senhor opina sobre a seara e os obreiros. Sobre a coisa a ser feita e quem a faz. Sobre o Rei, o reino e seus príncipes:

A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da plantação que mande obreiros para fazerem a colheita.“ Lucas 10:2

Faltam lideres, caramba! by Igreja Pequena on Mixcloud

REFORMA PROTESTANTE – 497 ANOS

2Lendo alguns biógrafos que relatam o período da Reforma, começamos dizendo que somos “frutos” (espiritual/intelectual) daquilo que denominamos REFORMA PROTESTANTE. Abraçamos suas ideias (não todas) e as entendemos que essas se deram como um marco na história da igreja. Marco tal que desembocou em inúmeras micro reformas até os dias de hoje.

A Reforma Protestante deve seu legado histórico à iniciativa de Martin Lutero e suas noventa e cinco teses estacadas na porta de sua capela no dia 31 de outubro de 1517 – início de um protesto contra as indulgências que prometiam ao povo uma garantia de pecados perdoados antes mesmo que fossem cometidos. Praticamente um comércio salvífico não escriturístico; um meio ilegal para arrecadação de dinheiro usando um discurso de ameaças infernais e cravando sobre o povo um regime de obras, tudo pelas mãos de ferro da igreja imperante.

Mas Lutero ousou ser um mensageiro de Cristo. Sua vida como um todo e seus estudos o levaram profundamente a querer entender o Novo Testamento. É a partir de sua trajetória que hoje temos consciência dos pilares da reforma: Sola Scriptura; Solus Christus; Sola Gratia; Sola Fide; Soli Deo Gloria. Essas numa tentativa de retornar a Bíblia como fonte da revelação divina e prática dos homens.

Não quero aqui biografar acontecimentos passados, quero apenas elencar rapidamente o que esses pilares deveriam ser para nós cristãos pós-modernos, nós que sobrevivemos às mudanças, perspectivas e paradigmas do séc. XX e nos erguemos por meio do engajado evangelicalismo da década de 70. Minha pergunta é: Como devemos, em nosso atual contexto, refletir esses pontos enaltecidos pela Reforma? Respondo desde já que nossa resposta deve ser bíblica. Quero aqui elencar apenas três desses pilares.

Sola Scriptura – Quem já leu sobre o movimento iluminista e pós-iluminista sabe que um grande embate se formou em torno dos dogmas (autoridade) e doutrinas da igreja romana e reformada. Sabe-se que a busca das tradições humanas sobrepujou as Escrituras enquanto palavra de Deus escrita aos homens.

Quase dois séculos antes, Lutero se levantou arguindo contra a igreja católica romana no princípio contrário, ou seja, em outras palavras, Lutero queria uma verificação nas Escrituras daquilo que a Igreja estava realizando e prometendo. Ele exigiu uma volta as Escrituras Sagradas. Enquanto o séc. XX, fonte de todo desaguar dos séculos anteriores, exigiu o descrédito da Bíblia em prol das ciências naturais, o período da Reforma elevou-a ao topo de todo conhecimento e razão para o ser humano.

Portanto, quando falamos de Sola Scriptura, falamos da volta ao texto e seu contexto macro, o que pressupõe a fuga de todas as abstrações do texto real. Nada nela, nenhuma sílaba deve ser alterada para especulações e por tradições dos homens (aqui admito que todos nós vamos ao texto debaixo de tradições e pré-conceitos; o importante é sempre voltarmos ao texto antes de validarmos nossa razão e abstração) . Tudo nela deve ser levado em consideração; todos os etas (e, gr.), ou seja, cada partícula conectiva entre um versículo e outro, cada argumento e contra argumento, cada til de toda Escritura deve ser levado a sério. O apelo ao todo das Escrituras, tudo o que a compõe e seu contexto, devem ter primazia quando houver tradução e interpretação.

Sola Scriptura nos leva, consequentemente, ao Solus Christus.

Solus Christus – O evangelho, enquanto mensagem de boas notícias, vem nos revelar que somente Jesus é o Senhor universal. Essa é a verdadeira intenção desse slogan. A Reforma trouxe sobre esse ponto a denuncia aos mediadores que estavam sendo postos, potencialmente, no nível de Jesus Cristo. Um exemplo: Os santos ou os ossos dos santos eram venerados e, também, um meio de obter indulgências. Para esse contexto mercadejante, Lutero combateu acertadamente utilizando princípios do corpus paulino. Isso não quer dizer (meu ponto de vista) que tenha interpretado corretamente os textos paulinos que utilizou.

Mas, Solus Christus tem a nos dizer que o Jesus de Nazaré se tornou o Messias de Deus e proporcionou a Ele toda glória que a raça humana não lhe deu por direito. Isso quer dizer que esse slogan fala mais sobre uma verdade a respeito do Messias de Deus do que uma verdade sobre você e eu e nossa salvação. Fala, num contexto político, sobre um Rei que é universalmente superior a qualquer rei ou césares posto no trono e, indo além, Ele, Jesus Cristo, detém toda autoridade e poder em relação às autoridades humanas. Para finalizar essa reivindicação, devemos lembrar que ela foi utilizada no primeiro século como o evangelho que era superior ao do imperador romano da época. Isso tem haver com Jesus Kyrios, o Senhor do mundo, maior que todo reino ou império e que está acima de todos.

Outro aspecto do Solus Christus é o ponto em que Deus condenou, na carne de Jesus, todo pecado da humanidade que ofusca sua glória na criação, iniciando por meio de Sua ressurreição uma nova criação pautada no Christus Victor (Cristo vitorioso) – mais utilizado por Paulo do que o Cristo da expiação. Assim, nossa esperança vem da vitória de Jesus Cristo sobre o pecado e a morte.

Solus Christus nos leva, prioritariamente, ao Soli Deo Gloria.

Soli Deo Gloria – A verdade dessa afirmação é que somente ao Deus YHWH seja toda glória pelos séculos dos séculos, amém. Nada mais pode produzir glória ao Deus de toda criação do que uma humanidade refletindo Sua imagem e semelhança. Por meio de Jesus Cristo (Solus Christus), a humanidade agora pode ser redimida e será no fim das contas. Podemos, com toda certeza, afirmar que Deus é glorificado quando, por meio de Cristo, seu povo lhe rende glória dentre as nações.

A graça e o poder da mensagem do evangelho (Sola Gratia), aliada a fé (Sola Fide) mediante o Espírito Santo (alguns teólogos modernos trabalham o Sola Gratia em conjunto com Solo Spiritu, realidade na literatura paulina), produz uma nova humanidade, àquela desejada desde o gêneses; uma nova humanidade colocada sob um novo pacto/aliança, onde o pecado e o cosmos estão debaixo, uma vez por todas, da autoridade de Deus e seu Cristo. Uma vez que as alianças judaicas culminaram no novo pacto, na pessoa de Jesus, Deus é glorificado por Sua justiça que completa o plano de salvação lidando com o mal no mundo e elevando a humanidade caída a uma criação exaltada.

Desse modo, nessa breve exposição que fizemos acima, retomamos o Sola Scriptura para confessarmos que somente ela pode nos avivar, após a conversão por meio da pregação do evangelho, numa caminhada onde abraçamos as histórias e experiências de fé daquele tempo, povo, e convergimos ao nosso tempo – como fez Lutero – num processo de adaptação e direcionamento das verdades reveladas.

Reavemos o Solus Christus – contido em toda a Escritura – para trazer à memória aquilo que nos traz esperança. Que a história de Jesus de Nazaré, aquele que foi crucificado e ressuscitado dentre os mortos pelo mesmo Deus de Israel que o vindicou como Messias; o Senhor de todas as coisas o qual todo joelho se dobrará e toda língua confessará (judeus e gentios) que Ele é Senhor, que essa história seja para nós conversão (experiência de fé) e vocação (encarnação das obras/sofrimento de Cristo).

Isso porque, produzirá glória a Deus Pai – Soli Deo Gloria – como o grito de desespero de toda a criação que aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus; assim, seremos nesta geração os personagens dessa maravilhosa trama onde Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo já venceram e trouxeram esse vitória para o centro da nossa história.

Odeio política! Mas sou a favor do “direito de todo ser humano ter direito”.

Rafael de CamposGosto de associar alguns temas com imagens. Política é um desses temas. Nessa reflexão nos foi proposto escrever sobre “política e o cristão”. Mas como muitos brasileiros, me identifico com outras questões. No entanto, farei um esforço para debater algumas ideias sobre “direito humano”.

            Vamos iniciar com a imagem da “torre de Babel”. Um povo construindo uma cidade e uma grande torre para alcançar os céus dos céus. Um povo de uma só língua querendo encontrar nas nuvens as prosperidades de suas maquinações. Um povo com o mesmo propósito, o de intentar contra aquele que rege toda a Terra. Um povo querendo concentração de poder, glória e riqueza em suas mãos. Um povo querendo ser onipotente, ajuntados em uma mesma cidade para realizar qualquer desígnio que seu coração proponha. Essas são algumas das imagens que minha mente desenha ao ler a narrativa de Gênesis 11. 1-9. Mas YHWH achou melhor não ser assim; talvez por saber que onde “corações” e “línguas” se reúnem, com mesmas iniciativas, sempre advogam arrogantemente seus desígnios acima dos desígnios de Deus. Confusão e dispersão foram a iniciativa de YHWH.

            Essa realidade não mudou muito de lá para cá. Somos um povo que ainda se reúne para maquinar “boas” intenções, bons cultos, bons projetos, bom governo, boas leis, etc., sempre com objetivos pessoais ou mútuos. Há quem diga que foi de Babel que se formou os povos espalhados sobre a face do planeta Terra. Cada nação, povo e língua. Gente de todas as cores e raças, jeitos e trejeitos, culturas e leis diversas.

            Surge uma pergunta: será que “Babel” não foi o protótipo do que veio a ser as nações? Não sei a resposta para essa pergunta, no entanto, penso que Deus sempre chama a si mesmo para olhar e averiguar os desígnios do ser humano em cada nação espalhada pelo globo. Imagino-o também confundindo e dispersando a humanidade quanto aos seus próprios interesses.

            Deixando a imagem da torre, me identifico com as palavras de Foucault (Microfísica do poder), quando diz que o problema da arte de governar, desde o séc. XVI é no nível do “governo de nós mesmos”, o “governo da conduta das pessoas” e o “governo dos Estados”. Ou seja, como ser governado? Por quem ser governado? Até que ponto? Todos nós desejamos um “futuro governo” cabível às nossas pretensas sugestões do que são ou não propostas a se apoiar ou, se são ou não dignas de serem implantadas em nosso país. Mas entendo que o problema não é sermos apoiados em nossas sugestões ou, até mesmo, apoiar aquele que compartilha com nossas sugestões de um governo justo; e sim que, isso tem haver com um problema de governo intrínseco.

            A imagem de Babel é apenas um exemplo daquilo que entendo, teologicamente, ser a raiz do problema da humanidade: governar a si mesmo após a Queda. Consequentemente, governar as pessoas, uma nação, o que seja o menor desempenho governamental, nunca teremos como resultado o ideal. Podemos falar a mesma língua, termos as mesmas intenções e convicções, sempre teremos confusão e dispersão. A grande tentativa é buscar o melhor diante de todas as opções que buscam o ideal, o bem comum a todos. Digo isso por entender a pluralidade existente em todos os âmbitos e estâncias de uma nação. Isso toca, na minha compreensão, nos direitos que servem – ou deveriam servir – os seres humanos.

            Os direitos humanos propõem um tipo/estilo de vida vivido num ambiente/espaço esperado por todos em virtude, simplesmente, de sua humanidade. Por que somos seres humanos esperamos ser resguardados em nossa condição tal. Isso diz respeito a inúmeros direitos de ordem universal, civil, econômico, etc. (isso olhando para os direitos considerados gerais). Cabe dizer que os direitos de todo ser humano são “guardados” por leis que são tidas justas e receptíveis a todos (cf. Os cristãos e os desafios contemporâneos – John Stott).

            Analisando e seguindo pela linha teológica tradicional e conservadora, refletir direitos humanos é remontar à criação do homem; é se apoiar, historicamente, àquilo que certo “deísta” (Thomas Paine) escreveu: “[…] chegaremos ao tempo em que o homem veio da mão do seu Criador. O que ele era na época? Homem. Homem era o seu elevado e único título e um maior não lhe pode ser dado” (Os cristãos e os desafios contemporâneos). Como criaturas, parte de uma mesma família humana, temos os direitos à humanidade desde o princípio. Não os buscamos, não adquirimos esses direitos; eles estão em nós e nos expressam.

            Voltemos ao governo de nós mesmo proposto pela Queda. A “Queda” de toda humanidade torna o que éramos naquilo que não somos e, consequentemente, passamos a ser “isso” por essência. Vivenciamos a desumanização e suas agregações por milênios. Os direitos que nos pertenciam intrinsicamente, hoje precisamos buscá-los, entendê-los, racionaliza-los, lutarmos e apropria-los ao bem comum.

Não raras exceções, encontramos gente que deseja, pelo bem maior, descobrir um caminho que defenda e abrigue as pessoas, pautados por leis que reagem contra abusos, discriminação, racismo, desumanização etc., priorizando as inter-relações humanas e, de certa forma, demonstrando os limites disso tudo. Entendo que todo crime contra a humanidade transparece as nossas próprias atitudes e limitações egoisticamente desenfreadas. Somos indisciplinados, orgulhosos, avarentos, sedentos por sangue, controladores, invejosos, autodestrutivos, (…), pioneiros do mal contra nós mesmos e, com tudo isso, enaltecemos nossa escabrosa humanidade depravada e rebelde.

            O problema é que sempre impomos ao outro, no mesmo padrão, as deturpações de nossa mente, de nossa “raça humana”. Assim, generalizamos e repassamos, desde sempre, a barbárie como um circulo vicioso sem fim. Parece uma antropologia “supra real” o que escrevi acima, mas isso pode ser visto nas atrocidades descabidas do “ser humano”: genocídios, torturas, perseguições, casamentos de contrato, guerras e assassínios em massa, exploração de crianças, mulheres, idosos e deficientes; roubalheiras sem fim, fome, julgamentos injustos, falta de liberdades e de expressão (religiosa), falta de educação e cuidados básicos de saúde, desmatamentos; isso expondo alguns dos problemas de desumanidade.

            Com isso, não quero dizer que não há esperança para nós. Devemos sempre nos lembrar desse “pano de fundo” que nos assombra e que, por vez, nos acostumamos como sendo normal. Como cristão preciso assumir que existe um jeito certo de lidar com a humanidade e seus direitos. Como cristão preciso, também, olhar para a bondade de um Criador que não nos deixa, a nós mesmos, acabarmos de vez com nossa humanidade. Um Criador que não nos deixa mergulhados no mal. Por isso, sempre haverá gente boa tentando fazer coisas boas. Sempre haverá pessoas movidas pela bondade (graça comum) em prol da humanidade.

            Minha proposta sobre os direitos humanos é sim um olhar e retorno para os preceitos bíblicos. Não como imposição da religião cristã, mas como uma luz, entre muitas sugeridas, em meio aos conflitos e lutas por justiça e por direito. Já há tempos optamos e concordamos com a laicidade; fomos precursores no apoio a um Estado separado da Religião e, é assim que devemos manter. Se assim está fincado, não devemos exigir que “o governo deva impor o cristianismo”; nem também que o “governo exclua a religião cristã” (Cf. Política segundo a Bíblia – Wayne Grudem).

A Bíblia como livro da fé em tono do Cristo é um livro universalmente conhecido, mas não imposto como regra universal. Mas podemos elencar que dela três palavrinhas resumem a cosmovisão acerca do ser humano: “dignidade, igualdade e responsabilidade” (Os cristãos e os desafios contemporâneos). Embasados nelas, devemos garantir uma resposta que se fixe ao compromisso exigido por essas palavras. Lembrando, também, que não podemos fazer dos direitos humanos direitos ilimitados, mas comprometidos com os direitos de todos. Um exemplo é exigir dignidade além da dignidade do outro; ou exigir uma igualdade que infrinja os termos de igualdade do outro. Podemos resumir que “em toda ação que consideramos correto praticar devemos também considerar que essas não infrinjam os próprios direitos humanos que procuramos defender”.

Meu “olhar”, portanto, volta-se a um tratamento responsivo e não inventariado sobre a humanidade que nos é comum. Como tais, todos “compartilhamos da glória e da tragédia de sermos humanos” e, assim, não temos o direito de desumanizar qualquer um que seja imagem de Deus enquanto criaturas.

Há um desconforto entre os cristãos com programas de direitos humanos, especificamente os direitos dos homossexuais. Concordo que esse não é o tema mais importante da pauta de um governante, principalmente quando economia, educação e saúde devem ser prioridades superiores, pois atingem a todos. Minha leve opinião sobre o assunto, enquanto direitos, é que os mesmos princípios que envolvem a “dignidade, igualdade e responsabilidade” não devem ser negligenciados a estes.

A sociedade cristã eleva tanto seu posicionamento contrário às uniões de pessoas do mesmo sexo que, agindo desse modo, favorecem as comunidades LGBT a uma transformação da prática homossexual em uma idolatria desenfreada frente à heterossexualidade (Cf. Homossexualidade – Perspectivas Cristãs – Cobb; obs.: não concordo com basicamente 90% do posicionamento do teólogo do processo).

Tanto Stott quanto Cobb compreendem que o relacionamento sexual entre homossexuais nunca será pleno como o vaginal, principalmente por não poderem gerar seus próprios filhos. Sobre o assunto, concordamos que a procriação seria o ideal no relacionamento sexual, no entanto, nem todos os casais procriam seguindo o ideal. Sexualmente, ninguém consegue alcançar o ideal, o que corrobora com a nossa condição humana “normal”. A completude gerada na união de dois corpos sempre será finita e desproporcional àquilo que foi planejado e é chamado de “natural”.

Outra questão é que o sexo (não apenas para a procriação) é também meio de companheirismo e intimidade. Essa assertiva é psicologicamente comprovada para todas as manifestações sexuais. Essa intimidade, de forma negativa, sempre foi corrompida mediante a promiscuidade, a luxúria e inúmeras perversidades. O que quero dizer é que, assim como há homossexuais depravados também há heterossexuais na mesma condição. Ambos fazem de sua sexualidade o seu “ventre”. Todos são atingidos essencialmente pelo distanciamento do ideal.

A grande problemática é que fizemos das pessoas nossos inimigos. C. S. Lewis diz que “antigamente matavam-se os homens maus, hoje eliminam-se os elementos antissociais” (A abolição do homem). Lutamos contra a vida por causa da sexualidade e afins. Lutamos contra a homossexualidade como algo demoníaco ou uma doença genética (psicologia antiga), sendo que se os problemas fossem esses, R. R. Soares/Benny Hinn e outros curandeiros cristãos dariam conta em nome de Deus. Prefiro entender como uma condição fora do ideal para procriação, o que não isenta o companheirismo e afetividade adquirida por eles. John Stott diz que “precisamos ser sensíveis ao fato de que estamos lidando com as emoções das pessoas, sua identidade sexual e seus sonhos de encontrar amor e aceitação”.

Surge a questão: Politicamente devo impor minha fé e realidade cristã em detrimento dos direitos que nos iguale? Acho que não! Esse não é o nosso papel enquanto igreja; seriamos ditadores se impuséssemos uma realidade e experiência cristã como regra de fé a todos. O mesmo acontece do ponto de vista contrário. O lobby gay deve ser uma realidade a ser encarada e engolida por todos? Não! Aqui diferencio o lobby gay dos outros gays que refutam os direitos exigidos por esse partido intransigente. Sou pela causa da igualdade e dignidade enquanto movidos pela responsabilidade daquilo que exigem.

Posso condenar a prática homossexual e mesmo assim conviver bem no meio de uma nação pluralista em seu modo de pensar e de agir legalmente. Isso desde que meus pensamentos e ações sejam respeitados enquanto direitos iguais.

            Portanto, finalizo afirmando que a prática homo afetiva é pecado, mas que mesmo desaprovando, não tenho a liberdade de desumanizar quem o é ou, aqueles que nela se envolvem; que não sou a favor das minorias e suas exigências por leis que destoam das leis igualitárias. Entendido como igreja, penso que nossa realidade e fé podem ser oferecidas a todos, levando em consideração que nem todos, por escolha, optarão a seguir e viver a fé cristã. Assim, todos nós seres humanos convivemos numa realidade social democrática. Resumo e concordo com um sociólogo que diz: “Democracia é pluralidade de interesses e de discursos aprendendo a conviver. Dentre esses muitos discursos, os das igrejas protestantes deve ser mais um, o discurso da ciência, outro, da arte outro, e assim sucessivamente, mas sem que nenhum deles acalente pretensões de construir uma torre para tomar os céus de assalto” (Novas perspectivas sobre o protestantismo brasileiro).

Cristão e política: Entre a alienação e a manipulação

Cresci em uma comunidade de batistas livre-pensadores (se é que isso pode existir) em que as premissas de liberdade, igualdade e fraternidade -se bem não eram mencionadas com essas palavras nem nessa ordem- estavam no âmago da existência social.

Desde cedo soube que se bem Engel, Marx e Lenin (que não são um grupo de rock grunge para os desavisados) eram compatíveis com a teologia da restauração do ser humano, não o eram o marxismo-leninismo como doutrina e muito menos o stalinismo como sonho de consumo das classes oprimidas. Ao mesmo tempo, também ficava claro que um estado voltado para a extrema direita em que alguns poucos escolhidos a dedo eram os que podiam ter alguma chance de sucesso e que dava rédea solta e descabida a uma forma doentia de capitalismo cruel que auto justificava sua existência, não era a esperança prática de um mercado que ao final das contas é formado por gente.

Isso tudo, estava reforçado pela presença pensante de minha dupla dinâmica de pais que tinham nascido na pós guerra e crescido durante a guerra fria. Tinham visto ser a própria democracia do pais esmagada pela presença ditatorial de uma direita moralista que teve sua chegada auspiciada por uma esquerda sublevada pelos desejos revolucionários desnecessários (ao meu ver) em um pais de longa tradição democrática e plenamente livre. Aliás, vale salientar que meu pais é o único latino-americano formado sobre bases laicas logo na sua primeira constituição o que faz ressaltar ainda mais a pretendida revolução.

Atravessei minha infância, então, com um medo danado de uma explosão atômica acabar com as praias mais lindas que existem sobre a face da terra, de sermos varridos pelos soviéticos (sim, naquele tempo da pre-historia, existia um pais que se chamava União de Repúblicas Socialistas Soviéticas) e com uma raiva visceral pela ingerência americana em solos orientais (O nome do meu pais é Republica Oriental del Uruguay, por isso o ‘orientais’). Ou seja, não sobrava ninguém. Eram os charruas contra o resto.

Ai chega a democracia que – ó coincidência – parece que chega simultaneamente e de forma sequencialmente ordeira ao resto do continente. Quando vemos a história, parece que entramos e saímos desses momentos mais ou menos juntos. Tipo assim, desde os tempos de Colombo que estas Américas andam mais ou menos de mãos dadas ou pelo menos, aquela parte que vá de Tierra del Fuego hasta el Rio Bravo del Norte.

Trago à memoria, Winston Churchill – primeiro ministro britânico durante a segunda guerra mundial – que dizia que a democracia não é a forma ideal de governo, mas é a melhor que conhecemos. E lembro também dos grandes momentos da democracia brasileira (sem consultar o Google, que conste) como Juscelino Kubitschek de Oliveira, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e por ai vai. Quem me lê e está atento à lista, já presume certa tendência. Todavia minha tendência é pela boa ventura do Brasil e não por uma certa vertente política. Mas deixa te mostrar como chego lá.

Conheço o Brasil desde 1981, mas cheguei para morar em 1995. Acompanhei muito meu pai pelas suas viagens pelo Brasil então conheço muitos becos e recantos e desde cedo me acostumei com o lance de entender uma cultura que não era a minha. Então quando cheguei, já cheguei amando, curtindo, deleitando-me nessa vasta cultura brasileira.

Todavia, o grande choque veio da constatação da apatia politica (em que a grande massa parece estar imersa) e o voo rasante de alguns abutres eleitoreiros. Para piorar a cena, alguns – assim chamados – pastores e lideres espirituais transferiam à grei suas próprias preferencias políticas pessoais e quando não, impunham esta opção por diversas vias de extorsão psico-morais-espirituais como se de algum projeto divino se trata-se. Não saem da minha memória placas e cartazes, outdoors e outros meios massivos dizendo que a igreja x vota em fulano.

Do outro lado da cena evangélica, estavam os pastores que se entendiam humildemente como tais por causa de uma vocação divina. Eles entendiam que o povo tinha que ficar livre para votar em quem melhor entendia sem a influência do púlpito. Só que em lugar de gastar alguns minutos explicando o porquê desta atitude, pairava no ar a ideia de que ali, dentro daquelas quatro paredes, o mundo não era politico; ali não havia problemas como quem seria melhor candidato para presidente, deputado, prefeito, vereador; ali era a redoma intocável de um povo apolítico que só fora do expediente espiritual se permitia talvez esboçar algumas interrogantes práticas (como “em quem votarei para xxxx?”) que acabavam sendo respondidas quase sempre por sorteio do menos feio, o menos pior, ou o mais espalhafatoso.

Então há ao meu ver dois extremos bem nítidos na vivencia politica evangélica brasileira: A alienação e a manipulação. As duas posturas mamam de uma crendice popular muito bem alicerçada e muito bem nutrida por descuido pastoral seletivo voluntário. Esta crendice é a de que a voz do pastor local é quase que a voz e Deus. Se ele fala que devo votar em Ciclano, então é em Ciclano que vou votar e se ele – seja por seu exemplo pessoal ou por sua falta de interesse, por arrogância ou por pura ignorância, medo, ou o que for – comete alienação constante das coisas politicas, então eu vou me alienar.

Considero a manipulação uma ferramenta diabólica forjada nas bigornas do próprio inferno. Mas entendo que a alienação é tão ruim ou pior que a manipulação porque deixa ao “Deus dará” uma coisa que deveria ser pensada, orada, conversada. Por conta disso e em última instância, o pais é levado pelos manipulados que em lugares de fieis livres pensantes se transforam em massa de manobra de uma corja desgraçada de corruptos, corruptores e corruptíveis que enxergam no palanque nada mais do que oportunidades de se enriquecer de forma rápida e muitas vezes ilícitas às custas (e nas costas) do próprio povo que deveria servir.

Então o que fazer? Quais são as garantias? Como sei que vou acertar? Qual é o candidato que Deus quer? Qual o candidato evangélico que devo apoiar? Como escolho bem um candidato?

Bem, para inicio de conversa, você não tem garantias nenhuma de que vai acertar até porque o que é acertar? O pais muda muito no período em que eles estão no poder e muitas vezes é exatamente isso que o pais precisa: mudanças. Segundo, Deus ama a liberdade e é exatamente isso que ele quer para o ser humano então não há um candidato A, B ou C que o Criador prefira na sua magnifica vontade. Terceiro quem lhe disse que deve votar em um candidato evangélico?

Então, como proceder ao final de contas? Lá vai uma coisa que detesto fazer, uma receita de bolo para ser bem sucedido. Depois escreverei alguma coisa contra receitas de bolo, mas lá vamos nós no embalo das próximas eleições com uma receitinha básica:

  1. Erradica a ideia da redoma cristã evangélica.
  2. Deixa para atrás a perversão do almejo de um estado teocrático. Visa alvos maiores e abrangentes.
  3. Sonha com uma democracia forte e transparente em que os candidatos sejam trocados livremente pela vontade do povo em espaços curtos mas não curtíssimos.
  4. Apoia (durante o período de governo) os projetos que valorizem a construção de uma sociedade mais estável e com melhores oportunidades para seus cidadãos.
  5. Asiste um jornal de verdade (há alguns nas televisão aberta que valem a pena) e presta atenção não só nos escândalos da farra política mas também nos grandes projetos do pais. Uma vez ou outra, ouve a Voz do Brasil. Em especial o Jornal do Senado e o Jornal do Judiciário (dois minutos cada)
  6. Discute não só os candidatos mas os projetos que estão sendo apresentados.
  7. Escolhe com antecedência teus candidatos (principalmente Presidente e Senadores) e acompanha eles durante a campanha mas não fique só com um. Observe os outros candidatos e não tenha medo de mudar se for preciso.
  8. Fica atento aos debates e tenta conhecer mais de perto a forma de pensar não só do teu candidato mas dos outros. Lembra que é bem provável que um debate será o mais perto que consigas chegar do teu candidato e seu pensamento. Foge do que mente. Se és homem, chama uma mulher para detectar o mentiroso.
  9. Cai fora do curral e muda de igreja se teu pastor quer te obrigar a votar em este ou aquele candidato.
  10.  Vota com responsabilidade e vigor. É serio, o destino da nação está em tuas mãos e ao meu ver, só um voto responsável te dá direito de dizer “esses políticos – que eu coloquei lá – só estão fazendo isto e aquilo outro” ou dito de outra forma: não votou, não opine.

Seja que descambemos para a alienação ou para o voto de curral, em qualquer dos dois casos estaremos, com certeza, deixando de lado o que de mais precioso temos: a liberdade de pensamento. O bom voto, é o voto consciente e estudado.